Em um restaurante em um futuro não tão distante, há um homem e uma mulher em seu primeiro encontro. Depois que os nervos iniciais se acalmaram, tudo vai bem.
O homem conta que tem 33 anos, passou a maior parte da vida solteiro e, embora ele não mencione, está tentando estabelecer-se e formar família. A mulher responde que tem 52 anos, foi casada, divorciou-se e tem filhos com pouco mais de 20 anos. Ele não fazia ideia disso – ela parecia ter a sua idade ou menos.
Este é o sonho de Julie Mattison, do Instituto Nacional do Envelhecimento (NIA, na sigla em inglês), nos Estados Unidos. Ela imagina um tempo em que o envelhecimento cronológico aumenta um ponto todos os anos, mas a idade biológica pode ser definida por um cronômetro diferente, segundo o qual a palavra “idoso” não tem o mesmo significado atual.
Parece algo distante, mas a nossa sociedade já fez grandes avanços rumo a esse objetivo, graças aos progressos da medicina e melhorias da vida saudável. Em 2014, por exemplo, a Pesquisa Nacional de Saúde dos Estados Unidos concluiu que 16% das pessoas com 50 a 64 anos de idade enfrentavam dificuldades diárias, causadas por doenças crônicas. Três décadas antes, esse número era de 23%.
Em outras palavras, além do aumento da expectativa de vida, também estamos vivendo “períodos saudáveis” mais longos – e cada vez mais flexíveis. Parafraseando – e atualizando – o discurso do então presidente norte-americano John F. Kennedy durante a primeira Conferência da Casa Branca sobre o Envelhecimento em 1961, pode-se realmente acrescentar vida aos anos, em vez de apenas anos à vida.
Alimentação pode ser a solução
Mas o que precisamos fazer para aumentar ainda mais a duração e a qualidade da nossa vida? Pesquisadores de todo o mundo estão examinando diversas ideias, mas, para Mattison e seus colegas, a resposta é uma simples alteração na alimentação.
Eles acreditam que a solução para uma velhice melhor pode ser reduzir a quantidade de alimento nos nossos pratos, em uma abordagem chamada de “restrição de calorias”. Essa dieta vai além de reduzir alimentos gordurosos de vez em quando; ela propõe a redução gradual e cuidadosa do tamanho das porções, de forma permanente.
Desde o início dos anos 1930, verificou-se que uma redução de 30% da quantidade de alimento consumido por dia proporcionou vida mais longa e ativa a minhocas, moscas, ratos, camundongos e macacos. Em outras palavras, a restrição de calorias é comprovadamente o melhor remédio para os estragos causados pelo tempo em todo o reino animal – e é possível que os seres humanos também só tenham a ganhar com isso.
Relatos históricos
A noção de que a alimentação de uma pessoa influencia sua saúde é, sem dúvida, anterior a qualquer relato histórico que tenha sobrevivido até hoje. Mas, como ocorre frequentemente com qualquer área da ciência, os primeiros relatos detalhados remontam à Grécia Antiga.
Hipócrates – um dos primeiros médicos a afirmar que as doenças têm causas naturais e não sobrenaturais – observou que muitas enfermidades são associadas à gula. Podia-se observar claramente que os gregos obesos normalmente morriam com menos idade que os gregos magros.
Fora desse epicentro da ciência da antiguidade, essas mesmas ideias foram adotadas e adaptadas ao longo dos séculos – até que, no final do século 15, Alvise Cornaro, um aristocrata com saúde frágil de uma pequena aldeia perto de Veneza, na Itália, mudou por completo o conhecimento aceito na época.
Se a alimentação excessiva é prejudicial, será que a moderação alimentar seria benéfica?
Para descobrir a resposta, Cornaro, então com 40 anos de idade, passou a comer apenas 350 g de alimentos por dia – ou cerca de mil calorias, segundo estimativas recentes. Ele comia pão, panetela (uma espécie de canja) ou caldo e ovos. As carnes escolhidas eram de vitela, cabra, boi, perdizes, pássaros, qualquer outra ave que estivesse disponível e Cornaro comprava peixe pescado nos rios da região.
Restringindo a quantidade, mas não a variedade, Cornaro afirmava ter atingido “saúde perfeita” até sua morte, mais de 40 anos depois. Ele alterava sua data de nascimento à medida que envelhecia, afirmando que havia chegado aos 98 anos, mas acredita-se que ele tenha morrido com cerca de 84 anos de idade – ainda assim, um feito impressionante no século 16, quando uma pessoa com 50 ou 60 anos já era considerada idosa.
Em 1591, seu neto publicou seu livro póstumo em três volumes intitulado “Tratado da Vida Sóbria”, que apresentou a restrição alimentar para o público e redefiniu o próprio envelhecimento.
Cornaro afirmava que, com um estímulo adicional de boa saúde no final da vida, os idosos, com total posse das suas capacidades mentais, poderiam fazer bom uso de suas décadas de conhecimento acumulado. Com sua dieta, a beleza estava na velhice, não na juventude.
Estudos sobre a longevidade
Cornaro foi uma pessoa fascinante, mas suas descobertas não devem ser consideradas irrefutáveis por nenhum ramo da ciência. Mesmo que seu relato seja verdadeiro e ele não tenha sofrido problemas de saúde por quase meio século, o que parece improvável, ele foi um estudo de caso de uma pessoa, que não representa os seres humanos como um todo.
Um estudo fundamental em 1935 com ratos brancos demonstrou que a restrição alimentar de 30 a 50% amplia o período de vida, retardando a morte por doenças e distúrbios relativos à idade – mas é claro que o que funciona para ratos ou outros animais de laboratório poderá não funcionar para seres humanos.
Testes de longo prazo, que acompanhem seres humanos do início da idade adulta até a morte, são raros. “Não considero estudos de longevidade em seres humanos como programas de pesquisa financeiramente viáveis”, afirma Mattison. “Mesmo se você começar com pessoas com 40 ou 50 anos de idade, ainda estará possivelmente considerando mais 40 ou 50 anos [de estudo].”
E ela também acrescenta que é quase impossível evitar que fatores externos – prática de exercícios, fumo, tratamentos médicos e bem-estar mental – influenciem os resultados finais do teste, em nossa espécie social e culturalmente complexa.
Por isso, no final dos anos 1980, dois testes de longo prazo independentes – um no NIA e outro na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos – foram estabelecidos para estudar a restrição de calorias e o envelhecimento em macacos Rhesus, que não apenas compartilham 93% do nosso DNA, mas também envelhecem da mesma forma que nós.
Lentamente, após a meia-idade (cerca de 15 anos, nos macacos Rhesus), as costas começam a curvar-se, a pele e os músculos começam a cair e seus pelos, quando ainda crescem, mudam de coloração, de marrom para cinza.
As similaridades vão ainda mais longe. Nesses primatas, a ocorrência de câncer, diabete e doenças cardíacas aumenta com a idade, tanto em frequência quanto em severidade. “Eles são um excelente modelo para estudar o envelhecimento”, segundo Rozalyn Anderson, gerontologista da Universidade de Wisconsin.
E seu controle é mais fácil. As dietas dos 76 macacos da Universidade de Wisconsin e dos 121 animais do NIA, compostas de biscoitos especialmente preparados, são específicas para cada idade, peso e apetite natural. Todos os macacos receberam o complemento total de nutrientes e sais minerais de que seus corpos necessitam – mas a metade dos macacos (o grupo com restrição de calorias) comeu 30% menos.
Esse grupo sequer chegou perto de passar fome ou sofrer subnutrição. Um exemplo é Sherman, um macaco com 43 anos de idade do NIA. Mattison afirma que, desde que foi colocado em restrição de calorias em 1987, com 16 anos de idade, Sherman não manifestou nenhum sinal explícito de fome, tão característico na sua espécie.
Sherman é o macaco Rhesus mais idoso já registrado, cerca de 20 anos mais velho que a expectativa de vida média da sua espécie em cativeiro. Enquanto macacos mais jovens desenvolviam doenças e morriam, ele parecia ser imune ao envelhecimento. Mesmo na casa dos 30 anos de idade, quando teria sido considerado um macaco idoso, ele não se parecia nem agia como um animal de mais idade.
O mesmo ocorreu, ainda que com variações, com seus companheiros de experimento no NIA. “Temos menor incidência de diabete e câncer nos grupos com restrição de calorias”, afirma Mattison. Em 2009, o estudo da Universidade de Wisconsin publicou resultados similares – e excelentes.
Não apenas os macacos em restrição de calorias pareciam sensivelmente mais jovens – com menos queda da pele e pelos em maior quantidade, com coloração marrom em vez de cinza – que os macacos que receberam alimentação padrão, mas também seus organismos internos eram mais saudáveis e livres de patologias. As ocorrências de câncer, como o adenocarcinoma intestinal, que é comum entre eles, foram reduzidas em mais de 50%. O risco de doenças cardíacas também foi reduzido pela metade.
E, enquanto 11 dos macacos com alimentação ad libitum (“à vontade”, em latim) desenvolveram diabete e cinco exibiram sinais de pré-diabete, a regulação da glicose no sangue pareceu saudável em todos os macacos com restrição de calorias. Para eles, a diabete não era um problema.
Ao todo, apenas 13% dos macacos no grupo com restrição de calorias haviam morrido de causas relativas à idade em 20 anos. No grupo ad libitum, 37% haviam morrido, quase três vezes mais que no outro grupo. Em um estudo de atualização da Universidade de Wisconsin em 2014, esses percentuais permaneceram estáveis.
“Demonstramos que o envelhecimento pode ser manipulado em primatas”, afirma Anderson. “Parece pouco significativo porque é óbvio, mas conceitualmente a importância é enorme. Significa que o envelhecimento é um objetivo razoável para intervenções clínicas e tratamento médico.”
Em outras palavras, se o envelhecimento puder ser retardado, todas as doenças associadas à idade também serão. “Tratar de cada doença, uma de cada vez, não ampliará significativamente a expectativa de vida das pessoas, pois elas morrerão por outras causas”, afirma Anderson. “Se você curar todos os cânceres, não postergará a morte por doenças cardiovasculares, demência ou distúrbios associados à diabete. Mas, se combater o envelhecimento, você pode retardar todo o conjunto de doenças de uma vez só.”
A restrição de calorias entre os seres humanos
Comer menos certamente parece ajudar os macacos, mas a restrição de calorias é muito mais difícil para as pessoas no mundo real. Nosso acesso a refeições regulares com alto teor de calorias, por exemplo, nunca foi mais simples; com serviços como o iFood e o Uber Eats, não é mais necessário andar até o restaurante. Além disso, ganhar peso simplesmente é mais natural para algumas pessoas.
“Existe um enorme componente genético em tudo isso e permanecer magro é muito mais difícil para algumas pessoas que para outras”, ressalta Anderson. “Todos nós conhecemos alguém que pode comer um bolo inteiro e nada acontece – ele simplesmente não engorda – enquanto outra pessoa apenas caminha ao lado de uma mesa onde há um bolo e já precisa comprar uma calça maior.”
Idealmente, a quantidade e os tipos de alimentos que comemos devem ser especificamente definidos para quem nós somos – nossa predisposição genética para ganhar peso, a forma como metabolizamos os açúcares, como armazenamos gordura e outros fluxos fisiológicos que estão além do escopo das instruções científicas no momento e, talvez, para sempre.
Mas a predisposição à obesidade pode ser usada para orientar as escolhas da vida e não ser tomada como algo inevitável. “Eu mesma tenho histórico genético de obesidade em toda a minha família e pratico uma forma flexível de restrição calórica”, afirma Susan Roberts, cientista alimentar da Universidade Tufts em Boston, nos Estados Unidos.
“Mantenho meu Índice de Massa Corporal em 22 e [calculei] que preciso comer 80% do que comeria normalmente se meu IMC fosse de 30, como todos os outros membros da minha família”, afirma ela. Roberts salienta que não é difícil – ela segue seu próprio programa de controle de peso com uma ferramenta chamada iDiet para ajudá-la a comer menos, mas evitando sentir fome ou não ter prazer ao comer. Se isso não fosse possível, ela diz que não praticaria a restrição de calorias.
Roberts não apenas testemunhou os problemas de obesidade na família, mas também conhece os benefícios da restrição de calorias mais que a maioria das pessoas. Há mais de 10 anos, ela é uma das principais cientistas do estudo conhecido como Determinação Abrangente dos Efeitos a Longo Prazo da Redução da Ingestão de Energia (ou Calerie, na abreviação em inglês). Ao longo de dois anos, 218 homens e mulheres saudáveis, com idades de 21 a 50 anos, foram divididos em dois grupos. Em um deles, permitiu-se que as pessoas comessem como fariam normalmente (ad libitum), enquanto os demais comeram 25% menos que o normal (redução de calorias). Ambos os grupos examinaram sua saúde a cada seis meses.
Ao contrário dos estudos com macacos Rhesus, os testes ao longo de dois anos não conseguiram determinar se a redução de calorias diminui ou retarda as doenças relacionadas com a idade, pois simplesmente não há tempo suficiente para o seu desenvolvimento. Mas o estudo Calerie verificou os eventos mais próximos: os primeiros sinais de doenças cardíacas, câncer e diabete.
Publicados em 2015, os resultados após dois anos foram muito positivos. No sangue das pessoas com restrição de calorias, a relação entre colesterol “bom” e colesterol “ruim” havia aumentado, as moléculas associadas à formação de tumores – chamadas de fatores de necrose tumoral (TNFs, na sigla em inglês) – foram reduzidas em cerca de 25% e os níveis de resistência à insulina, que sinalizam a diabete, caíram em cerca de 40%, em comparação com pessoas com alimentação normal. De forma geral, a pressão sanguínea também era mais baixa.
É verdade que alguns dos benefícios podem advir da perda de peso. Os exames iniciais do estudo Calerie haviam incluído pessoas obesas e também com índice de massa corporal (IMC) saudável de 25 ou menos e o emagrecimento certamente teria aumentado o bem-estar dos participantes com peso mais alto.
“O que ficou bastante claro há muito tempo é que ser obeso ou mesmo estar apenas acima do peso é ruim para você”, segundo Roberts. Ela acrescenta que as doenças e os distúrbios que antigamente se acreditava serem associados à idade agora estão aparecendo na população obesa.
Mas os resultados mais recentes indicam que benefícios significativos para a saúde podem ser obtidos em corpos já saudáveis – pessoas que não são obesas, nem estão abaixo do peso. Ou seja, aquelas com IMC de 18,5 a 25.
Apesar desses resultados, evidências de testes adicionais serão necessárias antes de aconselhar a alguém que já tenha IMC saudável que reduza sua ingestão de calorias – e aconselha-se a qualquer pessoa que deseje mudar sua alimentação a consultar antes um profissional médico.
O que desencadeia o processo?
Os cientistas esperam que seus macacos Rhesus possam ajudar a compreender exatamente por que a restrição de calorias pode trazer esses efeitos.
Com cerca de 30 anos de dados sobre vivos e mortos e amostras de sangue e tecidos de cerca de 200 macacos, o trabalho do NIA e da Universidade de Wisconsin pretende aumentar o conhecimento sobre a restrição de calorias, esclarecendo como ela retarda o envelhecimento.
Com menos alimentos, o metabolismo é forçado a ser mais eficiente com o que recebeu? Existe uma chave molecular reguladora do envelhecimento que é ligada (ou desligada) com menos calorias? Ou existe um mecanismo ainda desconhecido que determina nossa vida e nossa morte?
As respostas a essas questões poderão demorar para chegar. “Se eu fizesse 10 clones de mim mesma e todos eles trabalhassem sem parar, [mesmo assim] acho que não resolveríamos a questão”, afirma Anderson. “A biologia é extraordinariamente complicada.”
Esta é uma tarefa compensadora – compreender como a redução de calorias e outros tratamentos poderão ser utilizados para abordar essa parte específica da nossa biologia. O envelhecimento poderia ser tratado diretamente, ou seja, sem necessidade de restrição de calorias. “E acho que este realmente é o bilhete dourado”, afirma Anderson.
Mesmo na falta de uma explicação clara, a restrição de calorias é um dos caminhos mais promissores para melhorar e prolongar a saúde na nossa vida. “Não há nada nas pesquisas que nos faça pensar que a restrição calórica não funcione nas pessoas”, segundo Roberts, do estudo Calerie. E, ao contrário dos tratamentos com remédios, ela não traz uma longa lista de possíveis efeitos colaterais. “As pessoas do nosso estudo não sentiam mais fome, seu humor era bom e suas funções sexuais, também. Tentamos de todas as formas descobrir efeitos ruins, mas não encontramos”, afirma Roberts.
Um problema esperado era uma leve redução da densidade óssea, frequentemente relacionada à perda gradual de peso, segundo Roberts. Mas, como precaução, os voluntários receberam pequenos suplementos de cálcio ao longo de todo o estudo.
Mesmo com essas descobertas promissoras, “isso [o estudo Calerie] é o primeiro estudo da sua espécie e acho que nenhum de nós teria confiança suficiente para dizer ‘está bem, vamos recomendar isso para todas as pessoas do mundo'”, afirma Roberts. “Mas é uma perspectiva realmente fascinante. Acho que retardar a progressão de doenças crônicas é algo que todos nós podemos apoiar e que pode nos deixar empolgados, pois ninguém quer passar a vida com uma dessas doenças.”
Alex Riley é escritor e vive em Berlim, na Alemanha. Sua conta no Twitter é @riley_alex.
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