Em ano de pandemia da Covid-19, procuradores e juízes com atuação na esfera federal receberam R$ 543 milhões em benefícios acrescidos a seus contracheques.
Conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, foram licenças-prêmio, gratificações por acúmulo de ofícios ou pagamentos retroativos —com recorrentes valores individuais superiores a R$ 200 mil, no caso deste último benefício—depositados aos servidores ao longo do ano de 2020.
O valor global representa um aumento de 48% (ante uma inflação anual de 4,52%, pelo IPCA) em relação aos mesmos benefícios inseridos nos contracheques de 2019, quando totalizaram R$ 367 milhões.
Um levantamento feito pela Folha levou em conta os quatro braços do Ministério Público da União –MPF (Ministério Público Federal), MPT (Ministério Público do Trabalho), MPM (Ministério Público Militar) e MPDFT (Ministério Público do DF)— e Justiças Federal, do Trabalho e Militar.
No caso do Ministério Público, a PGR (Procuradoria-Geral da República) sistematizou os dados e os forneceu à reportagem.
Já o CJF (Conselho de Justiça Federal), órgão central das atividades da Justiça Federal, se recusou a fornecer as informações. A Folha levantou os dados em planilhas fornecidas pelos TRFs (Tribunais
Regionais Federais) ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
A remuneração de um procurador ou juiz federal inclui um salário básico, na ordem de R$ 33 mil, mais acréscimos como auxílio-alimentação, auxílio-saúde ou abono de permanência, pago a servidores que não se aposentam e continuam em atividade.
Os vencimentos acabam turbinados por benefícios que, em sua maioria, não se submetem ao chamado abate teto, um mecanismo que existe para tentar garantir que servidores não ganhem acima do teto do funcionalismo público, que é o salário de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) –R$ 39,2 mil.
Reportagem publicada pela Folha em 31 de janeiro mostrou que pagamentos extras ocorreram em meio a pedidos de entidades classistas para que fossem usadas as economias feitas na pandemia. Com o home office adotado em boa parte das procuradorias e tribunais, houve economia com energia, eventos e outras atividades que demandam presença física.
Em 2020, o Ministério Público da União pagou R$ 149 milhões em licença-prêmio a procuradores da República, procuradores do Trabalho, procuradores de Justiça Militar e promotores do MPDFT. O valor inclui uma fatia a servidores, mas ela é pequena em relação ao total.
O benefício é um prêmio por tempo de serviço, previsto na lei complementar de 1993 que organiza o Ministério Público da União. Tem caráter indenizatório e não se submete ao abate teto. Em 2020, foram pagas licenças num valor 30% superior ao pago em 2019 –R$ 115,2 milhões.
Outros R$ 40,6 milhões foram depositados na folha de 2020 a título de correção monetária de um benefício que equipara vantagens, chamado parcela autônoma de equivalência. O passivo surgiu na década de 1990 para equiparar vencimentos do Judiciário aos do Legislativo e não se submete ao abate teto. Em 2019, os pagamentos da parcela somaram R$ 2,4 milhões.
A decisão administrativa de fazer os depósitos das correções monetárias foi do procurador-geral da República, Augusto Aras, em dezembro.
“Trata-se de direito reconhecido por decisão do STF, transitada em julgado. No MPU, o direito foi reconhecido em 2008, por meio de decisão do então procurador-geral. Os valores pagos atualmente decorrem de um recálculo ocorrido em 2017”, afirmou a PGR, em nota.
Segundo a PGR, o CJF decidiu autorizar todos os tribunais a pagarem a parcela de equivalência. “No caso do MPU, a quitação não foi feita, à época, por falta de recursos financeiros.”
Procuradores recebem ainda uma gratificação em caso de acúmulo de ofícios. O valor individual oscila entre R$ 4.500 e R$ 8.000.
É comum que um procurador cubra o trabalho de um outro afastado. O total pago em 2020 foi de R$ 57,2 milhões, um valor próximo do que foi gasto em anos anteriores. O benefício está sujeito ao teto constitucional.
“Todos os pagamentos feitos no período e nas rubricas mencionadas atendem critérios legais, orçamentários e de disponibilidade financeira”, disse a PGR na nota.
O CJF não forneceu os dados sistematizados dos benefícios pagos a juízes titulares, juízes substitutos e desembargadores. O conselho disse que apenas “descentraliza” os recursos orçamentários e os repassa aos cinco TRFs para que façam os pagamentos.
Os contracheques mensais de magistrados e procuradores devem ficar disponíveis em portais de transparência, para consulta pública. Esses portais, no entanto, permitem apenas consultas individuais, e não sistematizadas sobre os benefícios pagos.
Isso passou a ser possível a partir da publicação de uma portaria pelo CNJ, responsável pela fiscalização do Judiciário, em 2017. Os tribunais se viram obrigados a enviar planilhas ao conselho com todos os dados organizados, de uma maneira em que seja possível fazer consultas.
A Folha de S. Paulo, afirma que consultou todas as planilhas disponíveis e constatou que, em 2020, juízes federais e desembargadores receberam R$ 126,9 milhões em pagamentos retroativos, dinheiro que corresponde basicamente à parcela de equivalência, segundo os TRFs.
Na planilha do TRF1, por exemplo, sediado em Brasília e que abrange mais 13 estados, há pagamentos retroativos individuais a desembargadores e juízes de até R$ 232 mil num mês.
O TRF1 não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Em 2019, os pagamentos retroativos a todos os magistrados, dos cinco TRFs, somaram R$ 1,5 milhão, segundo os dados extraídos das planilhas entregues ao CNJ.
Segundo os TRFs, os atrasados da parcela de equivalência passaram a ser pagos após decisão do STF, que entendeu que o benefício restabelece equilíbrio remuneratório entre os Poderes.
Segundos os tribunais, não há aplicação de abate teto porque o ressarcimento diz respeito a anos anteriores. “O pagamento ocorreu consoante autorização do CJF.”
Os magistrados federais também recebem gratificação por acumulação de jurisdições: R$ 184,9 milhões em 2020, ante R$ 123,7 milhões em 2019. O aumento foi de 49%.
Segundo respostas dos TRFs 2, 3, 4 e 5 à reportagem, houve aplicação do abate teto, o que reduziria pagamentos efetivos na ordem de 40%. Assim, o valor final das gratificações ficaria em R$ 111 milhões.
Os tribunais disseram que todos os pagamentos foram legais, dentro de normativos estabelecidos pelo CJF.
“Não houve interrupção da prestação jurisdicional em razão da pandemia, e o pagamento da gratificação seguiu, no período, as regras estabelecidas em lei”, afirmaram em nota.
Juízes militares que atuam na esfera federal também receberam gratificação por acúmulo de ofícios em 2020: R$ 966 mil, valor superior ao pago em 2019. A reportagem não identificou pagamentos retroativos nos dois anos.
O Conselho Superior da Justiça do Trabalho, por sua vez, informou que as gratificações por acúmulo de jurisdições somaram R$ 57,4 milhões em 2020, ante R$ 50,3 milhões em 2019 e R$ 69,1 milhões em 2018.
A correção da parcela de equivalência, paga a magistrados do trabalho que ingressaram na carreira até 1998, não foi paga em 2020, segundo o conselho. Mas, em 2018 e em 2019, o valor pago chegou a R$ 320,9 milhões.
“A correção monetária sobre parcelas já pagas não corresponde a passivo decorrente de folha, critério adotado pelo CSJT em dezembro de 2020 para efetivação dos passivos, nem constitui débito incontroverso”, afirmou o Conselho da Justiça do Trabalho, em nota.
Os benefícios a procuradores e juízes federais em 2020
MPF:
Licença-prêmio: R$ 80 milhões
Parcela de equivalência: R$ 14,2 milhões
Gratificação por acúmulo de ofícios: R$ 27,6 milhões
MPT:
Licença-prêmio: R$ 47 milhões *
Parcela de equivalência: R$ 11,7 milhões
Gratificação por acúmulo de ofícios: R$ 17,8 milhões
MPM:
Licença-prêmio: R$ 6,7 milhões *
Parcela de equivalência: R$ 3,5 milhões
Gratificação por acúmulo de ofícios: R$ 1,5 milhões
MPDFT:
Licença-prêmio: R$ 15,4 milhões *
Parcela de equivalência: R$ 11,1 milhões
Gratificação por acúmulo de ofícios: R$ 10,2 milhões
Justiça Federal:
Pagamentos retroativos (basicamente parcela de equivalência): R$ 126,9 milhões
Acúmulo de jurisdições: R$ 111 milhões **
Justiça Militar:
Acúmulo de jurisdições: R$ 0,96 milhão
Justiça do Trabalho:
Acumulo de jurisdições: R$ 57,4 milhões
* Inclui servidores, mas são uma pequena parte do montante
** Esse valor é o resultado da aplicação do abate teto, que é levado em conta, segundo TRFs 2, 3, 4 e 5. O valor total, sem abate teto, é de R$ 184,9 milhões
Fontes: PGR, base de dados do CNJ e Conselho Superior da Justiça do Trabalho