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sexta-feira 3 de março de 2023 às 16:12h

Por que as mulheres ainda recebem menos que os homens na medicina?

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A recém publicada pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023, que é produzida pela cooperação entre a Associação Médica Brasileira e a Faculdade de Medicina da USP, revelou aspectos significativos do mercado de trabalho dos profissionais de medicina.

Primeiramente, foi identificada a crescente tendência da “feminização” da profissão médica. Apesar de serem a maioria de ingressantes nas faculdades de medicina, desde a primeira pesquisa desse tipo realizada, em 2009, as mulheres sempre foram minoria dentre os profissionais recém formados.

Contudo, essa diferença entre os gêneros relativamente à quantidade de formados diminuiu a cada ano. Dentre os profissionais formados em 2023, 49,3% são mulheres. A projeção estatística é no sentido de que já no próximo ano as mulheres sejam maioria, representando 50,2% dos graduados em medicina.

Ocorre que o aumento na quantidade de mulheres formadas não eliminou uma outra tendência que é reiteradamente observada pelo estudo ao longo dos anos: a diferença de remuneração entre os gêneros.

Segundo o estudo, a renda média declarada pelos homens foi de R$ 36.421,00, enquanto a das mulheres foi de R$ 23.205,00, ou seja, cerca de 64% do rendimento de seus pares masculinos.

Essa diferença de remuneração está ligada a vários fatores, dentre estes a identificação de uma maioria de médicas trabalhando na condição de empregadas assalariadas, enquanto médicos são mais propensos a possuírem consultórios médicos.

Bem assim, no Brasil é comum a coexistência de múltiplos vínculos de trabalho, isto é, o mesmo profissional atendendo paralelamente no serviço público e privado, e em diferentes estabelecimentos, sendo maioria a quantidade de médicos com mais de uma fonte de renda, em comparação com as médicas.

Outro fator é uma maior concentração de mulheres em especialidades associadas à menores remunerações e maior necessidade de dedicação com proximidade contínua aos pacientes, como geriatria, ginecologia e obstetrícia, pediatria, medicina de família e comunidade. É interessante notar o quanto persiste no imaginário coletivo a ideia de que o cuidado familiar seja naturalmente feminino.

Por sua vez, os homens são a maioria em especialidades que ostentam maiores rendimentos, como cirurgia geral, cardiologia, ortopedia/traumatologia, medicina esportiva, chegando a alcançar a proporção de 88,8% dos profissionais especializados em cirurgia cardiovascular.

Há ainda uma diferença marcante de renda ao longo da carreira profissional. A maior renda entre homens se observa em médicos de todas as faixas etárias, entretanto, a proporção de rendimento das mulheres tende a cair ainda mais na faixa de idade por volta dos 30 até os 40 anos.

A pesquisa revelou que a diferença da renda das mulheres em relação aos homens somente começa a diminuir nas faixas etárias mais avançadas, a partir dos 50 anos de idade.

É possível inferir que a capacidade de ganhos das médicas seja impactada na faixa dos 30 até os 40 anos de idade por ser esta idade comumente associada à maternidade e atenção aos filhos na primeira infância.

Com efeito, é bastante usual que haja disparidade no tempo gasto com o cuidado familiar. Isto é, a dedicação à maternidade ocasiona o afastamento da mulher de suas atividades profissionais em maior grau do que os homens, em relação à paternidade e aos cuidados com filhos na primeira infância.

O que no caso das médicas pode significar deixar de atuar integralmente, ou ao menos para uma parte de seus vínculos de trabalho, ou ainda, em se tratando de profissionais autônomas, passar a adotar um menor expediente e menor quantidade de pacientes por dia.

Nesse contexto, é importante refletirmos a respeito da valorização justa do trabalho e, em especial, do trabalho de cuidar. Aqui estamos tratando do ato de cuidar da própria família, o que pode ensejar o afastamento das atividades de trabalho. Mas também consideramos o gesto de cuidar no sentido de dedicar-se à especialidades médicas que se voltam ao cuidado familiar e que são inferiormente remuneradas, apesar de tão cruciais quanto às demais especialidades mais bem pagas.

Talvez seja o momento de coletivamente ponderar que a desvalorização do trabalho de cuidar gera desigualdade entre os gêneros, e isso não é mais aceitável.

A desigualdade não é justa com os profissionais, com as famílias, e em especial com as gerações futuras que poderiam ser beneficiadas com a promoção da igualdade no mercado de trabalho e na dedicação de ambos os gêneros aos cuidados familiares.

A medicina é área tradicionalmente prestigiada e de notória necessidade de estudo e aprimoramento contínuos, e seus profissionais merecem serem valorizados independentemente do gênero. As diversas especialidades colaboram entre si e igualmente contribuem para o bem estar da sociedade, portanto, os profissionais devem ser remunerados de forma justa durante todas as etapas de sua carreira.

Por Claudia Abdul Ahad Securato, sócia de Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados

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