Segundo reportagem do jornal O Globo, enquanto o desemprego atinge cerca de 13 milhões de pessoas, a fome volta a assolar o país e a inflação registra a maior alta desde 2015, os principais pré-candidatos à Presidência adiantam a discussão sobre seus planos econômicos e já começam a dar publicidade a propostas que serão delineadas durante a campanha.
Tema crucial nas disputas pelo Palácio do Planalto, a economia tende a ganhar ainda mais importância no pleito deste ano, justamente em função do impacto que a deterioração no cenário tem sobre a “vida real” do eleitorado — 65% avaliam que o quadro piorou nos últimos meses, segundo pesquisa Datafolha de dezembro.
Em meio a críticas à gestão das contas públicas no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), as equipes econômicas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Sergio Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB) formulam mudanças em regras trabalhistas, cobrança de impostos e precificação da gasolina, além de elaborar lista de privatizações e alterações em medidas fiscais. A antecipação da apresentação de projetos, inclusive, tem potencial de movimentar a formação de alianças — o ex-governador Geraldo Alckmin, cotado para a chapa de Lula, demonstrou interesse em esquadrinhar parte dos planos do PT antes de consolidar a decisão.
— Lula e Ciro defendem que o Estado é necessário para fomentar o crescimento econômico. Por isso, tratam de temas como investimento público e acesso da população ao consumo. Já Doria e Moro convergem em uma agenda que preza pela liberdade econômica e Estado enxuto, a partir da defesa de pautas como privatizações e reformas. Bolsonaro tem um projeto econômico menos claro. Defensor de uma agenda liberal em 2018, ele chega às eleições distante das reformas e com a flexibilização do teto de gastos — resume a economista Vivian Almeida, do Ibmec-RJ.
Instaurado em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), para tentar garantir o equilíbrio das contas públicas, o teto de gastos limita o crescimento das despesas do governo à inflação e já é um dos principais pontos de discordância entre os pré-candidatos.
Bolsonaro furou o teto ao patrocinar a PEC dos Precatórios para turbinar o programa de transferência de renda Auxílio Brasil. No PT, o ex-ministro Nelson Barbosa defende trocar o mecanismo por uma nova âncora fiscal, que limite o gasto do governo em cada início de mandato e que seja atrelado ao Produto Interno Bruto (PIB). Ao lado de economistas da Unicamp e dos ex-ministros Aloizio Mercadante e Guido Mantega, Barbosa integra o grupo de conselheiros de Lula.
A proposta dele é semelhante à de Mauro Benevides, um dos assessores econômicos de Ciro, também aconselhado por Nelson Marconi. Além de limitar o crescimento das despesas, Benevides sugere que, para aumentar os investimentos públicos, esses gastos seriam corrigidos com base na expansão real da arrecadação federal. O economista Affonso Celso Pastore, que assessora Moro, defende a substituição do teto de gastos por um novo arcabouço fiscal que obrigue obediência às limitações orçamentárias, mas sem detalhar como seria. Ex-secretário da Receita de Bolsonaro, Marcos Cintra é outro economista que ajuda o ex-juiz.
Já Doria se contrapõe de forma mais enfática à mudança. O porta-voz de seu programa econômico é o secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, um dos formuladores das reformas de Temer. Em documento divulgado anteontem, o tucano propõe rever emendas parlamentares, eliminar sobreposições entre FGTS e seguro-desemprego e auditar benefícios previdenciários para manter o teto até 2026, quando é prevista uma revisão por lei. O texto, com linhas gerais para a economia, é assinado por Meirelles, Ana Carla Abrão, Zeina Latif e Vanessa Rahal Canado.
Ainda que sejam adversários políticos, Doria e Bolsonaro concordam em outro ponto que tem movimentado as campanhas: a reforma trabalhista. Embora defenda o texto atual, também aprovado por Temer, Doria sugere que é necessário criar medidas de proteção de empregados de aplicativos — a categoria ganhou ainda a atenção de Lula, que defende mais direitos ao grupo, e de Bolsonaro, que sancionou um projeto com medidas de socorro na pandemia.
Na semana passada, políticos de centro e setores do mercado criticaram a proposta do PT de revogar a reforma. Nos últimos dias, interlocutores do partido têm falado em revisar apenas trechos do texto, propondo o fim dos contratos de trabalho intermitentes e a volta da contribuição sindical obrigatória.
Moro atacou a proposta e disse que o PT quer “tirar do salário do trabalhador para repassar aos sindicatos amigos”. A equipe de Ciro defende a revogação da reforma trabalhista.
A discussão sobre privatização também já diferencia os pré-candidatos. O ministro Paulo Guedes, que, embora ainda não tenha confirmado que atuará na campanha, é o responsável pela economia do governo, não conseguiu entregar uma agenda de privatizações tão extensa quanto a prometida na campanha. Além de leilões de rodovias e aeroportos, o governo espera vender a Eletrobras no primeiro trimestre.
“Pragmatismo do voto”
Doria e Moro são favoráveis à privatização de estatais — o tucano é mais incisivo sobre a Petrobras, enquanto o ex-ministro defende que sejam feitos estudos. O governador ainda inclui nesse rol o Banco do Brasil, agenda oposta à do PT, por exemplo. Na semana passada, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, comemorou a notícia sobre a revogação da privatização de empresas de energia da Argentina. Já Ciro acredita que apenas estatais deficitárias e não estratégicas devem ser vendidas. Seus economistas citam 86 companhias, como a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), criada para desenhar o trem-bala entre São Paulo e Rio em 2012.
— O cidadão comum sente a inflação nas compras mensais do supermercado, no posto de gasolina, nas contas de luz e de gás. Fora o aumento expressivo do desemprego — diz a cientista política Gabriela Lotta, professora da FGV-SP. — Essas preocupações pesam muito no pragmatismo do voto. Muito mais do que as pautas econômicas que não têm materialidade direta em sua vida, como teto do gastos ou autonomia do Banco Central.
Debate Econômico
Pré-candidatos já começam a mostrar caminhos que seus programas econômicos devem seguir ao longo da campanha presidencial.