Mesmo com a reforma feita em 2019, o regime previdenciário brasileiro vem apresentando deterioração de acordo com reportagem de Edna Simão , do jornal Valor, e aparece entre os menos sustentáveis entre 75 economias estudadas pelo Grupo Allianz. No ranking, o país está em 65º lugar. Essa é uma demonstração de que o Brasil, assim como outras nações, não está preparado para lidar com o impacto do envelhecimento da população e do crescimento aquém do desejável da taxa de fecundidade nas contas públicas, o que poderá exigir novos ajustes nas regras de concessão de aposentadorias e pensões.
A segunda edição do Relatório Global Previdenciário 2023 aponta ainda que a covid-19 levou a um declínio da expectativa de vida em muitos países. No entanto, foi apenas uma interrupção a curto prazo da tendência inalterada e acelerada do envelhecimento da sociedade.
Para analisar a sustentabilidade e adequação dos sistemas previdenciários globais, o Grupo Allianz utilizou um índice próprio (Allianz Pension Index – API) que consiste em três pilares: análise das condições demográficas e fiscais básicas; determinação da sustentabilidade e adequação do sistema previdenciário. São considerados um total de 40 parâmetros, com valores que variam de 1 (muito bom) a 7 (muito ruim).
A fertilidade no Brasil está caindo há décadas. A tendência é difícil de reverter”
— Arne Holzhausen
O Brasil, por exemplo, obteve a pontuação de 4,3 neste ano ante 4,0 em 2020, caindo da 43ª posição em sustentabilidade, o que já não era uma situação confortável, para 65ª em uma lista de 75 economias. O país ficou à frente apenas de Romênia, Tunísia, Emirados Árabes, Laos, Uzbequistão, Arábia Saudita, Marrocos, Líbano e Sri Lanka. A Dinamarca liderou o ranking dos regimes mais sustentáveis, seguida por Holanda, Suécia, Nova Zelândia e Estados Unidos.
A nota média dos países (3,6) foi considerada pouco satisfatória, apesar de ligeira melhora em relação a 2020 (3,9), porque reforça o diagnóstico de que “a maioria dos sistemas previdenciários dão grande ênfase para o bem-estar da atual geração de pensionistas do que com as futuras gerações de pagantes de contribuições”. Ou seja, as contribuições serão insuficientes para bancar as aposentadorias e pensões no futuro. Com isso, a tendência é de que cresça o debate em torno de uma nova reforma dado que o espaço fiscal dos países diminuiu ainda mais, depois da pandemia, da guerra da Ucrânia e da crise energética.
De acordo com o relatório do Grupo Allianz, apenas França e China conseguiram melhorar significativamente a pontuação por meio de reformas. Os poucos países que estão em uma boa situação atualmente são Dinamarca, Holanda e Suécia, pois, de acordo com o levantamento, “traçaram o caminho para a sustentabilidade muito cedo, época em que a bomba demográfica ainda marchava silenciosamente”.
Especificamente sobre o Brasil, o estudo mostra que o aumento da idade de aposentadoria ajudou a melhorar a sustentabilidade, porém, o sistema previdenciário continua entre os mais generosos do mundo. A avaliação é de que a sustentabilidade do sistema previdenciário, a longo prazo, é “questionável”, devido à limitada margem de manobra financeira e à combinação de taxas de contribuição já elevadas e uma parcela alta de gastos públicos com os idosos – mesmo o Brasil tendo uma população ainda relativamente jovem.
O Censo de 2022, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só reforça os desafios de financiamento. Isso porque, a população está crescendo num ritmo menor do que se projetava. Como o regime previdenciário é de repartição simples, ou seja, atuais aposentados são bancados pelos trabalhadores da ativa, a conta tende a ficar ainda mais desequilibrada no futuro, exigindo mais recursos públicos para poder conter o já elevado déficit da Previdência.
“O declínio do crescimento da população não vem como uma surpresa. A fertilidade no Brasil está caindo há décadas. A tendência é difícil de reverter – assim como em muitos países desenvolvidos na Ásia e na Europa têm experimentado, apesar dos gastos bilionários em políticas familiares”, informou a chefe de Pesquisa de Seguros, Riqueza e Tendências do Grupo Allianz, Arne Holzhausen, por meio de assessoria de imprensa.
O estudo ressalta também que, diante do fato de que o panorama demográfico está mudando rapidamente, a taxa de dependência dos idosos deverá mais do que duplicar para 34,7% até 2050, aumentando a importância da cobertura do sistema de aposentadoria. Uma condição necessária para atingir esse objetivo será a redução do trabalho informal. Além disso, o acesso a serviços financeiros e à educação financeira precisam melhorar ainda mais, já que a previdência privada deve ganhar importância diante da perspectiva, a longo prazo, de que as reduções no nível de benefícios do sistema público podem se tornar necessárias para manter sua sustentabilidade.
Para Arne Holzhausen, há dois ingredientes para um mercado de trabalho competitivo: crescimento e educação. “Como estamos à beira de amplas transformações na economia mundial, o Brasil tem uma janela de oportunidade para desempenhar um papel mais importante no futuro, econômica e politicamente. No que diz respeito à educação, a digitalização e, em particular, a IA oferecem novas maneiras de alcançar mais e mais pessoas, equipando-as com as habilidades necessárias para lutar na nova economia”, destacou.
O especialista em Previdência Luis Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP), concorda com a necessidade de se discutir uma nova reforma da Previdência nos próximos anos, o que poderá acontecer no mandato do próximo presidente da República. Isto porque a tendência é de aumento sucessivos dos déficits do sistema. “A gente vai precisar no próximo mandato de algum tipo de ajuste por vários motivos. Primeiro porque toda política publica tem que ser alvo de permanente avaliação”, explicou o professor da FEA/USP. Segundo ele, a projeção é de que o déficit do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), por exemplo, salte dos atuais 2,5% do PIB para 6,7% do PIB em 2060.
Por outro lado, Afonso ressalta que estudos como o do Grupo Allianz são importantes para o debate, mas devem ser vistos com cautela. Isso porque cada país tem suas especificidades, o que muitas não vezes não são captadas em levantamentos que tentam comparar diferentes regimes previdenciários. “É preciso olhar com cautela a construção desse tipo de índice [elaborado pelo Grupo Allianz]. É importante, mas tem muita simplificação. Outros pesquisadores poderiam chegar a resultados diferentes”, ressaltou.
O especialista em políticas públicas e gestão governamental Rogério Nagamine Costanzi também acredita ser inevitável discutir mudanças na Previdência a partir de 2027. Entre as justificativas, estão os dados do Censo de 2022 que parecem indicar queda da fecundidade maior que esperada (embora o IBGE não tenha aberto o dado por idade ou faixa etária), tendo em vista a população menor que a estimada inicialmente e forte queda na taxa de crescimento populacional.
Além disso, a reforma da Previdência feita em 2019 deixou de fora alguns pontos fundamentais como os Estados e municípios. Também não foram feitas mudanças no MEI (Microempreendedor Individual), cuja despesa vem crescendo de forma expressiva porque as contribuições são insuficientes para cobrir o pagamento dos benefícios no futuro.
Nagamine citou que os riscos judiciais e a chamada revisão da vida toda também devem pressionar por novas mudanças no regime. Ele destacou que algumas medidas como aprovação da aposentadoria especial dos agentes comunitários de saúde são vistas como contrarreforma pois, além de criar exceções à regra, estimulam outras ocupações a solicitarem o mesmo beneficio. Procurado, o Ministério da Previdência Social informou que não comenta estudo que não recebeu formalmente.