O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, disse em uma palestra de acordo com a colunista Malu Gaspar, para os funcionários do instituto que pretende alterar o modelo de divulgação de pesquisas. A medida, ainda não oficializada, tem provocado entre técnicos, funcionários e aposentados o temor de eventuais interferências no trabalho técnico e independente da instituição.
Na palestra, feita na cerimônia de posse do novo coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), do IBGE, Daniel Castro, Pochmann não detalhou que tipo de mudanças faria, mas sugeriu que pode acabar com o formato atual de divulgação dos dados.
Hoje, os dados de levantamentos como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), o cálculo da inflação e as estimativas do Produto Interno Bruto (PIB) são disponibilizados à imprensa em entrevistas coletivas com técnicos e depois prontamente reproduzidos e contextualizados na mídia nacional e internacional.
“A comunicação do passado era aquela que (sic) o IBGE produzia as informações e os dados, fazia uma coletiva e transferia a responsabilidade para o grande público através dos meios de comunicação tradicional (sic). Isso ficou para trás”, afirmou Pochmann, sem explicar qual estratégia será adotada daqui em diante.
A declaração provocou apreensão especialmente porque Pochmann e Castro, o novo coordenador-geral do CDDI, também citaram as plataformas digitais e as redes sociais como prioridade, para chegar diretamente à “Dona Maria e o seu João” – embora os dados já sejam também divulgados pelo próprio IBGE em seus canais digitais.
As falas do presidente do instituto e de Castro foram transmitidas ao vivo pelo órgão no YouTube, mas o vídeo foi arquivado como “não listado” – quando o conteúdo só pode ser visualizado por quem tem acesso ao link. Ainda assim, a palestra repercutiu no WhatsApp e circulou entre ex-dirigentes e personalidades ligadas ao IBGE.
Também chamou a atenção de técnicos e aposentados a menção à China como referência na produção de estatísticas, como apontou em artigo da edição do último domingo do GLOBO a ex-diretora de pesquisas do instituto, Martha Mayer.
“Em agosto, a China suspendeu a divulgação das estatísticas do desemprego juvenil, na linha ‘dado ruim não se divulga’. Não é exemplo a seguir. Ademais, a China participa das discussões da comunidade internacional. Sabe que os padrões de comparabilidade são indispensáveis”, afirmou ela no artigo.
Para Pochmann, que se diz comprometido em superar a estrutura “verticalizada, hierárquica e muitas vezes autoritária” das gestões anteriores, “há um deslocamento do centro dinâmico do mundo”.
“O IBGE foi construído olhando as melhores experiências que tínhamos no Ocidente: Inglaterra, Estados Unidos, França”, disse ele na palestra. “Hoje, com o deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente, já não está perceptível (sic) as melhores soluções apenas no Ocidente. O Oriente também traz informações”.
Pochmann mencionou ainda o “diálogo” que teve com o presidente do Instituto Nacional de Estatística da China em setembro. Em sua agenda consta que ele ficou oito dias no país asiático naquele mês, um mês depois de assumir a presidência do IBGE.
Pochmann está promovendo um ciclo de discussões internas sobre o que ele mesmo chama de “IBGE do futuro”, a pretexto das comemorações de 90 anos do instituto, em 2026.
Nos próximos dias 16 e 17, funcionários do instituto participaram de um seminário com a previsão de 12 grupos de trabalho sobre as mudanças a serem implementadas.
Um deles se dedica a discutir o “novo hub público informacional da nação constitutivo do ecossistema do soberano Sistema Nacional de Estatísticas, Geoinformações e Dados”.
Em sua palestra, o presidente do IBGE criticou o cerceamento e a manipulação de dados sobre inflação na época da ditadura militar, quando os índices oficiais de inflação eram calculados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), e mencionou supostas censuras no órgão durante o governo Jair Bolsonaro.
Ainda assim, o discurso de Pochmann provocou desconforto entre técnicos pelo que chamam de “politização” da gestão do IBGE – órgão crucial para o desenho das políticas de Estado e cuja independência garantiu, ao longo de décadas, a divulgação de índices desfavoráveis para o governo de plantão.
Em sua palestra, o presidente do IBGE também afirmou que vai unificar a diretoria de comunicação com a do CDDI, departamento entregue ao aliado Daniel Castro e que fornece dados do IBGE a pesquisadores e o público em geral, além de gerir a documentação das estatísticas e a comunicação interna do instituto.
Castro acumulará informalmente a gestão de Comunicação do IBGE, setor que atualmente dispõe de uma coordenação-geral própria. De acordo com o próprio Pochmann, a mudança é tão inusual que demandará uma alteração do estatuto da instituição.
Para Pochmann, o mundo vive uma “revolução informacional” que demandará mudanças na comunicação do IBGE, todas a cargo de Castro.
O novo coordenador do CDDI é próximo do atual presidente do instituto. Ele chefiou a assessoria de comunicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) quando Pochmann estava no comando do órgão, entre 2009 e 2012.
Foi um período marcado por suspeitas de interferência na equipe técnica para favorecer índices econômicos das gestões petistas e o principal motivo das ressalvas do Ministério do Planejamento à indicação do economista, como publicamos no blog em julho.
Pochmann deixou o Ipea em 2012 e assumiu no mesmo ano a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. No ano seguinte, Castro assumiu a coordenação nacional de Comunicação do instituto, função que exerceu até 2015.
Agora a dupla repetirá a parceria no IBGE com funções anabolizadas, já que Castro vai comandar a comunicação e a divisão responsável pelas pesquisas do instituto. Daí o receio de que, além de alterar o modelo de divulgação de dados, o novo coordenador filtre as informações a serem difundidas.
Nós questionamos a assessoria de imprensa do IBGE sobre os critérios técnicos que teriam avalizado a mudança no organograma do CDDI, assim como as mudanças previstas no modelo de divulgação de dados. Pedimos também que o instituto explicasse melhor a referência à China e que tipo de iniciativa poderia nortear a mudança na elaboração das estatísticas. Esperamos pelas respostas desde segunda-feira, mas não tivemos retorno.
Pochmann também foi contatado pela equipe do blog da Malu Gaspar, mas não respondeu.