Os juros baixos nos Estados Unidos e o aumento de gastos públicos naquele país para combater os efeitos da pandemia, elevando a liquidez no mundo, levou o dólar a se desvalorizar frente a várias moedas, particularmente de países emergentes. Mas não frente ao real.
Segundo levantamento da FGV realizado com 31 países no período de um ano (até março de 2021), em 27 deles, a moeda nacional se valorizou frente ao dólar. Ou seja, o dólar ficou mais fraco e caiu.
Em apenas quatro, incluindo o Brasil, a moeda nacional teve desvalorização. Isto é, o dólar subiu. O real só não apresentou desempenho pior do que a lira turca.
Conforme o jornal O Globo, os dados são dos professores Henrique Castro, da Escola de Economia da FGV-SP, e Claudia Yoshinaga, Coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV.
Uma combinação de fatores políticos, fiscais e sanitários conferem resiliência à divisa americana aqui no Brasil, que se sustenta acima dos R$ 5 desde junho do ano passado. Ontem, o dólar fechou a R$ 5,55.
Segundo o Boletim Focus, relatório semanal do Banco Central (BC) com as expectativas de agentes de mercado, divulgado na segunda-feira, as projeções para a taxa de câmbio estão em R$ 5,40 para o fim deste ano e R$ 5,26 para o fim de 2022.
Mesmo mudanças nos juros, como a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica (Selic) em 0,75 ponto percentual, não têm surtido muito efeito no câmbio no curto prazo.
Uma onda de elevação dos juros básicos é esperada neste ano, com o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, já tendo reiterado que um novo aumento no patamar de 0,75 está previsto para ocorrer em maio.
Para analistas ouvidos pelo GLOBO, são fatores locais os maiores responsáveis pelo comportamento do dólar no Brasil. Entre eles, estão a situação fiscal delicada, a instabilidade política e um ineficaz combate à pandemia.
As projeções são de que a moeda brasileira siga desvalorizada nos próximos meses. Veja a seguir alguns dos problemas.
Finanças fora de ordem
O Brasil viu seu quadro fiscal piorar com a Covid-19. A necessidade de mais gastos para socorrer pessoas em situação de vulnerabilidade e as empresas, o alto número de despesas obrigatórias, e uma arrecadação menor fizeram com que a dívida pública aumentasse.
Dados divulgados pelo BC mostram que, em fevereiro, a dívida pública estava na casa dos R$ 6,744 trilhões, representando 90% do Produto Interno Bruto (PIB), maior patamar da série histórica.
A dívida teve aumento de 17,9% em 2020, ultrapassando os R$ 5 trilhões, segundo o Tesouro Nacional. Portanto, um problema já estrtural do país foi agravado pela pandemia.
Um efeito colateral do aumento dos juros será justamente o aumento desse montante, já que boa parte dessa dívida é indexada à Selic.
Para o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, enquanto o cenário político e fiscal estiver conturbado, o dólar não deve ceder. Para ele, a moeda americana poderia estar na faixa entre R$ 4 e R$ 5 se não fossem os problemas do país.
— Desde a última reunião do Copom, tivemos uma melhora, mas a taxa de juros nominal estava muito baixa no ano passado. Com isso, os investidores tiveram preferências por emergentes com taxas melhores. A questão política e fiscal gera muita incerteza e contribui para manter o câmbio elevado.
Pandemia não cede com vacinação lenta
Com a pandemia, setores importantes para o PIB, como o de serviços, tiveram que ficar fechados por muito tempo e coube ao governo tentar dirimir as perdas.
A falta de habilidade do Executivo em lidar com a crise também contribuiu para o real depreciado por causa da incerteza no horizonte dos investidores para trazer dólares ao Brasil.
Castro ressalta que há setores que tiveram um bom desempenho, além da própria Bolsa, mas que isso não é suficiente para impactar a economia como um todo.
Ruídos políticos não cessam
Para Brandão, não há apenas um fator que explique o atual patamar do dólar, mas sim vários vetores que, em conjunto explicam a resistência da moeda em ceder diante o real. Ele também ressalta as consequências dos acontecimentos políticos para a economia.
— Não é somente a questão fiscal. Tem o combate à pandemia, maior intervencionismo nas empresas estatais e até a questão ambiental. Você não tem como dizer que foi um único fator, nominalmente, mas existe um ambiente na economia brasileira de mais incerteza e que tem conspirado para um maior mau humor com a moeda doméstica – explica Brandão.
As intervenções do presidente Jair Bolsonaro em estatais como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil foram mal vistas pelo mercado, contribuindo para a perda de valor de mercado dessas companhias e para afugentar possíveis investidores.
Os acontecimentos políticos devem continuar a repercutir no câmbio, após a instalação de uma CPI para investigar o combate à pandemia realizado pelo governo federal. Isso sem falar na novela para aprovação do Orçamento para 2021, que precisa ser sancionado nesta semana.
Nem as commodities salvam
Nem mesmo o boom nos preços das commodities, com produtos como grãos e minério de ferro se valorizando, e as consequentes altas no saldo da balança comercial e superávit nas contas externas parecem ajudar o real frente ao dólar.
Com o cenário interno de incertezas e a volatilidade cambial, muitos exportadores podem preferir manter seus recursos no exterior.
Com isso, saldos positivos na balança comercial não necessariamente vão significar mais dólares no mercado brasileiro, o que poderia ajudar na queda de valor da divisa americana.
— No Brasil, por ser um exportador de commodities, você tem uma relação entre o aumento do preço dessas mercadorias e o fortalecimento do real. Isso é o padrão histórico. O que temos visto nesse movimento mais recente é que essa relação se quebrou – disse Brandão.
Mudança, só com vacina e reformas
Para os analistas, a expectativa é que a aceleração da campanha de imunização pode ajudar o real, mas nem isso é garantido. A necessidade de uma sinalização positiva no âmbito fiscal por parte do governo é necessária para que os investidores acreditem em uma possível retomada econômica.
— Não temos nenhum sinal que as reformas prometidas pelo governo e esperadas pelo mercado sejam realizadas até o final desse governo. A situação fiscal do país não inspira confiança para atrair investidores, mesmo sendo um país barato. Ainda não somos atrativos — destaca Castro.
Brandão ainda pondera que a possível antecipação das disputas políticas de 2022 pode influenciar no câmbio, limitando os efeitos da vacinação.
— É um fator que pode dar um alívio. Mas tem outros, pois, no mesmo momento que a vacinação vai andar de forma mais rápida, a dinâmica eleitoral vai ganhar mais forma.
Diante desse cenário e da falta de perspectivas para mudanças, a expectativa dos analistas é que a moeda deve continuar no patamar acima de R$ 5 até o final do ano.