O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, rejeita classificar como conforme a entrevista a Constança Rezende, da Folha de S. Paulo, sobre crise o atual momento vivido pelo tribunal, que está no centro de investigações sobre supostos esquemas de vendas de decisões judiciais. Ele define o escândalo como “fatos isolados de poucos servidores que destoam da maioria dos integrantes da corte”.
Em entrevista à Folha, Benjamin admite que o STJ não tem conseguido impedir completamente a prática de malfeitos, mas ele reforça que as investigações sobre o caso continuam e que há ações em curso, como aperfeiçoamento no acesso a processos.
O magistrado definiu Brasília como “a capital mundial dos lobistas”, mas disse que, muitas vezes, se vende acesso a ministros quando não se tem.
Como o STJ tem lidado com essa crise?
O STJ não vive uma crise, exceto a de volume gigantesco de processos. O que temos são fatos isolados de uns poucos servidores que destoam da maioria dos integrantes da corte e que estão sendo investigados por alegações de venda de decisões. Em qualquer lugar do mundo, infelizmente, há sempre pessoas que não respeitam o interesse público, descumprem as regras mínimas de convivência republicana e não têm preocupação com a imagem da instituição à qual pertencem.
Essa investigação pode chegar a mais funcionários envolvidos?
Estamos apurando a fundo com a perspectiva de que o povo brasileiro fique satisfeito com as providências. Dois servidores já foram afastados, e as investigações continuam, com todo o rigor. O STJ tem mais de 5.000 servidores, e a investigação envolve um número muito pequeno.
Qual o sentimento do tribunal neste momento?
Os servidores e ministros estão muito incomodados porque trabalhamos para fazer do STJ uma corte exemplar. O tribunal é reconhecido no Brasil e no exterior como uma instituição exemplar no que se refere a sua produção jurisprudencial.
O que o STJ fez ou irá fazer para tentar coibir esta conduta?
O STJ tem um concurso de ingresso rigorosíssimo. Mas, evidentemente, não conseguimos ser uma instituição que impeça completamente a prática de malfeitos. Não há instituição no mundo que tenha conseguido. O que temos feito é criar mecanismos para dificultar a atuação de criminosos externos e internos, com ferramentas que indicam quem acessou qualquer processo.
Como impedir esse tipo de acesso?
Os ataques ocorrem por profissionais do crime. Não é difícil saber, pela análise dos processos julgados de um determinado juiz, como uma determinada questão será decidida. Existem formas de negociação de sentenças. O criminoso vai a um cliente desesperado e diz que consegue que o juiz julgue favoravelmente, e a pessoa desesperada paga. Mas está pagando por uma decisão que já seria naquele sentido.
A segunda é alguém que tem acesso à decisão em andamento e, quando a minuta está concluída, negocia. A terceira é alguém que trabalha na elaboração da minuta e inclui o ponto de vista do cliente do criminoso externo, o mais grave de todos.
Já sabe o que ocorreu dessas três possibilidades?
Não sabemos se houve a alteração de minuta. O que sabemos é que se encaixa ou na primeira, e aí em tese não haveria responsabilidade de servidores, ou muito provavelmente na segunda, em que o servidor teria acesso, podendo copiar e, com isso, fazer o vazamento de uma decisão que não era a final.
E os ministros têm alguma responsabilidade sobre os funcionários de seus gabinetes?
É impossível ao ministro controlar tudo, especialmente as duas primeiras hipóteses que mencionei.
Se for identificada a participação de ministros neste esquema, o que irá fazer?
As investigações, tirando dos servidores do STJ, já foram todas para o STF [Supremo Tribunal Federal], onde têm que estar por informações prestadas pelo Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] de pessoas com prerrogativa de foro. O que não quer dizer, necessariamente, ministro do STJ. É, portanto, uma precipitação já se entender, antes de qualquer apuração, que a razão para essas investigações terem subido para o STF se deve à presença de ministros do STJ.
O que se vende muito em Brasília é o acesso aos gabinetes dos ministros. O que acha disso?
Brasília é a capital mundial dos lobistas, mas não o lobby legalizado, como em outros países. O lobby em Brasília é feito em restaurantes, até em funerais, missas, cultos religiosos. Muitas vezes, se vende acesso a ministros quando não se tem, mas há muitas pessoas crédulas a esses charlatões.
Vivemos num clima de vulnerabilidade, ainda mais porque damos palestras, participamos de eventos institucionais. Aceitamos tirar fotos sem pedir carteira de identidade, folha de antecedentes, e elas podem ser utilizadas para mostrar intimidade e influência com ministros, quando isso não existe.
O que acha que juízes devem abdicar pela carreira e sobre a participação de magistrados em eventos, até no exterior, bancados por empresários?
A magistratura não é carreira para quem quer ser rico, famoso e ou que não gosta de trabalhar. A principal característica do magistrado é a reserva, saber que o seu lugar e voz se manifestam nos autos. Querer ser reconhecido nas ruas, se envolver em polêmicas, ou ter proximidade exagerada com a classe política é incompatível com a magistratura. É muito comum que a má conduta de um reflita na instituição como um todo. Quem não quer essas responsabilidades não pode ser juiz, deve procurar uma outra profissão.
O senhor acha que há impunidade para juízes corruptos?
Não. O STJ tem dado demonstrações frequentes de punição criminal de desembargadores estaduais e federais que praticaram ilícitos, com penas altas. Agora, são processos muitas vezes complexos, que demandam investigações que demoram, mas, ao final, a resposta do STJ tem sido de condenar quem merece.
É uma preocupação ter advogados que são filhos de ministros com processos no STJ?
Ninguém pode se separar da família e, às vezes, ocorre de familiares de ministros escolherem a carreira jurídica. Temos que estabelecer mecanismos de proteção. No STJ, vejo uma preocupação dos ministros que têm familiares advogando de separar o máximo possível as atividades, basta olhar em qualquer processo a lista das suspeições e dos impedimentos. A família é um dado da natureza, mas as instituições, especialmente o Poder Judiciário, precisam estar atentas para evitar que se passe a ideia, real ou fictícia, de que haveria facilidades para familiares.
O senhor irá fazer alguma mudança em questão de ética no tribunal?
Estamos passando um raio-x em toda a administração do STJ para identificar fragilidades e dificultar mais ainda malfeitos, sejam externos ou internos.
RAIO-X
Herman Benjamin, 66 anos
Nasceu em Catolé do Rocha (PB) e foi integrante do Ministério Público de São Paulo por 24 anos. Foi escolhido para o STJ por Lula em 2006 e, em agosto deste ano, tornou-se presidente da corte.