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sábado 23 de janeiro de 2021 às 17:21h

Presidente da Câmara não pode analisar mérito de pedidos de impeachment

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Sistemas presidencialistas costumam estar dotados de anticorpos contra chefes de estado que, embora legitimamente eleitos para um mandato fixo, incorrem em condutas reputadas graves e que colocam em risco a ordem constitucional. O uso do impeachment é a reação mais importante desse sistema imunológico da democracia.

No Brasil, as hipóteses de “crime de responsabilidade” — condutas que podem ensejar a deposição do presidente da República e de outros agentes, como ministros de estado e do STF — são previstas pela Constituição de 1988, que delega a uma “lei especial” a função de definir quais são essas condutas.

Conforme o ConJur, trata-se da Lei 1.079, promulgada em 1950. O projeto de lei do qual se originou, no entanto, foi proposto por políticos declaradamente parlamentaristas. Muito provavelmente por isso, os crimes de responsabilidade não são condutas nítida e especialmente graves, mas hipóteses bastante abertas — o que não está em plena harmonia com uma Constituição presidencialista. Imaginar um possível abuso do instituto — para remover do poder um presidente legitimamente eleito que não agrada a maioria parlamentar — não é exagero. Ou, ao menos, enquadrar uma conduta em crime de responsabilidade não é tarefa que exigiria grandes esforços argumentativos.

No entanto, a hipótese oposta — o não uso do instituto para deposição de um agente político que coloca em risco a ordem constitucional — seria contraintuitiva, já que em tese o enquadramento legal de seus comportamentos não seria empecilho.

No cenário atual, Jair Bolsonaro já é o presidente mais questionado em um único mandato. Ao todo, são 62 pedidos de impeachment contra o mandatário — oficialmente, a Câmara contabiliza 61 denúncias, mas há notícia de ao menos mais uma. Dilma Roussef contabilizou 68 petições contra si, mas em dois mandatos: 14 no primeiro e 54 no segundo.

A competência para dar seguimento às denúncias é, em última instância, do plenário da Câmara dos Deputados. No entanto, antes disso, há outra instituição importante no gatilho de impeachments: a presidência da Câmara dos Deputados. É ela que inicialmente defere ou indefere os pedidos. Contra a decisão de eventual indeferimento, cabe recurso ao Plenário.

Mas em quais parâmetros essas decisões devem se basear? Segundo a Constituição, a lei do impeachment e o regimento interno da Câmara, o presidente da Casa deve proceder a uma análise meramente formal dos requisitos da peça acusatória, como assinatura do denunciante com firma reconhecida, documentos que comprovem a acusação e, caso tais documentos não possam ser apresentados, rol de testemunhas arroladas. Presentes tais elementos, o presidente deve despachar a denúncia a uma comissão especial, composta por representantes de todos os partidos.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampliou esses poderes, de modo que o presidente da Câmara também pode rejeitar denúncias patentemente ineptas ou desprovidas de justa causa (materialidade delitiva e indícios de autoria).

Ainda assim, de acordo com especialistas ouvidos pela ConJur, o presidente da Câmara não pode fazer um juízo político, de conveniência e oportunidade, sobre o mérito da denúncia. “Não existe, juridicamente, margem para que o presidente de Câmara faça essa análise política sobre se é conveniente ou não aceitar ou rejeitar uma denúncia”, afirma o constitucionalista Luiz Fernando Gomes Esteves. “Uma vez que a denúncia apresente todas as formalidades, o presidente da Câmara deveria, sim, aceitá-la, e consequentemente formar a comissão para analisá-la”, conclui.

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