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terça-feira 9 de julho de 2019 às 04:36h

‘Presidente de Supremo não faz pacto político’, diz jurista

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Não há justificativa para a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em um pacto político com outros Poderes, avalia o advogado José Afonso da Silva, de 94 anos, professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “Um pacto pressupõe concessões mútuas em favor de um consenso comum, o que não pode ser feito pela atividade jurisdicional”, disse o jurista, que participou dos debates da Assembleia Constituinte e ajudou a estruturá-la.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele também avalia que o presidente Jair Bolsonaro ultrapassou, em alguns momentos, “os limites de sua competência”. A seguir os principais trechos da entrevista:

Bolsonaro tentou romper com o chamado presidencialismo de coalizão. De certa forma, optou por esgarçar a relação com o Legislativo. No caso do Judiciário, existe uma situação semelhante?

O presidencialismo de coalizão não é uma construção fundada na vontade dos governantes. É a imposição de uma realidade política decorrente do sistema eleitoral e do sistema partidário vigente. Ao enfrentá-lo sem mudar suas causas, o presidente se arrisca a submergir em graves dificuldades governamentais, já que as coalizões – que são da essência do sistema – constituem instrumento da governabilidade. Isso se mostra por duas atitudes: esse esgarçamento das relações com o Legislativo e com certas concessões à “velha política”. As relações com o Judiciário são diferentes. A atividade jurisdicional não comporta acordos políticos, ainda que possam sofrer ameaças e pressões.

Nesse contexto, como enxerga o “pacto entre os Poderes”, proposto em maio pelos chefes dos Três Poderes? Nesta semana, o presidente disse que não era necessário pacto assinado no papel e sim o “exemplo de votar matérias e apresentar proposições”.

O presidente Bolsonaro afirmou que um tal pacto não precisa ser formalizado em documento escrito. Quer dizer, não existirá pacto algum. Ademais, é difícil compreender a participação do presidente do Supremo Tribunal Federal em um pacto político. Um pacto pressupõe concessões mútuas em favor de um consenso comum, o que não pode ser feito pela atividade jurisdicional.

Até maio, pelo menos 30 iniciativas do governo – entre decretos e medidas provisórias – foram alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal. A Corte já rejeitou o decreto que extinguia conselhos federais públicos que tenham sido criados por lei. Esse dado pode sinalizar falta de rigor técnico na elaboração das ordens?

Esses dados mostram que o presidente, não raro, ultrapassa os limites de sua competência, não levando em conta o princípio da divisão de poderes. Esse é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, segundo o qual as funções governamentais – legislação, administração e jurisdição – são distribuídas a poderes diversos, atendendo a dois critérios básicos: o da especialização funcional e o da independência orgânica. Especialização significa que cada poder é especializado no exercício de uma função. A independência orgânica significa que cada Poder exerce sua função especializada com autonomia em relação aos outros. Se qualquer um ultrapassar os limites traçados pela Constituição, o ato daí decorrente é ilegal ou inconstitucional. E, assim, sujeito à revisão pelo Legislativo ou pelo Judiciário. Foi o que se deu no caso dos decretos presidenciais, que nitidamente ultrapassavam a competência presidencial e eram inconstitucionais.

Bolsonaro já disse que “com a caneta tem mais poder” que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, porque pode fazer decretos, enquanto Maia faria as leis. Somente no primeiro semestre, foram mais de 150 decretos, o maior número desde Fernando Collor. Como avalia tal cenário?

Esse é daqueles rompantes com os quais o presidente nos tem brindado nesses seis meses de governo. No caso, revela desconhecimento das funções que cabem a cada órgão do poder governamental. A “caneta” presidencial tem o poder que lhe é reservado pela Constituição. Nem é certo que a função do Rodrigo Maia seja “fazer leis”. Quem faz leis é o Congresso Nacional que até já impôs limites à caneta presidencial quando considerou ilegal um dos decretos que ela produziu.

Mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil mostram uma suposta colaboração entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato. Caso sejam verdadeiras, essas mensagens são suficientes para se apontar a suspeição do juiz no caso?

O que sabemos até agora é grave, se comprovada a autenticidade das mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Se verdadeira em algum caso, pode suscitar a suspeição do juiz com possível anulação de alguma decisão. Não é possível generalizar. Tudo depende da análise em cada caso concreto.

Fala-se na necessidade de revisão constitucional. Nossa Constituição precisa ser reformada em algum aspecto? Se sim, seria por uma assembleia exclusiva ou dando poder ao Congresso?

Só há um meio legítimo de modificação formal da Constituição: as emendas constitucionais na forma prevista no seu artigo 60. Qualquer outra forma de modificação será inconstitucional e assim pode ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal. Sempre se está pleiteando “assembleia ou constituinte exclusiva” para modificar a Constituição. A Venezuela está vivendo esse tipo de processo com um Poder Legislativo em funcionamento e uma Assembleia Constituinte Exclusiva criada pelo ditador (Nicolás) Maduro. É um processo conflitivo porque duas formas de poder legislativo não podem conviver harmonicamente. Não acredito, pois, que esse processo seja adequado, até porque que ele infringe a Constituição.

O Supremo Tribunal Federal abriu neste ano um inquérito de ofício para apurar ofensas e ameaças contra seus integrantes e auxiliares. O presidente da Corte, Dias Toffoli, disse nesta semana que ele será mantido por quanto tempo for necessário. Qual o entendimento do sr. em relação a este procedimento?

O presidente Dias Toffoli abriu o inquérito com base num dispositivo regimental que prevê abertura de inquérito para apuração de crimes ocorridos no recinto do Tribunal, que não é o caso. Se há ofensas e ameaças contra integrantes da Corte e de seus auxiliares o mais certo, me parece, seria requerer providências à Procuradoria-Geral da República no sentido da apuração dos fatos e, aí sim, o inquérito respectivo seria submetido ao juízo competente para a devida punição dos responsáveis. Seja como for, pode haver algum problema mais adiante, porque, se o inquérito apurar algum crime, surge a questão de quem será competente para a propositura da ação penal pertinente e para o julgamento do processo de acordo com o sistema de competências processuais. A PGR tem contestado a validade do inquérito e isso pode gerar dificuldades de tramitação futura do que for apurado no inquérito.

Como interpreta o projeto aprovado no Senado de criminalizar o abuso de autoridade dentro do pacote de medidas contra a corrupção? É uma reação à Operação Lava Jato?

Já existe uma lei (Lei 4.898, de 1965) que criminaliza o abuso de autoridade. Ela estabelece o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa e penal contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometem abuso de autoridade. Ela define o que seja abuso de autoridade e estabelece que o abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal. Considera autoridade quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, parecendo-me que nessa definição entra também as função do Ministério Público e da Magistratura. Não examinei o projeto aprovado no Senado na profundidade que me permita emitir um juízo definitivo, até porque o projeto ainda tem que passar pela Câmara dos Deputados quando poderá ser rejeitado ou modificado. E se aprovado, poderá ser vetado. Por isso, aguardo sua eventual conversão em lei para um pronunciamento definitivo.

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