Partido Chega, que pode mais que dobrar bancada no Parlamento, almeja coalizão com centro-direita e liberais. Apesar de plataforma crítica à imigração, legenda tem apoio de muitos brasileiros que vivem no país europeu.Portugal realiza neste domingo (10) eleições nacionais antecipadas que definirão o perfil do novo Parlamento. O pleito foi convocado após o atual primeiro-ministro, o socialista António Costa, ter entregue o cargo em novembro passado devido a uma investigação anticorrupção que atingiu alguns de seus aliados próximos.
Pesquisas eleitorais indicam que as duas principais legendas portuguesas, o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, e o Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, terão cerca de 30% dos votos cada uma, insuficiente para ter maioria no Parlamento.
Esse cenário sugere desafios para formar uma coalizão de governo e escolher o novo primeiro-ministro. E direciona a atenção para qual será a performance do partido de ultradireita Chega, que segundo as pesquisas pode ter de 15% a 20% dos votos – desempenho que seria muito superior ao obtido nas últimas eleições parlamentares, em janeiro de 2022, quando a legenda pontuou 7,3%.
A esperança da ultradireita portuguesa é participar do próximo governo português em coalizão com a centro-direita e com os liberais, que têm cerca de 5% nas pesquisas.
O Chega é liderado por André Ventura e tem uma plataforma política ancorada nos temas tradicionais de partidos populistas e de ultradireita ocidentais: mobilização do discurso anticorrupção, temas da “guerra cultural” como aborto e direitos LGBT e críticas a imigrantes e promessas de restringir a imigração.
Apesar das críticas frequentes de Ventura à imigração e da disparada de denúncias de xenofobia contra brasileiros – os casos registrados subiram 833% de 2017 a 2022 – a comunidade brasileira com direito a voto em Portugal é parte da base eleitoral do Chega. No total, os brasileiros compõem de 4% a 8% dos moradores do país europeu, incluindo os imigrantes regularizados e irregulares e pessoas com dupla cidadania.
Para entender os motivos que levam muitos brasileiros em Portugal a votar no Chega, a DW foi ao país europeu conversar com esses eleitores e com especialistas.
Os brasileiros apoiadores do Chega
Há brasileiros em posições importantes dentro da estrutura do Chega. Como o vice-presidente do partido no Porto, Marcus Santos, que nasceu no Brasil. Ele pede voto para os luso-brasileiros que, segundo ele, não dependem de apoio do governo e viveriam de “maneira correta”.
Outro brasileiro apoiador do Chega é a empresária Sandra Bittencourt. “Sou conservadora e sou uma brasileira que estou há 22 anos em Portugal. Conheço os problemas de Portugal. Sei que o Chega, como conservador, e que tem causas que eu defendo, é o melhor partido para Portugal”, afirmou ela à DW durante uma passeata da legenda em Lisboa. Ela afirma que o Chega não é contra a imigração, mas contra a imigração desorganizada.
Cibelli Pinheiro, natural do Recife, diz que é a militante de número 501 do Chega em Portugal. E tem um vasto álbum de fotos para provar. Ela se aproximou do partido quando a sigla foi fundada, em 2019. Desde então, mantém relações ideológicas muito próximas.
Entre os motivos que a fazem apoiar o partido, ela cita o combate ao que define como “sexualização precoce das crianças”. “A questão de querer incutir na mente da criança que ela pode ser um abacaxi, uma cenoura, um detergente. Cada um decide sua vida, cada um tem liberdade para isso, mas não se deve doutrinar as crianças”, disse.
Um importante cabo eleitoral do Chega entre os brasileiros é Jair Bolsonaro. No começo do ano, o ex-presidente gravou um vídeo pedindo aos brasileiros com direito a voto que apoiem Ventura.
“Todos os eleitores são muito importantes para nós. Brasileiros… todos os imigrantes que votam em Portugal e que estão integrados na sociedade portuguesa… e que escolheram Portugal para viver são importantes para as nossas escolhas”, disse Ventura à DW durante evento de rua em Lisboa em fevereiro.
Imigrantes apoiando um partido anti-imigração?
Especialistas que estudam o tema indicam alguns motivos para a proximidade entre brasileiros conservadores que moram em Portugal e o Chega.
Um deles é que o vínculo entre o bolsonarismo e o Chega se estabeleceu já há algum tempo. Ambos sempre compartilharam a crítica à esquerda. O Chega, contra o PS português, e o Bolsonaro, contra o PT. No ano passado, o Chega até convocou uma manifestação em Lisboa contra uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à cidade. E membros do partido tumultuaram uma sessão em que Lula falou no Parlamento português.
Nesse sentido, o apoiador brasileiro do Chega pode ser cativado com a parte da plataforma da legenda que associa a esquerda a crise econômica, corrupção e ameaça aos valores conservadores, e nem tanto com a parte da aversão aos imigrantes.
E há também os luso-brasileiros que diferenciam os imigrantes em categorias. Alguns acham que há que se endurecer mesmo a política contra os brasileiros em situação precária em Portugal. E outros avaliam que o Chega seria mais crítico aos imigrantes de países de maioria islâmica, e não tanto contra os brasileiros.
“[Para eles] muçulmano é um ‘mau imigrante’, porque não partilha do mesmo costume religioso que brasileiros e portugueses. E é essa a proximidade entre o Chega e os brasileiros, o combate à islamização, o islã como o grande inimigo dos evangélicos, e também da extrema direita na Europa no geral”, afirma o cientista político João Miguel de Carvalho, do Instituto Universitário de Lisboa.
Outra frente do Chega são as pessoas de nacionalidade portuguesa que moram no Brasil. Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente que mais se engaja mais no intercâmbio com outros movimentos de extrema direita pelo mundo, faz campanha ativamente nesse segmento. Segundo ele, seriam cerca de 400 mil potenciais eleitores portugueses no Brasil.
Eduardo falou disso numa live com o pai e os irmãos no final de janeiro. “A gente vai trabalhar essa eleição em Portugal aqui dentro do Brasil. Porque você que é cidadão português em março vai ter a possibilidade de ajudar Portugal a levar alguém conservador [ao poder]”, disse.