A governadora eleita de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), afirmou em entrevista à Folha que o principal desafio do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é unir o Brasil no novo governo para gerar empregos e fazer a economia brasileira crescer. A matéria é de José Matheus Santos, da Folha de S. Paulo.
Vitoriosa com 58,7% dos votos válidos no segundo turno, a tucana diz que Lula pautou seu discurso “num olhar para as pessoas mais invisíveis”. Apesar de manter a neutralidade sobre a disputa presidencial, declarou que vai “bater à porta” do petista “para garantir recursos para o estado”.
Primeira mulher escolhida para comandar Pernambuco, Raquel Lyra defende que o PSDB reflita sobre o resultado eleitoral após a vitória de governadores em apenas três estados e o encolhimento da bancada de deputados federais. “O momento agora é de reconstruir o partido de baixo para cima.”
O presidente eleito Lula (PT) disse que, em janeiro, vai reunir os governadores e pedir que citem três projetos prioritários nos estados. Quais serão os seus?
Pernambuco vive o momento mais difícil da sua história. O legado do governo Paulo Câmara [PSB] é de muita desigualdade, desemprego e fome, e precisamos garantir medidas estruturadoras para superar isso. [Desde a vitória no domingo] Não discuti outra coisa que não fosse a própria eleição, mas posso elencar a questão do metrô do Recife, a ferrovia Transnordestina e a água para os pernambucanos.
Lula foi eleito por uma margem apertada. Qual é o principal desafio dele, na sua opinião?
Unir o Brasil. O país precisa estar unido para ele conseguir governar, fazer o Brasil se reposicionar, voltar a gerar empregos e ajudar os cidadãos brasileiros a terem uma vida mais feliz.
O que a sra. acredita que foi determinante para a derrota de Bolsonaro?
O Brasil está muito dividido. Penso que o presidente Lula conseguiu agregar um discurso sobre o futuro, de unir o Brasil, e se pautou muito num olhar para as pessoas mais invisíveis.
Mas a sra. não acha que tem algo nesses quase quatro anos de governo que atrapalhou, como a gestão dele na pandemia?
O povo tem sofrido muito ao longo desse tempo, a pobreza aumentou. Sempre visitei [a população], fiz campanha abrindo a geladeira, destampando as panelas, e o que a gente viu foi a volta de um Brasil de fome e miséria.
Qual deve ser a posição do PSDB no governo Lula?
O momento agora, conversei com Eduardo Leite [tucano reeleito no RS], é de reconstruir o partido de baixo para cima. O PSDB vai passar por um processo [de reflexão], sofreu ao longo dos últimos anos, diminuiu de tamanho, e agora é uma grande oportunidade de se reposicionar e voltar a crescer a partir do chão, dos nossos estados. A posição do PSDB ainda vai ser discutida no partido, [o presidente da sigla] Bruno Araújo chamou para uma conversa sobre o tema. O Brasil precisa estar unido para enfrentar o momento que a gente vive.
A sra. votou em quem para presidente no segundo turno?
Não vou declarar meu voto. Mantenho a posição [de neutralidade da campanha do segundo turno].
A sra. foi eleita a primeira governadora, com vice mulher, e o estado terá a primeira senadora, Teresa Leitão (PT). Como avalia esse movimento do eleitorado?
Chegou a hora. As mulheres são maioria da população. Se a gente fizer um retrato do rosto do que é a fome em Pernambuco, é o rosto de uma mulher que mora nas periferias, na zona rural dos municípios, que tem filhos pequenos, e essa mulher decidiu pela mudança e por levar ao poder mulheres que se conectam com suas dores, gerando novas oportunidades, com mais sensibilidade e transparência.
O Brasil elegeu neste ano apenas duas governadoras, entre 27. Como tornar a participação feminina na política maior?
Ainda é muito pouco. O Brasil tem uma sub-representação de mulheres [na política], a gente perde para países com democracia muito menos fortalecida do que a nossa. Houve evoluções como cota de gênero, a destinação obrigatória de recursos, mas é preciso democratizar o acesso a esses recursos dentro dos partidos políticos para que tenhamos mais mulheres com protagonismo. Outros países já avançaram para ter cotas de cadeiras nas casas legislativas. O Brasil precisa amadurecer para chegar a esse ponto.
A senhora é filha do ex-governador João Lyra Neto, e a vice-governadora eleita, Priscila Krause, é filha do ex-governador e ex-ministro Gustavo Krause. Por que o sobrenome ainda pesa em Pernambuco?
Se olhar para mim e para Priscila, somos as únicas da nossa geração que disputamos cargo político. Construí toda a minha trajetória dentro do serviço público. Priscila tem a trajetória dela montada como deputada aguerrida de oposição. Nos encontramos na política, não foi por um conchavo. Teve gente na nossa família, na dela e na minha, que deu parte da sua contribuição para o crescimento da democracia, mas o fato é que construímos a nossa história, não nos escoramos num sobrenome para chegar até aqui.
A sra. é a única governadora do Nordeste que não é aliada de Lula. Vai procurar os dois senadores do PT no estado para construir essa ponte?
Vamos buscar o presidente, que tenho certeza que não faltará a Pernambuco, apresentando projetos estruturadores para garantir que o nosso estado possa voltar a crescer. Com os projetos debaixo do braço, vou bater à porta do presidente para garantir recursos que nosso estado precisa, sendo certo de que contarei com apoio de grande parte da bancada federal e dos senadores.
A sra. foi filiada ao PSB por dez anos. Agora, elegeu-se na oposição a ele. O que aconteceu com o seu ex-partido para sofrer a derrota no primeiro turno?
É um partido que buscou apenas se manter no poder e esqueceu que o governo existe para servir ao povo.
Qual o principal legado que o governo Raquel Lyra quer deixar para Pernambuco?
Sonho com o estado em que os jovens tenham a oportunidade de sonhar, através de educação forte e de qualidade. Garantir a transformação de Pernambuco pela educação. E o legado de um estado em que as pessoas consigam ser independentes e sobrevivam através do seu próprio trabalho.
RAIO-X
Raquel Teixeira Lyra Lucena, 43 anos
Governadora eleita de Pernambuco, foi prefeita de Caruaru por dois mandatos, entre 2017 e 2022, e deputada estadual por dois mandatos, de 2011 a 2016. Formada em direito pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), é procuradora do Estado. Antes, foi advogada e delegada da Polícia Federal.
58,70%
foi o percentual de votos válidos obtidos em 2º turno no último domingo (30), contra 41,30% de Marília Arraes (Solidariedade)
20,58%
foi o percentual de votos válidos que alcançou no 1º turno, ficando em segundo lugar, atrás de Arraes (com 23,97%). Lyra foi uma dos quatro candidatos a governador que viraram o resultado e foram eleitos