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quinta-feira 21 de fevereiro de 2019 às 11:19h

Previdência Social ou do Capital? Por Augusto Vasconcelos

RMS


Ainda atônito com a profundidade das alterações, escrevo esse texto a pedido de inúmeros alunos, colegas e amigos que pediram minha opinião sobre a Reforma da Previdência do governo Bolsonaro. Não pretendo esgotar o assunto, pois isso demandaria um artigo mais extenso e resolvi centrar fogo no que considero mais perverso.

Evidente que precisamos enfrentar privilégios do andar de cima e identificar soluções, sobretudo para os Regimes Próprios, que deêm sustentabilidade financeira. Porém não podemos aceitar a armadilha que o governo tem criado de caracterizar que a Seguridade está deficitária, enquanto vultuosos recursos previstos constitucionalmente (CSLL, receita de loterias, tributos sobre importação) não são repassados à seguridade social. Ao mesmo tempo, grandes devedores não são cobrados de maneira eficiente e dos recursos que sobram, parte deles ainda são desviados através da Desvinculação de Receitas da União.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Reforma da Previdência, além de alterar parâmetros de idade, tempo de contribuição e valor dos benefícios, introduz uma mudança estrutural de grandes proporções, colocando em risco o pacto de solidariedade. A previsão do sistema de capitalização, transfere para o indivíduo e sua relação com bancos e agentes financeiros a tarefa de assegurar sua própria proteção.

A experiência negativa do Chile já deveria servir de lição ao Brasil. Lá os índices de suícidio e depressão aumentaram substancialmente quando os primeiros Aposentados, sob o regime de capitalização, perceberam que os valores recolhidos ao longo da vida jamais lhe possibilitariam assegurar um sustento digno. Basta fazer um raciocínio matemático para identificar que neste modelo, os que ganham menos não conseguem reunir um estoque de contribuições suficientes para uma aposentadoria que garanta a sobrevivência.

Quando foram criados os primeiros sistemas de Seguridade Social, notadamente no final do século XIX e início do século XX, com os Planos Bismarck na Alemanha e Beveridge na Inglaterra, o pressuposto era de que a sociedade iria se cotizar para pagar benefícios que protegessem mutuamente seus cidadãos. Por esta ideia, por exemplo, um trabalhador que sofre um acidente no primeiro dia de trabalho, ainda que não tenha realizado nenhuma contribuição, receberá um benefício previdenciário, pois não é humanamente aceitável deixá-lo desamparado. Da mesma forma, não seria justo transferir para uma mulher grávida a responsabilidade de se auto-proteger sem qualquer amparo social. Assim, enquanto sociedade, decidimos coletivamente criar o salário-maternidade e outros benefícios para minimizar os impactos financeiros dos infortúnios.

A Previdência, como foi construída ao longo da história, representou um gigantesco avanço civilizacional, onde a proteção seria coletiva, solidária. Com o regime de capitalização, podemos sofrer uma regressão em séculos.

Na PEC apresentada ao Congresso, a previsão é de que o sistema de capitalização vai coexistir com o atual Regime Geral de Previdência, já profundamente alterado e com regras muito mais difíceis de serem alcançadas para obter um benefício. Contudo, quem não se lembra quando o FGTS foi implantado em substituição à estabilidade decenal que vigorava até então. Em pouco tempo o que era optativo tornou-se obrigatório levando à extinção do modelo anterior.

Esse é o grande perigo dessa reforma. Paulo Guedes, com histórico de fortes ligações com o Sistema Financeiro, faz assim uma verdadeira guinada de paradigmas da Previdência no Brasil. Podemos verificar em poucas décadas, caso esse sistema seja aprovado, uma verdadeira dilaceração da proteção social, aprofundada por uma Reforma Trabalhista que desregula e retira direitos. Estamos diante da iminência de uma tragédia de grandes proporções, com uma legião de pobres desprotegidos e sem qualquer perspectiva de futuro.

O fim da Aposentadoria por tempo de contribuição, o aumento da idade e redução do valor dos benefícios, irá penalizar a sociedade como um todo, especialmente as mulheres, que possuem ainda maiores dificuldades de acesso ao mercado de trabalho formal e, portanto, passam mais tempo em média sem contribuir.

São bilhões em jogo, com poderosos interesses. Reivindicamos o respeito ao diálogo democrático para evitar que um punhado de corporações se sobreponha aos interesses da Nação!

*Augusto Vasconcelos é presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Advogado, Professor de Direito Previdenciário. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL), Especialista em Direito do Estado (UFBA)

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