Na véspera do prazo para inscrição de candidatos, as prévias presidenciais do PSDB são hoje uma disputa acirrada entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) com o resultado em aberto, de acordo com tucanos de estados variados.
A avaliação é a de que Leite reúne maior simpatia entre membros do partido, mas Doria tem diminuído a desvantagem ao trabalhar de forma mais intensa que o adversário numa campanha interna para superar a rejeição.
Além disso, o paulista tem a seu favor a estrutura e o peso da máquina do Palácio dos Bandeirantes. Em contrapartida, Leite é apontado como o que mais tem capacidade de congregar partidos aliados.
Pensando em 2022 e nas consequências das prévias com um ou outro vencedor, líderes do PSDB já atuam para manter a união interna, garantir apoio efetivo dos tucanos ao vitorioso e manter entendimentos com partidos que podem vir a formar uma coligação.
Neste mês, o processo de escolha do presidenciável tucano escancarou ainda uma contradição, minimizada por membros do partido. A bancada de parlamentares, que resiste a assumir-se oposição a Jair Bolsonaro e discutir seu impeachment, terá que escolher entre dois adversários declarados do presidente, que foram a protestos no último domingo (12) pedir “fora, Bolsonaro”.
Nesta segunda-feira (20), se encerra o prazo para inscrição dos candidatos às prévias de dois turnos marcadas para 21 e 28 de novembro. O senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio também devem se inscrever, embora tucanos acreditem que eles desistirão até o final.
A renúncia mais provável é a de Tasso, que abriria mão para apoiar Leite. Em relação a Arthur Virgílio, há mais dúvidas se ele abandonará o pleito e a favor de quem. Questionado pela Folha, o ex-prefeito disse que irá concorrer.
O cenário de concorrência apertada aparece refletido na pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira (17). Tanto Doria quanto Leite marcam 4% das intenções de voto –bastante atrás do ex-presidente Lula (PT, com 44%) e de Bolsonaro (com 26%). Em cenários variados, Doria chega a 6%.
O gaúcho, que é menos conhecido da população, leva vantagem no índice de rejeição, que é de 18%, contra 37% de Doria.
Entre tucanos paulistas, o discurso é o de que Doria está na dianteira com folga e que Leite pode até desistir —mas o processo de conquista de votos segue intenso.
Em julho, o PSDB de São Paulo filiou 65 prefeitos e vice-prefeitos, embora o diretório nacional já houvesse determinado que apenas os filiados até 31 de maio têm direito a voto. Dirigentes paulistas argumentam que a regra vai contra o estatuto.
No fim do mês passado, o deputado estadual Gustavo Valadares (PSDB-MG) afirmou que o tesoureiro do partido e aliado de Doria, César Gontijo, esteve em Minas “procurando e pressionando prefeitos que tiveram acesso ao fundo eleitoral em 2020, e cobrando apoio a Doria”.
Doria também tem feito viagens nos fins de semana a estados das cinco regiões, sempre com eventos e reunião de apoiadores. O governador paulista conseguiu o apoio público do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Estamos gastando saliva, sola de sapato. E Doria aonde vai é saudado como o pai da vacina. Ele apresenta o nível de administração e de investimento de São Paulo”, afirma Fernando Alfredo, presidente do PSDB paulistano.
O principal apoio de Leite vem de Minas Gerais. Cacique mineiro, o deputado Aécio Neves é desafeto declarado de Doria.
O presidente do PSDB de Minas, deputado Paulo Abi-Ackel, afirma que a decisão de apoiar Leite “surgiu espontaneamente na base do partido”.
“As insistentes menções do governador Doria contra o ex-governador Aécio Neves foram determinantes para estabelecer o movimento que partiu da militância. O PSDB-MG é ‘Aecista’, e Aécio vem recuperando seu prestígio, sobretudo no interior”, diz ele, mencionando que já houve disposição de receber Doria no estado e agora não mais.
“Se Eduardo ganhar, será com o entusiasmo dos mineiros. Se Doria ganhar, teremos que trabalhar dobrado em uma campanha presidencial para quebrar em Minas a resistência que infelizmente existe”, completa.
“Minha posição pró-Eduardo não é por rejeitar Doria, mas é porque tenho uma identificação genuína com ele. É muito capaz, vocacionado à vida pública, ponderado, gosta de fazer política e é um estadista”, afirma o deputado Pedro Cunha Lima (PB).
Arthur Virgílio, por sua vez, defende seu programa presidencial de resgate da economia, da diplomacia e da política ambiental. “É uma hora ímpar para nós desarmarmos o Brasil dos seus preconceitos em relação à Amazônia. O polo industrial de Manaus é mal compreendido aí fora e não está em boa situação.”
Internamente, os principais nomes do PSDB articulam para que a disputa não seja fratricida, embora haja sempre o risco de que a ala perdedora não se engaje na candidatura do rival interno.
Existe ainda o componente do bolsonarismo. Dependentes de recursos federais e com parte do eleitorado fiel a Bolsonaro, deputados tucanos, sobretudo do Norte e do Sul, se opuseram ao movimento do presidente da sigla, Bruno Araújo, de convocar reunião para deliberar que o partido é de oposição.
Com Doria e Leite a favor do impeachment, a situação enseja a preocupação de que o presidenciável tucano seja abandonado na campanha por deputados alinhados a Bolsonaro –experiência vivenciada por Geraldo Alckmin em 2018, que terminou com 4,76%.
Tucanos afirmam, nos bastidores, que, em 2022, os deputados devem pular do barco bolsonarista. Todos serão cobrados a pedir votos para o presidenciável do PSDB, seja Doria ou Leite, e aqueles mais descolados podem até acabar saindo do partido.
No momento, porém, esse desencontro é minimizado. A participação de Leite e Doria nos protestos não se tornou um problema relevante para a bancada. A leitura é a de que a oposição dos governadores responde à hoje majoritária parcela da população que reprova o presidente e quer sua remoção.
Membros do partido não deixam de dizer, contudo, que Doria exagera ao chamar Bolsonaro de genocida e dançar no palanque do impeachment. Isso, na opinião de parlamentares que não querem avançar para a oposição, afasta o eleitor tucano que se bolsonarizou e cria empecilhos com os deputados.
O senador Plínio Valério (AM) afirma que, devido à rejeição do PSDB em seu estado, fazer campanha para o presidenciável tucano traz “mais perda do que ganho”. “Se for pensar na nossa reeleição, é perda grande, mas tem pensar no partido.”
O parlamentar diz que votará em Tasso, mas vê Doria com vantagem “pelo tamanho de São Paulo, pela quantidade de deputados”. “As prévias têm um fundamento bonito de mobilizar o partido. Espero que sirva para unir, embora a cultura seja a de que o perdedor geralmente sai chateado.”
Os caciques tucanos já estão pensando no dia de amanhã ao levar em conta, na decisão do voto nas prévias, a viabilidade eleitoral de Doria ou Leite e sua capacidade de formar uma coligação.
Aécio, por exemplo, já defendeu que o partido abra mão da cabeça de chapa em prol de uma unidade na chamada terceira via. A posição é lida entre aliados de Doria como uma resistência da bancada a perder parte do fundo eleitoral destinada à campanha presidencial. Já deputados argumentam que as siglas não têm chance eleitoral fragmentadas.
Um dos fatores apontados por deputados ouvidos pela reportagem é a certeza de que Doria não abrirá mão de ser cabeça de chapa da terceira via. E, como a resistência a ele é grande entre as siglas, o receio é o de que se torne candidato de si mesmo, contribuindo para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro.
Já Leite teria mais chances de aglutinar os aliados, ainda de acordo com tucanos. As conversas buscariam unir Luiz Henrique Mandetta (DEM), Simone Tebet (MDB), Rodrigo Pacheco (DEM) e Alessandro Vieira (Cidadania).
Membros do partido que trabalham por Doria criticam o gaúcho por fazer o que entendem ser um jogo de Aécio e, no fim das contas, entregar a cabeça de chapa a outro nome. Aliados de Leite, por outro lado, o veem mobilizado pela Presidência.
Com o objetivo de dirimir esse impasse, parte da bancada federal do PSDB fala em formalizar um acordo entre partidos aliados, antes mesmo do resultado das prévias, de que terão um candidato único, a ser escolhido mais adiante.
Para tucanos mais experientes, no entanto, não há dúvidas de que, no final do processo, o PSDB terá candidato –seja porque Doria insistirá em seu projeto, seja porque Leite formará uma coligação.
REGRAS DAS PRÉVIAS DO PSDB
Colégio eleitoral de quatro grupos, com 25% de peso cada
- filiados
- prefeitos e vice-prefeitos
- vereadores, deputados estaduais e distritais
- governadores, vice-governadores, deputados federais, senadores, ex-presidentes do PSDB e o atual
Datas
- 20.set – inscrição dos candidatos
- 18.out – início dos debates
- 21.nov – primeiro turno
- 28.nov – segundo turno