O presidente argentino, Alberto Fernández, está diante de 48 horas cruciais de acordo coma RFI, entre a escolha do novo ministro da Economia e a reação dos mercados, depois da repentina renúncia do ministro da Economia do país, Martín Guzmán. Uma reforma ministerial não é descartada para dar fôlego ao presidente, pressionado pela própria vice-presidente Cristina Kirchner e por uma economia em apuros.
Depois da renúncia do ministro da Economia no começo da noite deste sábado (2), Fernández reuniu os seus mais próximos ministros e assessores na residência presidencial para definir o substituto e uma possível reforma do gabinete. A definição do nome, no entanto, foi deixada para este domingo, antes que os mercados abram na segunda-feira.
“Estamos diante de uma grave crise política na qual o presidente e a sua vice disputam a liderança. Nessa disputa, a economia é o campo de batalha e o ministro da Economia, uma peça crucial. A renúncia de Martín Guzmán agrava a situação”, avalia à RFI o analista político Rosendo Fraga, uma referência no país.
“O presidente terá de escolher neste domingo um novo nome que não assuste os mercados. Essa é a expectativa das próximas 48 horas”, destaca.
A margem para que os mercados assimilem o nome a ser designado é ligeiramente maior graças ao feriado de segunda-feira (4) em Wall Street, pelo dia da Independência dos Estados Unidos.
“Não será fácil para o presidente encontrar alguém qualificado para o cargo porque nenhum economista de prestígio quer integrar um governo sem rumo claro. Além disso, esse novo ministro vai precisar do apoio político de uma coalizão de governo fragmentada, na qual o presidente e a vice-presidente se mantêm em disputa, agravando a situação política e econômica”, considera o analista político Marcos Novaro.
Fogo amigo
Há meses, a vice-presidente, Cristina Kirchner, critica abertamente a política econômica, desgastando a gestão de Fernández, da qual procura se diferenciar. “Cristina Kirchner vê que a situação econômica se agrava rapidamente e procura se diferenciar, como se fosse uma opositora. Essa estratégia visa intervir no governo, mas desautoriza o presidente, agora vazio de qualquer autoridade. Há uma corrosão na cúpula do poder que acelera a crise econômica”, acrescenta Novaro.
“Esse é o risco: que se precipite um agravamento da crise. Por isso, as próximas 48 horas podem ser determinantes para o governo”, concorda o analista Sergio Berensztein.
O ministro da Economia, Martín Guzmán, advertiu para a falta de apoio político dentro da própria coalizão de governo para tomar decisões. A renúncia chegou através de uma extensa carta de sete páginas, publicada nas redes sociais no exato momento em que a vice-presidente, num ato político, atacava o ministro – um costume dos últimos meses.
“A partir da experiência que vivi, considero que seja primordial que haja um acordo político dentro da coalizão de governo para que quem me substituir tenha o controle centralizado dos instrumentos de política macroeconômica necessários para enfrentar os desafios por diante”, indicou Martín Guzmán na carta de renúncia e, ao mesmo tempo, denunciando o “fogo amigo” que o impediu de avançar.
Durante 30 meses de gestão, iniciada em 10 de dezembro de 2019, Martín Guzmán reestruturou a dívida pública com credores privados externos e com o Fundo Monetário Internacional (FMI), adiando vencimentos da dívida pelos próximos anos. Mesmo assim, a taxa de risco-país se manteve em torno de 2.000 pontos-básicos e, na última semana, subiu a 2.500 pontos, um nível considerado de moratória da dívida.
Inflação e déficit sem controle
Sem acesso ao crédito e sem reservas no Banco Central, a saída para o governo argentino seria reduzir o déficit fiscal, conforme o estabelecido no acordo com o FMI, de 3% do PIB em 2021 para 2,5% em 2022. No entanto, o déficit aumentou a um ritmo de 4%.
Para evitar ajustes, o governo optou pela vasta emissão monetária e sem respaldo, alimentando uma inflação galopante e descumprindo o compromisso com o FMI de reduzir a emissão de 3,7% do PIB a 1%. A maioria dos economistas concorda que a inflação de 2022 ficará entre 80% e 100%.
Para recompor as escassas reservas do Banco Central e cumprir o compromisso com o FMI, as fortes restrições no acesso das empresas ao mercado de câmbio tornaram-se proibições, há uma semana. As companhias agora são obrigadas a se autofinanciarem em dólares se quiserem importar.
Como as importações de componentes são cruciais para a indústria local, a medida teve forte impacto na produção, na inflação e na taxa de câmbio, pressionando o peso argentino a mais desvalorização. “A renúncia do ministro Martín Guzmán parte de uma percepção pessoal de que o que vem pela frente será pior. Por isso, o nome do novo ministro será crucial para acalmar ou para agravar esse processo de deterioração econômica”, insiste Rosendo Fraga.