Prestes a assumir a presidência da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), apresenta nesta segunda-feira (17) à Câmara Municipal um projeto que quer usar de vitrine para o debate federal: a criação da Força Municipal de Segurança Pública. Serão 4,2 mil homens armados nas ruas até 2028, em uma tentativa de aumentar o protagonismo da cidade no combate a roubos de rua.
Paes reclama da ausência de prefeitos em Brasília nas reuniões do governo federal sobre segurança. Ao mesmo tempo, reforça a incredulidade com o governador Cláudio Castro (PL), que disse a Bernardo Mello, Caio Sartori e Thiago Prado, em entrevista ao jornal O Globo, em dezembro, que não tem “nenhuma” responsabilidade pela crise na segurança.
— É preciso ter clareza, por exemplo, de que Peixão e Complexo de Israel não serão responsabilidade da Força Municipal de Segurança, nem combater milícias — diz em referência ao traficante mais procurado do Rio.
O prefeito deu poder ao vice e provável sucessor, Eduardo Cavaliere (PSD), na formulação do projeto da Força Municipal de Segurança. Mas, apesar dos sinais de que está cada vez mais “estadualizado”, Paes segue negando a intenção de concorrer ao governo do estado no ano que vem.
Seu projeto de criar uma Força Municipal de Segurança foca na ostensividade, o que acaba invadindo uma competência da Polícia Militar. Como acha que os policiais vão receber a iniciativa da prefeitura?
Acho que vão receber bem. A ideia é liberar a PM de certas tarefas que ela tem hoje para cumprir missões mais complexas. Da mesma forma, se houver uma quadrilha especializada em roubo e desmonte de automóveis, por exemplo, a prefeitura pode trabalhar em auxílio à Polícia Civil, a quem continuará cabendo fazer a investigação. O papel da Força no Rio será de policiamento preventivo comunitário em áreas da cidade onde existe, por exemplo, maior incidência de roubo de veículo, de celular, de pedestre. Esse é o tipo de crime que vai se buscar evitar com a Força, que não andará com aquele armamento pesado usado para enfrentar o crime organizado. Ainda estamos analisando os calibres que vamos autorizar.
O senhor acha, portanto, que a polícia estadual não está cumprindo bem suas funções?
Não sou comentarista da política de segurança do governo, até porque nem sei se existe uma. Mas confesso que me assustei com a entrevista do governador Cláudio Castro ao GLOBO em dezembro dizendo que não tinha “nenhuma responsabilidade” pelo que acontecia na segurança pública do estado. Vivemos uma situação de anomia, e não posso ficar parado assistindo a isso.
Como fazer para que não exista uma “polícia do Eduardo” e uma “polícia do Cláudio Castro”, com quem o senhor tem tido atritos no tema da segurança?
Estamos buscando agir dentro de atribuições muito específicas que possam colaborar com as forças de segurança estaduais. Só os incautos que querem espalhar fake news podem me responsabilizar por particularidades da criminalidade do Rio. O que nos diferencia do restante do país são casos como o Complexo do Israel. Que não é uma comunidade, ou seja, não dá nem para usar a ADPF 635 como desculpa para não haver operações policiais. Outro exemplo: a Estrada do Taquaral, em Senador Camará, na Zona Oeste, onde outro dia vi cancelas com pneus. Lá também não é uma comunidade, é um bairro.
A futura Força Municipal de Segurança atuará na questão do domínio territorial de áreas do Rio por facções fortemente armadas?
Não. É preciso ter clareza de que o Peixão (Álvaro Malaquias Santa Rosa, um dos traficantes mais procurados do Rio) e o Complexo de Israel não serão responsabilidade da Força Municipal de Segurança, nem combater milícias. Se conseguirmos nacionalizar esse debate sobre o papel dos municípios, ficará claro também que a Guarda Civil Metropolitana da cidade de São Paulo não é responsável pelo PCC.
O senhor nunca falou tanto de segurança como hoje em dia. Há um mea culpa por não ter dado tanta importância ao tema em outros mandatos?
Quando ganhei minha primeira eleição, o grande tema era Saúde. Na segunda, havia uma Olimpíada para tocar. Na terceira, peguei uma cidade quebrada, e o BRT era o tema mais explícito. De um tempo para cá, a segurança pública passou a ser uma cobrança permanente sobre todos os prefeitos em âmbito nacional, e o Rio tem particularidades. Esse é um dos motivos para eu estar assumindo a Frente Nacional de Prefeitos: quero nacionalizar esse debate para que as tarefas de estados e municípios fiquem bem claras.
Fica parecendo que o senhor cansou de fingir que não é candidato a governador do Rio em 2026…
Não, e eu não quero politizar esse debate. Já apoiei em 2022 uma candidatura que não era a do Cláudio Castro (a do pedetista Rodrigo Neves, atual prefeito de Niteroi). Acho que o grupo que está governando o Rio hoje não conduz com competência as funções do estado, nunca escondi essa visão.
O senhor pretende, nessa Força, ter 4,2 mil agentes com remuneração mensal de R$ 13,3 mil . Como o projeto vai ser financiado?
Vou mandar o projeto à Câmara de Vereadores com a previsão de despesa até 2027, e vou buscar nacionalmente uma solução que ajude as prefeituras a pagarem essa conta, que não vai ser barata. Existe uma pressão sobre os prefeitos, mas quando tem discussão sobre segurança pública em Brasília o presidente da República chama só os governadores. Eu vou buscar isso na FNP. Os municípios vão assumindo tarefas, responsabilidades, e não há um financiamento (federal) nessa história?
O projeto já prevê agentes em atividade na Força Municipal no primeiro semestre de 2026. Não é apressado?
Serão 600 homens no primeiro semestre, isso não é nenhum exagero numa cidade como o Rio. Na hora que a Força Municipal começar a funcionar, vou estabelecer metas muito claras de diminuição de roubo de transeunte e de celular nas áreas em que o efetivo estiver distribuído, para que eu seja cobrado. A Força será subordinada diretamente ao prefeito, não a uma secretaria.
O senhor tem dito que a ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, virou uma “desculpa” do governo estadual para a crise de segurança, mas também foi ao Supremo pedir o fim da ação. Ainda não ficou claro qual é, na sua visão, o problema da ADPF.
Ela tem um problema de origem. Não é tema para o Supremo estar tratando, não é o Supremo que vai dizer como a polícia tem que agir. E há, sim, o problema de narrativa. Virou uma desculpa para nada se fazer. Ela gerou uma percepção de que a polícia está proibida de trabalhar. A ADPF tem cinco anos. Quantas vezes o governador procurou algum ministro do Supremo para falar do tema ao longo desses anos?
À frente da prefeitura, o senhor já acompanhou iniciativas estaduais como a UPP no governo Sérgio Cabral e o Cidade Integrada no governo Castro, voltadas para ocupação em comunidades…
De novo, não quero ser comentarista de segurança do estado, mas teve Cidade Integrada?
… houve também tentativas de investir em policiamento de proximidade com o Segurança Presente, que é algo mais similar à Força Municipal de Segurança. A melhor política deve priorizar o combate ao crime dentro das favelas ou a ostensividade no asfalto?
O Segurança Presente não é a melhor forma, é só olhar o aumento no número de furtos, nos roubos de rua. Na época das UPPs, tentavam me responsabilizar, como prefeito, dizendo que o problema era a falta de investimento no lado social. Aí você faz 30 escolas na Maré, bota tempo integral, asfalta tudo e continua dominado pelo crime organizado.