Eleições são sempre importantes. Como evento central de qualquer democracia, é o principal momento para a população expressar sua visão relativa às políticas públicas, à representação e aos caminhos da sociedade. Toda eleição é um evento de grande importância com reflexos não só para os quatro anos subsequentes, mas também para a evolução política, econômica e social da circunscrição eleitoral em questão. Em momentos de crise ou de grandes movimentações políticas, algumas eleições ganham contornos diferentes.
A questão é: por que a eleição de 2020 é tão importante para a política brasileira?
Antes mesmo da pandemia causada pelo Covid-19, essa eleição já teria características únicas. Por se tratar da primeira eleição sem a possibilidade de coligação entre partidos para a disputa de cargos proporcionais, como vereadores e deputados, o pleito contaria com estratégias diferenciadas dos partidos políticos. Essa é uma mudança que veio com a Reforma Política de 2017 (EC 97/17) e é positiva. O fim deste tipo de coligação incentiva, mesmo os pequenos partidos, a lançarem candidatos para a disputa majoritária, como os prefeitos, o que teria efeito positivo sobre o voto de legenda na eleição para vereador.
Atingir uma boa votação nos municípios não é somente importante para os partidos no nível local. As eleições municipais, ainda que não tenham relação direta com a disputa para cargos Estaduais e Federais, influenciam na escolha desses representantes. Eleger um prefeito, mesmo que com uma margem de apenas 1%, aumenta os votos nas eleições proporcionais subsequentes para deputado federal ou estadual. Dessa forma, os prefeitos seriam cabos eleitorais naturais para candidatos a deputado.
A Reforma Política de 2017 lançou também a cláusula de desempenho. Criada como forma de reduzir a hiperfragmentação do sistema partidário brasileiro, a cláusula restringe o acesso aos partidos políticos de recursos do fundo partidário e tempo gratuito para propaganda no rádio e TV. Em vigor desde 2019, a cláusula é progressiva. Na primeira rodada só teriam acesso aos benefícios os partidos que tivessem pelo menos 1,5% dos votos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em 9 estados. Esses percentuais sobem gradativamente até 2031, quando serão exigidos 3% dos votos válidos para a Câmara, distribuídos em 9 estados com 2% dos votos válidos em cada um deles. Essa exigência somada ao fim das coligações proporci onais põe pressão sob muitos partidos, em especial os nanicos. Ter uma boa votação na eleição de 2020 pode significar vida ou morte para eles em 2022.
Além das questões sobre regras e estratégias, a eleição deste ano será a primeira disputa tendo o Bolsonarismo como uma das principais forças políticas do país. Será o primeiro teste para saber se o movimento que apóia o presidente Bolsonaro é algo eleitoralmente mais concreto e duradouro, ou se é reflexo do cenário de 2018. Será uma prova de fogo para o presidente mostrar sua força política, apesar de todo o desgaste causado pela má condução das políticas de combate à pandemia do coronavírus e os escândalos envolvendo sua família.
Outro ponto é que, por conta da Covid-19, o Congresso Nacional decidiu adiar a eleição de outubro para novembro. A última vez que isso aconteceu no Brasil foi em 1980, durante a Ditadura Militar, quando os parlamentares decidiram prorrogar mandatos de prefeitos e vereadores de cerca de 4.000 cidades semanas antes da data oficial. A pandemia certamente afetará o modo como serão feitas as campanhas. Com as recomendações para evitar aglomerações, não devemos ter muitos comícios. O isolamento social deve afetar a campanha porta-a-porta. Também é possível especular que as campanhas serão cada vez mais digitais.
Eleições são por sua natureza sempre muito importantes. O pleito de 2020 não seria diferente, mas todo contexto atual o torna ainda mais relevante. É através da urna que uma população pode mudar os rumos de seu destino ou referendar o caminho já escolhido. As eleições municipais não são descasadas de um cenário político mais amplo e o que for decidido em novembro terá grande impacto para o futuro próximo.
Arthur Fisch é consultor de inteligência eleitoral da Confirma, plataforma de gestão estratégica de campanhas eleitorais, Economista (USP) e doutor em Administração Pública e Governo (FGV). É assistente de pesquisa do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV).