O preço do barril de petróleo do tipo WTI ultrapassou US$80 (R$ 436) na última segunda-feira (11) – foi a primeira vez em quase oito anos.
A cotação do West Texas Intermediate (WTI), tipo de petróleo cru que serve como referência de preço nos EUA, fechou a US$ 80,52, confirmando a trajetória de alta que vem registrando há meses.
A pandemia covid-19 e as medidas de restrição à circulação adotadas em diversos países para fazer frente ao novo coronavírus derrubaram os preços. Há apenas um ano, o WTI custava apenas US$ 40.
Com o fim da pandemia se aproximando, contudo, os preços dispararam. O que está por trás desse aumento significativo?
A resposta a essa pergunta, segundo os especialistas, inclui não apenas fatores tradicionais – como o desempenho dos países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) – ou conjunturais, como a pandemia, mas também uma nova estratégia das empresas produtoras de petróleo nos Estados Unidos.
Demanda reativada, fornecimento controlado
“Há uma grande correlação entre a situação de pandemia e o aumento dos preços do petróleo”, diz Mark Finley, pesquisador especializado em energia e petróleo da Rice University, nos EUA.
O especialista explica que, assim como em 2020 houve uma forte ligação entre a pandemia e a queda do preço do petróleo, neste ano a recuperação influenciou tanto a demanda quanto a oferta de petróleo.
“Esse é o principal fator. Do lado da demanda, estamos vendo uma reativação da economia e da mobilidade após o impacto da covid-19, então após termos experimentado a maior queda registrada no ano passado na demanda por petróleo, este ano nós provavelmente registraremos o maior aumento”, afirma.
“Do lado da oferta, há uma combinação de cortes de produção pela Opep e por outros produtores, como a Rússia (que faz parte do que hje é conhecido como Opep+), e uma queda na produção nos Estados Unidos e em outros lugares devido aos baixos preços que registraram o barril no ano passado”, acrescenta Finley.
A Opep, a Rússia e outros produtores mantêm um acordo para aumentar progressivamente a oferta com o objetivo de eliminar os cortes de produção que aplicaram para fazer frente à queda da demanda devido à pandemia.
Esses aumentos, no entanto, não são automáticos, uma vez que os países reúnem mensalmente para avaliar o mercado e decidir sobre sua aplicação.
A estratégia inusitada dos produtores americanos
Um elemento novo que tem contribuído para o aumento do preço do petróleo bruto é a restrição também por produtores de petróleo nos Estados Unidos.
Esta é uma estratégia incomum para essas empresas, que costumavam aumentar a produção sempre que os preços do petróleo eram favoráveis.
“Uma das histórias surpreendentes no mercado de petróleo este ano é que os produtores nos Estados Unidos foram muito disciplinados e não responderam ao aumento dos preços com um aumento drástico na extração de petróleo”, diz Finley.
“Houve um aumento, mas não está nem remotamente perto de onde estava antes da pandemia, quando, aliás, os preços estavam mais baixos do que agora. Foi uma grande mudança”, acrescenta.
De acordo com dados da Baker Hughes, que presta serviços para o setor de óleo e gás, houve cerca de 533 perfurações operacionais nos Estados Unidos na semana passada, o que representa um aumento de 233 em relação a um ano atrás, mas muito menos do que os 1.580 que estavam ativos da última vez que o petróleo atingiu esses preços em outubro de 2014.
Os Estados Unidos têm grande capacidade de aumentar sua produção rapidamente por meio da exploração do petróleo de xisto, cujos poços podem entrar em operação em um curto espaço de tempo e que não requerem grandes investimentos de longo prazo.
Atualmente, cerca de 65% da produção dos EUA é de petróleo de xisto, de acordo com dados do governo americano.
Normalmente, sempre que os preços do petróleo aumentem substancialmente, os produtores de xisto aumentam a extração. Mas desta vez isso não aconteceu. Por quê?
“É principalmente por causa dos investidores”, diz Mark Finley. “Há 10 anos essas empresas crescem rapidamente, mas sem dar muito dinheiro aos seus investidores, que agora estão mais cautelosos e exigem que, em vez de reinvestir os lucros na abertura de mais poços e aumento da produção, as empresas utilizem os recursos de uma forma mais astuta para que possam ter lucro “, explica.
A desaceleração econômica causada pela pandemia de covid-19 atingiu duramente muitas empresas de petróleo nos Estados Unidos, onde o petróleo WTI chegou a ser negociado a preços negativos. Em outras palavras, as empresas tiveram que contratar terceiros para cuidar do petróleo e não precisar armazená-lo.
“Isso nunca aconteceu antes e é em parte responsável pela cautela [no mercado]. Acho que isso teve um impacto. Pode ser um dos motivos pelos quais os investidores mudaram sua atitude dessa forma”, diz Finley.
“Com essa estratégia, a indústria de petróleo de xisto dos Estados Unidos provavelmente alcançará os melhores resultados financeiros de sua história neste ano”, acrescenta.
Assim, a contenção da produção beneficia não só os países da Opep e seus aliados, mas também as empresas americanas.
Pressões inflacionárias
A rápida recuperação da demanda após a paralisação da atividade causada pela pandemia levou a uma situação econômica complexa.
Os problemas na cadeia de abastecimento e o aumento dos preços das matérias-primas estão levando a uma relativa escassez de certos tipos de produtos, o que alimenta as pressões inflacionárias O aumento do preço do petróleo bruto se soma a tudo isso.
“O aumento do preço do petróleo contribui para o aumento da inflação porque o petróleo é matéria-prima de muitos produtos, principalmente da gasolina e do diesel, que é um combustível para transporte, mas também é usado em muitos casos como combustível para geração de eletricidade” diz José Valera, advogado e especialista em petróleo do escritório de advocacia Mayor Brown, em Houston (Texas), nos EUA.
“Além disso, o petróleo também é um insumo da indústria petroquímica, onde é utilizado na fabricação de plásticos e outros produtos”, acrescenta.
Nos Estados Unidos, os motoristas já estão sentindo o impacto do aumento do preço da gasolina, pois estão pagando cerca de 40% a mais por litro do que há um ano. No Brasil, os preços estão ainda mais altos devido à desvalorização do real ante ao dólar.
Valera explica que, à medida que o preço do petróleo sobe, aumenta o custo de produção da gasolina e do diesel, o que se traduz em custos mais elevados para os produtores e transportadores. Esses custos acabam sendo repassados ao consumidor, com aumento de preços.
“Os produtores e transportadores precisam recuperar esses custos mais elevados para continuar mantendo suas margens de lucro e, assim, poder sustentar a perenidade do seu próprio negócio”, afirma.
Valera vê perspectivas de que o valor do barril de petróleo continue subindo ou, pelo menos, não caia substancialmente em relação aos níveis atuais.
“A recuperação da economia após o impacto da pandemia está se manifestando com um crescimento bastante sustentado na maioria dos países do mundo, que, como vemos agora, se traduz em aumento do consumo de energia e combustíveis, o que significa maior demanda por petróleo. Mas a produção não vai necessariamente aumentar na mesma proporção”, alerta.
O desafio da mudança climática
José Valera afirma que, além da estratégia da Opep e de outros países de limitar a produção de petróleo, há outro fator que limita a produção: o fato de muitas petroleiras investirem menos em petróleo para investir mais em energia e combustíveis renováveis.
Longe de ser resultado de boas intenções, a mudança acontece porque as sociedades ao redor do mundo estão pressionando as empresas a fazer essa transição – especialmente na Europa, diz Mark Finley.
“Empresas como a Shell, Total ou BP estão tentando colocar mais recursos em novas formas de energia. Algumas empresas americanas como a Chevron e a ExxonMobil também disseram que estão procurando maneiras de reduzir as emissões de dióxido de carbono de suas operações”, disse ele .
Finley destaca que o aumento do preço do petróleo bruto ocorre em um contexto de aumento do custo do carvão e da eletricidade em muitos lugares.
“Parte do que acontece é que houve uma adaptação do panorama energético tradicional e é importante lembrar que, embora todos queiram caminhar em direção a um futuro de baixo consumo de combustíveis fósseis, eles ainda fornecem 85% da demanda mundial de energia “, afirma.
“O principal desafio para nós como sociedade, para a política e para as empresas é como continuar a fornecer energia confiável e acessível para manter a economia funcionando hoje, enquanto, ao mesmo tempo, investe e planeja a transição para um futuro com baixo consumo de combustível fóssil”, afirma Finley.
“Há uma coisa que ficou clara com pandemia de covid-19. No ano passado, vimos a maior queda nas emissões de CO² da história, mas ninguém quer repetir essa experiência porque foi impulsionada pela maior queda na economia mundial desde a Segunda Guerra. Essa não é a melhor maneira de reduzir o CO² “, conclui.