Um processo que será apresentado em um tribunal da Califórnia, em fevereiro, argumenta que os algoritmos de redes sociais devem ser considerados um produto defeituoso, e as empresas que os usam estão conscientes disso e devem ser punidas.
Os advogados responsáveis pelo argumento afirmam a Filipe Siqueira, do R7, que depoimentos de denunciantes — como Frances Haugen, ex-gerente de produtos do Facebook — provam que diretores conhecem os efeitos nocivos de suas plataformas, de forma similar ao da indústria de cigarros, que sabia que o produto causava câncer desde os anos 1950.
Caso seja aceito pelo Tribunal do Distrito Norte do estado, o processo colocará em tese o argumento recente de que os algoritmos são produtos criados para viciar usuários, algo comprovado por estudos científicos preliminares.
“As revelações de Frances Haugen sugerem que a Meta há muito sabe sobre os efeitos negativos que o Instagram tem sobre nossos filhos. É semelhante ao que vimos na década de 1990, quando denunciantes vazaram evidências de que as empresas de tabaco sabiam que a nicotina era viciante”, afirmou Previn Warren, advogado da Motley Rice, e um dos responsáveis pelo caso, em entrevista ao site Politico.com.
A medida é mais uma tomada nos Estados Unidos para tentar pressionar mudanças na estrutura das redes sociais. Desde o escândalo da interferência nas eleições norte-americanas de 2016, as plataformas de mídia social passam por escrutínio público.
Vários estudos científicos recentes apontaram uma relação entre uso de redes sociais e piora na saúde mental, especialmente de jovens. Em alguns casos, cientistas encontraram efeitos mais permanentes nos usuários frequentes dessas plataformas, como casos de depressão.
No início de janeiro, escolas dos Estados Unidos processaram o Facebook, Google e outras empresas por causa de uma crise de saúde em alunos.
Mark Zuckerberg, presidente da Meta, controladora do Facebook e Instagram, deu sucessivos depoimentos no Congresso do país e na Europa.
Proteção legal
Mas os advogados responsáveis pela queixa, liderados pelos escritórios Motley Rice, Seeger Weiss e Lieff Cabraser Heimann & Bernstein, confiam que o judiciário pode ser mais efetivo que o legislativo.
Na entrevista ao Politico, eles ressaltam que o processo é complexo, uma vez que é difícil culpar diretamente um algoritmo por possíveis danos mentais, algo exigido pela lei de responsabilização por produtos.
Existe também outra dificuldade, uma vez que as redes sociais são protegidas pela Lei de Comunicação (Communications Act), de 1996. No entendimento atual, o trecho conhecido como Seção 230 exime essas empresas de culpa por conteúdos gerados por terceiros.
Caso o jurisprudência não seja mudada por um longo processo judicial, e a lei não reconheça a ação direta dos algoritmos na forma como o conteúdo é organizado, as redes sociais continuarão livres de responsabilidade sobre possíveis efeitos do conteúdo publicado por usuários.
Processos pendentes
Dois processos pendentes na Suprema Corte dos Estados Unidos tentam estabelecer uma relação clara entre algoritmos e responsabilidade legal.
O mais famoso deles, Gonzalez vs Google LLC, busca também responsabilizar o Google pela morte da norte-americana Nohemi Gonzalez na série de ataques do Daesh em Paris, realizados em 2015.
No argumento dos advogados litigiosos, o sistema de recomendação do YouTube também foi responsável pela radicalização de militantes do grupo terrorista e facilitou o recrutamento de radicais em outros países.
O Google venceu o processo em duas instâncias, baseado na seção 230, e o caso segue na mais alta corte do país desde outubro passado, com o status certiorari — uma decisão que pode causar revisões legais.
Por outro lado, o processo Twitter, Inc. vs Taamneh, que também busca imputar culpa em redes sociais por conteúdo violento, recebeu um parecer favorável das primeiras instâncias, baseado na Lei Antiterrorismo.
Segundo a decisão, Google, Twitter e Facebook podem ser responsabilizados pela morte do jordaniano Nawras Alassaf em um atentado do Daesh, em Istambul, em 2017.