Em entrevista ao jornal Tribuna da Bahia, o empresário Ricardo Alban, recém-eleito presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), expressou a sua visão sobre o projeto do arcabouço fiscal, proposto pelo governo Lula, ressaltando sua importância para alinhar as expectativas dos agentes econômicos e promover estabilidade e previsibilidade na condução da economia.
Confira a entrevista na íntegra:
Tribuna da Bahia: Qual sua expectativa para esse novo desafio, agora como presidente da CNI?
Ricardo Alban: O Brasil precisa recolocar o setor industrial na sua estratégia de desenvolvimento. É quase impossível alcançar níveis elevados de desenvolvimento econômico e social sem uma indústria forte. A nossa missão é representar e defender os interesses de todos os industriais brasileiros, do pequeno ao grande, do Norte ao Sul, da agroindústria à ciber indústria. Trabalharemos para materializar o apoio à indústria já manifestado pelas lideranças políticas nacionais e regionais. Assim, a indústria brasileira poderá ampliar sua contribuição para o Brasil alcançar novo patamar de desenvolvimento econômico e social.
Tribuna da Bahia: A indústria brasileira conseguiu se recuperar da pandemia?
Ricardo Alban: As dificuldades vividas na pandemia nos mostram a importância de ter uma indústria forte, que reduza nossa dependência por bens importados. Um país do tamanho do Brasil não pode depender tanto do fornecimento externo em coisas como medicamentos, equipamentos médicos, produtos de higiene, fertilizantes e tantas demandas que a indústria nacional poderia atender.
Tribuna da Bahia: Qual o diagnóstico que o senhor faz da indústria baiana, principalmente nos últimos três anos? O que avançou e o que retroagiu, de modo geral?
Ricardo Alban: O cenário do setor industrial baiano e brasileiro está coberto de incertezas. Este ano deveremos ter um nível baixo de crescimento econômico no mundo, como consequência dos desarranjos da pandemia e, sobretudo, os efeitos da guerra na Ucrânia. No contexto interno, também enxergamos uma série de dificuldades por parte do setor público no âmbito fiscal e na construção de políticas. Adicionalmente enfrentamos uma política de aperto monetário, com elevadas taxas de juros, que encarecem o crédito e inibem a economia. Em se tratando estritamente da atividade industrial, o setor vive uma longa crise de competitividade em nível internacional, incapaz de compensar o que se costuma chamar de Custo Brasil, representado pelas taxas de juros elevadas, sistema tributário complexo e com carga elevada, infraestrutura deficiente, energia cara, insegurança jurídica, elevada burocracia etc. Com isso, ano a ano a participação do setor industrial na economia brasileira e baiana cai, configurando o que entendemos ser um processo acelerado e precoce de desindustrialização, para o qual precisamos encontrar caminhos para reverter, sob pena de nos tornarmos um mero país exportador de bens primários – agrícolas e minerais. Este ano, a indústria baiana deve apresentar desempenho semelhante ao Brasil, com baixo crescimento da produção. Em termos setoriais, as perspectivas são de que o setor da Construção Civil, após ter vivido bom momento em 2022, deve desacelerar o crescimento em 2023 por conta dos juros altos. Na Indústria de Transformação, destaca-se o Refino no qual a Acelen tem programas ambiciosos para a refinaria de Mataripe e esse segmento deve continuar em alta. A Petroquímica deve ter estabilidade na produção, uma vez que não há fato significativo no cenário interno e os preços internacionais estão estáveis nos últimos meses. Um ponto de atenção é a questão do preço do gás natural. Considerando o horizonte de médio prazo, há investimentos promissores para a indústria da Bahia nos segmentos de eólica/solar, mineração, automotivo e na produção de hidrogênio verde.
Tribuna da Bahia: Qual sua opinião sobre a taxa de juros hoje no Brasil? Prejudica os investimentos? Uma pesquisa da CNI mostra uma queda de confiança na maioria dos setores…
Ricardo Alban: Há um consenso de que os juros reais praticados no Brasil são insustentáveis. Acreditamos que a política monetária deve priorizar o controle da inflação e o desenvolvimento do país. A taxa Selic, hoje em 13,75% a.a., mantém a economia brasileira em condições restritivas, reduzindo a demanda por consumo, encarecendo o custo do crédito, dificultando as atuais condições financeiras, sufocando as indústrias e condenando operacionalmente o giro das suas atividades. A redução da atividade econômica e a consequente retração dos empregos, da renda e da arrecadação do estado podem agravar ainda mais o quadro fiscal do país.
Tribuna da Bahia: E como resolver esse impasse entre o governo, que pressiona pela redução da Selic, o Banco Central independente e a pressão do mercado financeiro? Uma entidade como a CNI poderia entrar em campo para ajudar no diálogo?
Ricardo Alban: Definitivamente a questão dos juros não pode ser um embate político. É preciso diálogo para encontrar o caminho da convergência. Há pouco tempo os setores produtivos foram convocados para uma discussão sobre juros no Senado, que também teve a presença do Banco Central e membros dos setores público e privado. Essa discussão precisa evoluir bastante. A CNI, sob a liderança do presidente Robson Andrade, acompanha esse assunto, tão sensível para o setor industrial, e tem se colocado à disposição para contribuir neste debate.
Tribuna da Bahia: O projeto de arcabouço fiscal apresentado pelo governo tem potencial para ajudar a impulsionar a economia brasileira?
Ricardo Alban: O projeto de arcabouço fiscal é importante para alinhar as expectativas dos agentes econômicos e sinalizar estabilidade e previsibilidade na condução da economia, articulando a política fiscal com a política monetária, liderada pelo Banco Central. Entendo que o arcabouço fiscal permitirá que o Banco Central flexibilize a sua política rígida de juros altos. Porém, isso apenas não irá assegurar a retomada do crescimento sustentado da economia brasileira. Além de ancorar as expectativas por meio de uma política fiscal crível e responsável, é preciso promover as reformas tributária e administrativa, sem esquecer o enfrentamento do chamado Custo Brasil – infraestrutura precária, excesso de burocracia, insegurança jurídica, além da baixa qualificação do capital humano.
Tribuna da Bahia: Acredita que a reforma tributária prosperará? Quais os principais ajustes fiscais precisam ser feitos para beneficiar a indústria?
Ricardo Alban: Esperamos que o Congresso Nacional dê um primeiro e decisivo passo aprovando a Reforma Tributária este ano. A complexidade e ineficiência do sistema tributário brasileiro, além da pesada carga sobre o setor industrial, é um dos maiores óbices ao desenvolvimento industrial no país, contribuindo com a baixa competitividade das empresas nacionais frente às de países com sistemas tributários mais racionais. A indústria defende que devemos instituir um sistema similar ao dos países avançados, que reduza o peso sobre o consumo e seja equilibrado entre os setores. O proposto sistema de IVA (Imposto sobre o Valor Adicionado) substitui todos os atuais tributos sobre o consumo, sendo cobrado de forma não cumulativa em todas as etapas da cadeia produtiva, de modo que poria fim ao problema de impostos embutidos ao longo das cadeias produtivas e não recuperados, que tornam os preços dos manufaturados no Brasil pouco competitivos nas exportações, bem como na competição frente os bens importados no mercado interno.
Tribuna da Bahia: O senhor é otimista quanto à vinda da BYD para a Bahia? Que benefícios trariam para o Estado?
Ricardo Alban: Temos a perspectiva de atrair a BYD, tanto na produção de baterias como de veículos elétricos e isso certamente dará um novo impulso ao setor industrial no estado, com a geração de emprego e renda. Seria um marco muito importante para o nosso estado, assim como foi a vinda da Ford. É sempre bom lembrar que a Ford retirou a manufatura do Brasil, mas toda a engenharia está hoje no Cimatec Park, em Camaçari, com cerca de 1.400 engenheiros, oferecendo serviços de engenharia para o mundo.
Tribuna da Bahia: Como avalia a polêmica envolvendo os grandes sites de compras chineses, como Shein e Aliexpress? A indústria nacional tem sido prejudicada? Que medidas o governo pode adotar nesse sentido?
Ricardo Alban: Não queremos vantagens, o que defendemos é a isonomia entre os produtos importados e nacionais, para que se possa competir em igualdade de condições. Como disse anteriormente, a pandemia nos mostrou que, para alcançar níveis elevados de desenvolvimento econômico e social, precisamos de uma indústria forte, que reduza nossa dependência por bens importados. Para isso, é fundamental uma política industrial que devolva o dinamismo ao setor, normalmente responsável pelos empregos mais qualificados e pelos avanços tecnológicos mais impactantes.
Tribuna da Bahia: Tem se falado muito nos avanços da inteligência artificial, o que tem gerado incertezas e rumores. De que forma essas novas tecnologias poderão impactar na indústria futuramente?
Ricardo Alban: Os avanços tecnológicos sempre impactaram o setor industrial, assim como toda a sociedade. Como entidade representativa do setor no estado, há 75 anos, a FIEB se empenha para manter a indústria baiana alinhada às transformações do setor produtivo e da sociedade. Desta forma, colocamos à disposição das indústrias, incluindo as de pequeno e médio portes, diversos serviços para estimular a adoção das novas tecnologias e avanços no processo produtivo, estimulando a implementação da indústria 4.0, começando pela transformação digital dos processos e produtos. O SENAI Cimatec, braço do sistema indústria vocacionado para o desenvolvimento de novas tecnologias e pesquisa, tem papel estratégico neste contexto. Atualmente, o Cimatec Park concentra pesquisas avançadas em parceria com empresas e grandes centros internacionais de tecnologia no desenvolvimento de novos produtos, incluindo o Centro de Desenvolvimento e Tecnologia da Ford Brasil, unidade estratégica da engenharia global da montadora. Mais recentemente, o recém-lançado Cimatec Sertão chega para levar ao semiárido baiano um núcleo de pesquisa para produção de biocombustível a partir do agave, em Conceição do Coité.