Criminosos que atacam escolas, como o ocorrido em Blumenau, costumam buscar atenção da mídia, e detalhar suas histórias, métodos e motivações pode servir de inspiração para novos casos semelhantes, afirmam pesquisadores.O Brasil chocou-se na última quarta-feira (5) com o ataque a uma creche de Blumenau (SC) no qual um homem de 25 anos assassinou quatro crianças e deixou outras quatro feridas com uma machadinha e um canivete e em seguida entregou-se à polícia, por motivos ainda não esclarecidos.
O crime ocorreu pouco mais de uma semana após outro atentado em uma escola de São Paulo, no qual um adolescente de 13 anos matou uma professora com uma faca.
A ocorrência desse tipo de ataque em escolas está se tornando mais frequente no Brasil. Apenas nos últimos oito meses, foram dez episódios em estabelecimentos escolares, quase o mesmo número registrado no período de vinte anos anterior, segundo um levantamento feito por pesquisadores da Unicamp e da Unesp.
A repetição desses crimes abomináveis tem forçado especialistas e governos a se debruçarem sobre suas possíveis motivações. Costumam ser apontados o avanço da intolerância e do extremismo, a valorização da cultura de violência, a organização de grupos de ódio na internet e o aumento da frequência de problemas de saúde mental.
Especialistas e governos também buscam formas de evitar novas ocorrências do tipo. E uma das estratégias que vem sendo apontada por pesquisas a fim de reduzir a chance de novos ataques é calibrar a cobertura da mídia sobre esses episódios, para evitar que o comportamento dos criminosos seja exaltado e reproduzido por outros agressores no futuro.
Agressores buscam visibilidade
Um material elaborado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) sobre como cobrir ataques em escolas aponta que pesquisas sobre o tema identificaram que os agressores costumam ter o mesmo perfil.
São jovens de 10 a 25 anos, do sexo masculino, vítimas de bullying na escola e com características de isolamento social e indícios de transtornos mentais não diagnosticados ou não acompanhados.
Segundo a Jeduca, eles se articulam em comunidades online nas quais há incentivo à violência e à misoginia, muitas vezes de subcultura extremista, e lá aprendem os métodos de ataque.
“A motivação, muitas vezes, é se vingar e mostrar o próprio valor, fazendo o maior número possível de vítimas. E a intenção é ser visto, ser reconhecido pelo ataque, então a visibilidade alcançada na mídia é um dos efeitos desejados pelos agressores. Geralmente, esta não é uma decisão aleatória, e sim planejada”, afirma o texto da Jeduca.
A associação relata que pesquisas sobre o tema indicam que a forma como a mídia cobre esses ataques pode aumentar a probabilidade de eles serem imitados e voltarem a acontecer.
“Quanto maior a exposição do agressor na mídia, maior a sua notoriedade, que geralmente é um dos objetivos dos ataques a escolas. Uma grande exposição do agressor gera um processo de ‘santificação’ do agressor entre seus pares, porque ele passa a ser visto como um grande exemplo”, afirma o material da Jeduca, com base em um seminário apresentado pela pesquisadora Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília (UnB).
“A difusão de fotos e vídeos do ataque funciona como um incentivo à repetição do acontecimento porque é vista pelos pares como um reforço à sua suposta competência. Além disso, a divulgação dos detalhes serve para criar um modelo para outros atentados”, diz o texto.
Autoridades têm percepção semelhante
No final de março, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, pediu que a mídia parasse de compartilhar imagens do ataque no bairro de Vila Sônia, na capital paulista, no qual o estudante de 13 anos matou uma professora.
A Polícia Civil de São Paulo informou que, no dia do ataque e no dia seguinte, foram registrados sete boletins de ocorrência envolvendo “planos de adolescentes em relação a ataques em ambiente escolar”, em parte inspirados pelo que havia ocorrido na Vila Sônia.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o estudante que esfaqueou a professora também declarou em depoimento que se pautava em exemplos divulgados na mídia sobre ataques semelhantes.
“O efeito contágio é uma realidade e está demonstrando na prática o que acontece quando um caso é divulgado exaustivamente dessa maneira”, afirmou Derrite.
Um dos boletins de ocorrência mencionados foi o de um aluno de Santo André que ameaçou sua professora, dizendo que os professores deveriam ser esfaqueados e que faria o mesmo no dia seguinte.
O Ministério Público de Santa Catarina também pediu ao público e à imprensa que não divulguem imagens, o nome e demais informações pessoais do autor do crime em Blumenau, “para evitar o estímulo para novos ataques”.
Evitar “efeito contágio”
Nesta quinta-feira, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um texto elencando as razões que motivaram a decisão de não publicar foto, vídeo, nome ou outras informações sobre o autor do ataque em Blumenau.
“Essa decisão segue recomendações de estudiosos em comunicação e violência e o próprio pedido de organizações como o Ministério Público de Santa Catarina”, afirma o jornal. “Pesquisas mostram que essa exposição pode levar a um efeito de contágio, de valorização e de estímulo do ato de violência em indivíduos e comunidades de ódio, o que resulta em novos casos. A visibilidade dos agressores é considerada como um ‘troféu’ dentro dessas redes.”
Thiago Amparo, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP, também abordou o tema em sua coluna desta quinta-feira no jornal Folha de S.Paulo. “Noticiar massacres de forma responsável requer, acima de tudo, evitar elevar a notoriedade dos seus autores, de suas táticas e de suas ideologias. Eis algumas estratégias: reportar fatos com um tom negativo, não como se fosse de uma ‘celebridade’, evitar descrição detalhada de motivações, diminuir a duração da cobertura, em especial em entradas ao vivo, não reportar detalhes das ações antes, durante e depois do evento.”
A DW também optou por não divulgar o nome, a foto ou outros detalhes sobre o autor do ataque de Blumenau. Em seu manual interno, a DW orienta que é preferível dar atenção às vítimas e a seus familiares, ao invés de ao autor dos ataques, e cita como exemplo do risco de dar espaço aos agressores o caso do terrorista de extrema direita Anders Breivik, autor de atentados em julho de 2011 na Noruega que deixaram 77 mortos.
“A ampla cobertura midiática transformou-o em um garoto propaganda para radicais de extrema direita. Não devemos dar aos perpetradores e a seus apoiadores mais uma plataforma”, afirma o manual da DW.