A medida provisória (MP) 1085, que institui regras para desburocratizar as atividades dos cartórios e aprimorar o sistema de garantias, se tornou alvo de disputa no Congresso entre empresários e tabeliões e pode perder a validade sem ser votada.
Segundo reportagem de Raphael Di Cunto, no Valor, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não designou relator, mesmo passados quase quatro meses da publicação da MP em dezembro. Lira queria que a discussão ocorresse junto com o projeto de lei que muda o sistema de garantias de imóveis, proposto pelo governo na mesma época, mas diz que essa ideia enfrentou resistências no Senado e a discussão será separada. A MP caduca se não for aprovada até 1º de junho pelas duas Casas.
O setor de construção civil e indústria tenta pegar carona na proposta para uniformizar os custos cartoriais em todo o país. Mas parte dos notários e registradores se mobiliza contra a principal inovação da MP: obrigar a oferta dos serviços na internet pelo Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp).
Os titulares de cartórios organizaram audiência pública mês passado no grupo de trabalho da Câmara que já discutia mudanças na legislação do setor para articular os deputados contra a proposta.
“A Constituição da República afirma no seu artigo quinto que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado. Já de cara, não há possibilidade de obrigar os oficiais de registros públicos a serem associados ao Serp”, disse o presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), Cláudio Freire.
Para ele, os grandes cartórios criarão sistemas próprios e os pequenos, no interior do país, não terão recursos para manter o Serp funcionando. “No bojo da MP 1085 vem algo perigoso, que é a criação de um instituto privado para cumprir a competência que hoje é dos notários do Brasil. E aí temos que ter preocupação”, concordou o deputado Darci de Matos (PSD-SC), vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Subsecretário de Política Microeconômica e Financiamento de Infraestrutura do Ministério da Economia, Emmanuel de Souza Abreu defende que os cartórios não serão obrigados a se filiarem a uma associação. “O que o governo está fazendo é pedir para aderirem a um sistema, seja através de um operador ou diretamente. O que eles são é obrigados a se acoplar a essa plataforma”, disse. Será mais barato aderir diretamente ao Serp, afirmou, mas há a opção, para aqueles que preferirem, de criar sistemas próprios e acoplar os dados ao Serp.
O objetivo final será, num sistema único, prestar informações sobre todos os imóveis, nascimentos, mortes e registros do país. “Uma lei de 2009 ordenou que se prestasse serviço de forma eletrônica, mas foi um comando genérico, sem enforcement, e não foi cumprido. Há 13 mil cartórios de registros no país e mais de 50% não tem nem página na internet. O cidadão não consegue saber sequer os serviços oferecidos, endereço e custos pela internet”, disse Abreu. “Ao reunir todas as informações num sistema único, além de facilitar a vida do cidadão comum, se fortalece o sistema de garantias. Você conseguirá consultar em qualquer lugar a situação de contratos e terá mais agilidade para obter certidões.”
A MP também obriga os cartórios a aceitarem meios eletrônicos para pagamento das taxas (como cartões de débito e crédito) e determina a redução dos prazos de registros se forem por via eletrônica. Hoje, em regiões como o Sul do país, há demora de quase dois meses para registrar um imóvel. Se aprovada a MP, o registro teria que ocorrer em cinco dias úteis. A proposta, com a adesão de todos ao Serp, vigoraria a partir de fevereiro de 2023.
Além de defenderem a aprovação da MP como forma de diminuir a burocracia e custos, empresários também tentam convencer o Congresso a padronizar as taxas dos cartórios em todo o país. “Hoje existem 27 tabelas de emolumentos. Tem Estados onde essa tabela é perversa, que prejudica muito a classe média e baixa. Tem outros em que é boa e alguns em que até está barata. Não faz sentido essa diferença tão grande para o mesmo serviço”, diz Aristóteles Passos Costa Neto, vice-presidente da Região Sudeste da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
A entidade propôs emenda para estabelecer um teto nacional para os emolumentos e taxas adicionais criadas pelos Estados. A discrepância é grande, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que também apresentou sugestão nesse sentido. Para registrar atos de conteúdo financeiro nos cartórios de imóveis de São Paulo, por exemplo, a taxa máxima é de R$ 168 mil e pode chegar a R$ 419 mil quando for registro de incorporação imobiliária. Já no Distrito Federal, o valor limite é R$ 670,65.
Abreu, do Ministério da Economia, diz que a proposta é interessante e é vista como positiva pela Pasta, embora ainda não exista posição formal do governo nem avaliação jurídica. “Os Estados têm autonomia para fixar essas taxas, mas seria realmente meritório, do ponto de vista de planejamento das empresas e de economia de custos, que uma lei estabelecendo um limite e faixas para essas taxas”, pontua.