Às vésperas dos cem dias de seu terceiro mandato e em busca de uma comunicação política mais eficaz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva governa um país ainda polarizado como em 2022. Novo recorte da mais recente pesquisa Datafolha divulgada pela “Folha de S.Paulo” mostra que, embora 30% dos entrevistados se reconheçam como petistas — resultado que vai a 41% considerando níveis mais tímidos de apoio —, os defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro são 22% e chegam a 31% se os menos convictos forem somados. Em outras palavras, mesmo com Bolsonaro vivendo em Orlando (EUA) durante os três primeiros do ano e com o escândalo das joias sauditas exposto há mais de um mês na imprensa e nas redes, o bolsonarismo resiste às investidas do governo Lula em atrair pelo menos parte de sua base. As informações são de Flávio Tabak , do O Globo.
O Datafolha fez a seguinte pergunta: “Considerando uma escala de 1 a 5, na qual 1 é bolsonarista e 5 petista, em qual número você se encaixa?”. A técnica em escala permite investigar, além dos eleitores convictos que escolhem 1 ou 5, os que tendem para um dos lados ao escolher 2 ou 4, além dos neutros que apontaram o número 3, o centro da escala petismo/bolsonarismo.
Nítidas nas eleições de 2022, as divisões entre católicos e evangélicos, nordestinos e sulistas ou ricos e pobres permanecem em relação aos dois polos. Por outro lado, é aparente uma parcela de aproximadamente um quinto da população que não consegue se enquadrar em um dos lados da polarização. Aliado a outras pesquisas de opinião pública, o perfil desses eleitores pode indicar caminhos para estrategistas de ambos os lados.
— Esses 20% que não se classificam em nenhum dos dois lados ficam acima da média entre os mais jovens, entre os mais escolarizados e, principalmente, entre os que não votaram em nenhum dos dois candidatos no segundo turno das eleições — analisa diretora do Datafolha, Luciana Chong.
Quase a metade (44%) dos entrevistados com renda familiar entre cinco e dez salários mínimos se diz totalmente bolsonarista (32%) ou indicam algum apoio ao campo do ex-presidente (12%). Essa parcela da população, que representa 7% da amostra, é bem menos aderente ao petismo, com 26% demonstrando apoio total (14%) ou alguma conexão com a sigla do presidente (12%). Embora menos intensa, a polarização também aparece entre quem ganha acima de dez salários na família.
Por outro lado, nos domicílios com renda de até dois salários, que representam 55% da amostra, o apoio ao partido do presidente é indiscutível assim como foi durante a campanha inteira do ano passado: são 26% os que mostram apoio total (19%) ou simpatia (6%) ao bolsonarismo contra 48% de petistas convictos (39%) somados com os que demonstram algum vínculo ideológico com o PT (10%).
Assim como no auge das eleições do ano passado, eleitores dão repetidos sinais de que o grupo ao qual pertencem, seja religioso, de gênero ou social, ajuda a explicar de que lado estão. Entre os evangélicos, 41% se dizem bolsonaristas (29%) ou indicam algum apoio (12%) ao campo do ex-presidente. Por outro lado, 46% dos católicos são petistas (36%) ou concordam até certo ponto da sigla de Lula (10%).
— O segundo turno mostrou que o país está dividido. Os segmentos que melhor avaliam o desempenho de Lula são os que tiveram maior contribuição para sua eleição: as mulheres, os menos escolarizados e os que têm menor renda. Por outro lado, vemos que os maiores índices de reprovação são observados entre os homens, entre os mais escolarizados e os que têm maior renda, os que votaram em Bolsonaro — explica a diretora do Datafolha, chamando a atenção para a resiliência do bolsonarismo. — Durante o governo de Bolsonaro acompanhamos a cristalização dessa polarização em torno dele, o presidente nunca teve aprovação da maioria, mas nem nos piores momentos da pandemia deixou de ter apoio de parcela significativa da população.
Já entre os neutros, o equilíbrio entre grupos também chama a atenção. No total, são 22% dos entrevistados. O mesmo um quinto de evangélicos (21%) e católicos (20%) prefere não escolher um dos lados dominantes na política nacional. Nas duas pontas das faixas de renda, a proporção também chega a um quinto dos entrevistados.
Entre eleitores que votaram em Bolsonaro em 2022, um quarto (24%) hoje se diz neutro. Já entre os que apertaram 13 para presidente, os neutros representam um grupo menor, de 15%. Esses números indicam que o petismo é mais estável porque agrega 77% de quem votou no atual presidente, mas bolsonaristas permanecem mobilizados e somam 65% entre quem votou no ex-presidente.
Pesquisa Ipec feita em parceria com O Globo divulgada duas semanas antes do Datafolha mostrou que 57% dos entrevistados gostariam do surgimento de uma terceira via para quebrar essa polarização. Embora com questionários e metodologias diferentes, o Ipec pode indicar até que ponto a neutralidade de um quarto da população entre petismo e bolsonarismo pode ser elástica até atingir mais da metade dos eleitores.
Os pesquisadores do Datafolha foram a campo entre 29 e 30 de março e entrevistaram 2.028 pessoas com mais de 16 anos em 126 cidades. A margem de erro geral da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou menos dentro de um intervalo de confiança de 95%.
No recorte por região, Sul e Centro-Oeste/Norte mostram ter 39% de bolsonaristas contra 37% de petistas, somados os dois níveis da escala apresentada pelo Datafolha. No Sudeste, o movimento criado pelo ex-presidente chega a 31% e, no Nordeste, 21%. Já o petismo, assim como nas eleições, atinge seu melhor desempenho no Nordeste (53%), e vai a 37% tanto no Sudeste quanto no Centro-Oeste/Norte e 31% no Sul.
Assim como observado nas eleições do ano passado, homens estão mais para o bolsonarismo, e mulheres, para o petismo. A diferença é menos intensa, mas ainda relevante: 34% do público masculino estão ao redor do bolsonarismo contra 28% das mulheres. O espectro petista tem vínculo com 38% dos homens contra 43% das mulheres.
Segundo Luciana Chong, a força do movimento de direita liderado pelo ex-presidente resistiu independentemente do noticiário negativo sobre Bolsonaro:
— O bolsonarismo ainda é muito forte mesmo com a ausência do ex-presidente e o escândalo das joias. As eleições de 2022 mostraram a força que esse segmento tem nas redes sociais e nas igrejas evangélicas, por exemplo, e isso se mantém.