O dólar tem surpreendido nos últimos dias, com uma forte queda em relação ao real, mesmo em meio à guerra na Ucrânia e à alta de juros nos Estados Unidos.
Normalmente, esses dois fatores levariam o real brasileiro a perder força, devido à aversão ao risco e à maior atração de recursos para a economia americana.
Mas a combinação de Selic em dois dígitos, commodities em alta, bolsa brasileira barata e saída de investimentos da Rússia e leste europeu rumo a outros mercados emergentes ajuda a explicar como o dólar, que chegou próximo dos R$ 5,80 em 2021, é negociado agora abaixo dos R$ 5, tendo chegado aos R$ 4,84 nesta quarta-feira (23/3), menor patamar desde março de 2020.
Analistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que, com a perspectiva de commodities em alta por mais tempo e de o Banco Central subir ainda mais os juros no Brasil, o real pode continuar se fortalecendo no curto prazo e o dólar atingir novos patamares de baixa.
No entanto, os economistas acreditam que esse movimento não deve se sustentar num prazo mais longo. Com a perspectiva de uma alta mais forte dos juros nos EUA e as eleições em outubro, eles avaliam que o dólar pode voltar a ganhar força mais à frente.
Entenda em 4 pontos a queda recente do dólar em relação ao real.
1. Por que o dólar está em queda?
Segundo Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, dois fatores principais explicam a recente queda do dólar em relação ao real.
São eles: a alta das commodities, das quais o Brasil é um grande produtor e exportador mundial, e a Selic (taxa básica de juros da economia brasileira) atualmente em 11,75%, com perspectiva de novas altas nos próximos meses.
“O real vinha muito desvalorizado, mas não havia nenhuma grande expectativa de correção no curto prazo, então a queda recente do dólar de fato surpreende”, diz Campos Neto.
“O primeiro fator que explica isso é o fato de esse ser um ano muito favorável às commodities, movimento que foi reforçado pelo conflito no leste europeu. Isso deu um gás nos preços de uma série de itens e o real é uma moeda liquidamente beneficiada por esse fator, por ser o Brasil um grande exportador”, afirma.
O segundo ponto é a forte alta de juros no Brasil, que levou o país a ter atualmente a segunda maior taxa de juros reais do mundo, atrás apenas da Rússia (os juros reais consideram a taxa de juros nominal, menos a inflação), e a quarta maior taxa de juros nominal, atrás somente de países com graves problemas econômicos, como Argentina (42,5%), Rússia (20%) e Turquia (14%).
“O reposicionamento da taxa de juros para um patamar mais condizente com a nossa realidade permitiu um olhar dos investidores para cá, com isso temos visto um redirecionamento de fluxos [de investimentos] já desde o início do ano”, completa.
Soma-se a esses dois fatores uma bolsa brasileira que estava muito barata na comparação internacional e com diversos papéis ligados ao setor de commodities, como Vale, Petrobras e as empresas do setor agrícola.
Por fim, há o fluxo de investidores que deixaram a Rússia e o leste europeu em meio à instabilidade naquela região, e que encontraram no Brasil uma alternativa de investimento em países emergentes.
“Os dados de fluxo cambial do Banco Central mostram uma entrada de um pouco mais de US$ 10 bilhões para o Brasil no acumulado do ano”, observa Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos.
“Isso indica que o investidor estrangeiro volta a olhar o Brasil com atratividade: um país que estava barato, com moeda desvalorizada. Agora, com juros altos e commodities em alta, ele se torna uma referência para países emergentes, num momento em que outros emergentes são abalados, caso da Rússia e todos os países do leste europeu.”
2. O dólar vai cair mais? Até onde ele pode chegar?
Segundo Rocha e Campos Neto, o dólar ainda pode cair mais sim, no horizonte próximo.
“Olhando todos os vetores que estão puxando o dólar para baixo, não temos ainda perspectiva de uma mudança de cenário. Os preços de commodities continuarão pressionados e a Selic, por mais que o Banco Central queira já apontar para um fim do ciclo de alta, ainda não dá para escrever em pedra qual vai ser o nível final da taxa de juros”, observa a economista da Claritas.
Na última ata do Copom (Comitê de Política Monetária), o BC indicou que pode levar a Selic acima de 12,75%, a depender do que vai acontecer com o valor do barril de petróleo, que impacta os preços dos combustíveis no Brasil e, consequentemente, a inflação.
Nesta quarta-feira, o barril de petróleo chegou aos US$ 120, num sinal de que a autoridade monetária brasileira pode de fato ter que levar a taxa de juros acima dos 13%.
Mas até onde o dólar pode ir, é difícil de prever. A analista da Claritas fala em um limite de R$ 4,70 ou R$ 4,65. Já o economista da Tendências vê um limite de R$ 4,50 ou R$ 4,40, mas avalia que esse não é o cenário mais provável, pois há outros fatores em jogo que devem por um freio na valorização do real no horizonte mais longo.
3. A queda do dólar é sustentável?
Num horizonte mais longo, os economistas avaliam que não. Provavelmente, com a aproximação da eleição e a alta mais forte de juros nos EUA, esse movimento deve estancar.
“Estamos falando de um real valorizado num momento em que o Fed [banco central americano] está subindo juros e o dólar se aprecia globalmente. Esse aumento de juros lá fora vai ser mais intenso e isso deve trazer condições mais complicadas para fluxo de investidor estrangeiro em emergentes”, diz Rocha.
Já as eleições devem trazer volatilidade ao câmbio, pois nenhum dos candidatos favoritos à Presidência é percebido pelo mercado como comprometido com uma agenda econômica ortodoxa e com reformas para reduzir o gasto público.
“Claro que, se tivermos um novo governo indicando uma agenda econômica mais ortodoxa e responsável, temos condições de o câmbio terminar o ano no patamar atual ou até um pouco abaixo disso. Mas, diante das possiblidades que estão atualmente colocadas, há no mínimo uma grande incerteza sobre como vai ser a condução da economia a partir do ano que vem”, diz Campos Neto.
Por fim, a guerra segue no horizonte como um fator de incerteza e alguma piora na crise no leste europeu também poderia levar a um quadro de aversão ao risco que tire dinheiro dos mercados emergentes, rumo a investimentos mais seguros, o que enfraqueceria o real.
5. Qual o efeito do dólar em queda para a economia?
A queda do dólar, caso fosse sustentável, poderia trazer algum alívio para a inflação, ao compensar parte do efeito da alta das commodities e baratear a importação de insumos.
Mas Marcela Rocha avalia que não é esse o caso.
“Para ter um repasse dessa queda do dólar para a inflação, seria necessário ter visibilidade de que esse quadro vai durar por algum tempo, mas não é isso que vemos hoje”, diz ela.
Na balança comercial, Campos Neto acredita que o efeito deve ser pouco para os exportadores — que se beneficiam dos altos preços das commodities —, mas pode ser favorável para a importação de bens industrias, diante da perspectiva de que a economia brasileira ainda deve ter algum crescimento este ano, mesmo que baixo.