No início da manhã desta última sexta-feira (7) um edifício de três andares desmoronou no bairro do Janga, em Paulista (PE).
Segundo o Corpo de Bombeiros, até a tarde de sexta, três pessoas foram encontradas mortas, três foram resgatadas com vida, e dez estavam desaparecidas.
Segundo Vitor Tavares da BBC News, a prefeitura informou que, “o imóvel estava interditado desde o ano de 2010 e foi reocupado por grupos de sem-teto”.
Em abril, um prédio desabou na cidade vizinha de Olinda, deixando 6 pessoas mortas.
Há muito em comum entre as duas tragédias: os dois prédios eram do tipo “caixão” e estavam interditados por riscos de desabamento. E ambos foram ocupados por pessoas que, sem ter onde morar, viviam sob risco constante.
Os prédios do tipo caixão são edificações em que, pela definição técnica, usam “alvenaria resistente na função estrutural”, em vez de concreto armado — ou seja, em que as próprias paredes sustentam a estrutura, sem o uso de vigas ou pilares.
O termo caixão é uma referência ao formato de caixa desses edifícios, segundo o engenheiro Carlos Wellington Pires, gerente do Laboratório de Tecnologia Habitacional do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep).
Na Região Metropolitana do Recife, esse estilo de edificação começou a ser bastante popular a partir da década de 1970, devido à redução de tempo e custo para a construção.
Nos anos 1990, começaram a ruir os primeiros edifícios. Ao menos 17 já desabaram, segundo o engenheiro Carlos Wellington Pires, que monitora a situação há décadas.
Desde 2005, esse tipo de construção foi proibido nas cidades do Grande Recife.
Um mapeamento feito pelo Itep identificou cerca de 5,3 mil prédios construídos dessa forma na região, principalmente nas cidades de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paulista.
Desses, cerca de mil foram classificados com risco “alto” de desabar e 260 com risco “muito alto”.
Problema de décadas em Pernambuco
O engenheiro Carlos Wellington Pires, especialista na situação dos prédios-caixão em Pernambuco, explica que um conjunto de fatores fez essa situação ser tão comum no Estado.
Em um momento de expansão das cidades metropolitanas, nos anos 1970, construtoras iniciantes passaram a construir em grande quantidade esse tipo de prédios, que tinham um baixo investimento e alto retorno financeiro.
“As construtoras utilizaram esse sistema de construção empírico, experimental, sem normas técnicas aprovadas. E os engenheiros assinavam esses projetos por pura pressão do mercado imoboiliário”, diz Pires.
Segundo o engenheiro, a estrutura desses prédios foi construída usando blocos de vedação, a maioria em cerâmica, quando deveriam ser usados blocos estruturais, mais resistentes.
“Esses de cerâmica têm baixa espessura, não poderiam estar na estrutura. Mas na política habitacional do estado houve uma influência forte da indústria de cerâmica”, avalia.
Outro ponto identificado como fundamental para a ruína dos edifícios é a “fundação vazia”.
Segundo Pires, mesmo em terrenos em que havia desnível, não era feito o aterro pelas construtoras para nivelar. Isso fez com que, embaixo dos edifícios, existisse uma espécie de buraco, onde a eventual presença de água pode ir corroendo a estrutura de sustentação do prédio.
Muitos bairros onde esses prédios foram construídos têm um sistema de saneamento deficitário e estão em áreas onde há grande presença de mangues, rios e canais. Ou seja, com forte presença de água.
Segundo o engenheiro, essa situação faz com que esses prédios caiam rapidamente, sem dar muitos “sinais”.
A fundação do edifício vai sendo degradada rapidamente por ação da água – e isso não é visível.
Em geral, os edifícios são de três andares, com apartamentos a partir do térreo.
A BBC News Brasil conversou com moradores do mesmo conjunto habitacional do prédio que desabou nesta sexta no Janga.
Fábio Veríssimo e sua esposa, Angela, moram num prédio com a mesma estrutura do que caiu. O deles, porém, não está interditado.
Com medo e a pedidos de parentes, a família saiu de casa.
“A gente tem vontade de sair daqui, já tem muitos interditados, abandonados. Agora, só aumentou a vontade”, disse.
A prefeitura de Paulista informou que, de março a junho deste ano, foi a 32 locais no bairro do Janga fazer fiscalização de edifícios do tipo caixão.
Disse ainda que não tem autorização para expulsar as pessoas dos prédios e que um relatório foi enviado ao Ministério Público para que a Justiça tome medidas cabíveis, como a demolição.