Nesta quinta-feira (29), a Câmara dos Deputados completou um mês sem votar nenhuma proposta legislativa.
A última vez que a Casa aprovou algo foi numa sessão virtual no dia 29 de setembro, uma terça-feira. Desde então, não votou nenhum projeto de lei, proposta de emenda à Constituição ou projeto de decreto legislativo.
Embora a proximidade das eleições municipais tenha contribuído para diminuir o ritmo dos trabalhos, este não é o motivo principal para a paralisia.
Por razões diferentes, tanto partidos de esquerda quanto siglas do chamado “Centrão” decidiram boicotar as votações em plenário nas últimas semanas
Sem a presença dos deputados desses dois grupos de partidos, não há quórum para apreciar qualquer projeto.
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O resultado é que, nas últimas semanas, os corredores da Casa têm ficado vazios mesmo durante as terças e quartas-feiras. A despeito da pandemia do novo coronavírus e do esquema especial de votações remotas, líderes partidários e assessores estavam retomando aos poucos o trabalho presencial na sede do Legislativo, em Brasília.
No mês de outubro, a Câmara realizou sessões em três terças-feiras — nos dias 27, 20 e 06. Em todos os casos, não houve quórum para votar qualquer projeto.
Na última terça (27/10), por exemplo, havia a previsão de que a Casa votasse duas medidas provisórias (MPs): a 992/20, cujo objetivo era estimular bancos a emprestar dinheiro para pequenas e médias empresas; e a 993/20, que autoriza o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a prorrogar contratos temporários de pessoal. Sem quórum, nenhuma das duas foi votada.
A única decisão feita pelos deputados no último mês foi a escolha dos indicados da Casa ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na terça (27/10), os deputados escolheram para o CNJ o advogado Mário Maia, filho do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Napoleão Nunes Maia.
Para o CNMP, os deputados decidiram reconduzir o professor de direito Otávio Luiz Rodrigues Junior.
Enquanto isso, na outra cúpula do prédio projetado por Oscar Niemeyer, os senadores têm mantido um ritmo de trabalho um pouco maior que os deputados.
Na terceira semana de outubro, o Senado realizou um “esforço concentrado” e votou as indicações de várias autoridades para agências reguladoras — também aprovou o nome do então desembargador Kássio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na próxima semana, deputados e senadores devem realizar uma sessão conjunta para decidir sobre vetos presidenciais, numa reunião comandada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A Casa Alta também poderá votar projetos como o que estabelece a autonomia do Banco Central.
“Eu anunciei há pouco para o plenário uma pauta para os dias 3 e 4 (de novembro), uma pauta pré-estabelecida, e eu espero que no dia 4 a gente possa conseguir o número adequado, tanto na Câmara quanto no Senado, para iniciarmos a sessão do Congresso Nacional para deliberarmos os vetos e os PLNs que estão aguardando votação no plenário do Congresso (…). Será uma agenda muito importante do ponto de vista da economia”, disse Alcolumbre.
Esta não é a primeira vez que a Câmara passa um longo período sem votar qualquer projeto.
Em 2007, o governo do então presidente Luís Inácio Lula da Silva manobrou para manter a Casa sem votar durante quase um mês. O objetivo era evitar a chegada de medidas provisórias ao Senado, onde o Executivo tentava aprovar a prorrogação da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 2011.
A manobra deu certo e o Senado votou o tema no fim do ano — mas o governo acabou derrotado por apenas quatro votos, e a Contribuição foi extinta.
Tradicionalmente, a “obstrução” é uma ferramenta usada pela oposição para impedir a votação de determinados projetos sobre os quais não há acordo.
Ao “obstruir”, os deputados deixam de contar para o atingimento do quórum mínimo necessário para as votações mesmo estando fisicamente dentro do plenário. Sem o número mínimo de presentes, a sessão de votações é cancelada.
No último mês, a obstrução passou a ser usada pela oposição e também por partidos do chamado “Centrão” — o termo é uma forma pejorativa de se referir a partidos conservadores, sem orientação ideológica clara, e que hoje integram a base aliada ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Os dois grupos têm motivações diferentes para impedir as votações.
Centrão quer espaço na Comissão Mista de Orçamento
No caso do “Centrão”, o objetivo é pressionar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em uma disputa por espaço na Comissão Mista de Orçamento (CMO). A Comissão é fundamental para a formatação da Lei Orçamentária Anual (LOA) do ano que vem.
No começo do ano, vários partidos fecharam um acordo para que a CMO fosse presidida pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Agora, partidos como PP, PL e PSD dizem que a tratativa não está mais em vigor e exigem um novo nome à frente da Comissão — a conjuntura mudou depois que DEM, PSDB e MDB deixaram o chamado Bloco da Maioria, dizem os partidos descontentes. A revolta é comandada pelo líder do bloco, Arthur Lira (PP-AL).
“Realmente, me parece um pouco incoerente parte da base estar obstruindo matérias que são de interesse do governo”, disse à BBC News Brasil o líder da bancada do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB).
“Isso tem gerado uma falta de sintonia, um ruído. E nós, que estamos aguardando se destravar essa situação, vemos alguns prazos de medidas provisórias se esgotando e matérias que seriam importantes ficando para segundo plano”, diz ele.
Rodrigo Maia também reclamou da obstrução comandada por Arthur Lira — que é virtual candidato à presidência da Câmara em fevereiro de 2021.
“Espero que a responsabilidade prevaleça. Se o governo não tem interesse nestas medidas provisórias, eu não tenho o que fazer. Eu pauto, a base obstrui e eu cancelo a sessão”, disse Maia na terça-feira (27).
Oposição: é preciso deixar claro quem quer reduzir para R$ 300
No caso dos partidos de oposição, o objetivo é pressionar pela votação da medida provisória nº 1.000/20, do auxílio emergencial — partidos como PT, PSOL, PC do B e PSB defendem a manutenção do auxílio em R$ 600. No começo de setembro, o governo enviou a MP ao Congresso prorrogando o auxílio e reduzindo o valor para R$ 300.
“Estamos obstruindo enquanto ele não pautar isto (a MP 1.000/20) porque acreditamos que a pressão social forçará os parlamentares a votarem contra a medida provisória e portanto voltarem ao valor de R$ 600 no auxílio até o fim do ano. A obstrução, por parte da oposição, é para que o governo, ao ver que os projetos não avançam, que ele pelo menos coloque em pauta. Para que fique claro para a população quem é contra e quem é à favor da redução de R$ 600 para R$ 300”, disse à BBC News Brasil o líder do PT, o deputado Enio Verri (PT-PR).
O deputado André Janones (Avante-MG) se notabilizou nas últimas semanas com uma campanha nas redes sociais pela manutenção do auxílio emergencial em R$ 600.
“O que me falam no boca a boca é que já seriam mais de 300 deputados favoráveis aos R$ 600. Seria mais q o necessário para derrubar a MP 1.000/20”, disse ele. “A nossa ideia é que, caso a MP vá ao plenário, que possamos derrubá-la e aprovar uma das mais de 260 emendas que já foram apresentadas (por deputados) para manter os R$ 600”, detalhou Janones.
‘Paralisia atrapalha retomada economia’
O cientista político Bruno Carazza diz que paralisias como estas são comuns em anos eleitorais — embora a situação esteja mais séria em 2020.
Segundo ele, a paralisia este ano gera prejuízos: textos que são importantes para a retomada econômica, como a PEC Emergencial e a reforma tributária, estão parados.
“Em geral esta época (pré-eleitoral) é de compasso de espera mesmo. Todos estão focados na eleição, o que torna muito difícil você ter qualquer perspectiva de aprovação de reforma este ano. Já que o calendário (eleitoral) foi adiado, então só vamos ter o segundo turno das eleições municipais no fim de novembro. E aí vamos entrar em dezembro com o Congresso com essa pendência das leis orçamentárias. O que indica que, nesse restante de ano, o que vamos ter é no máximo a votação do Orçamento (de 2021)”, diz ele.
“Até porque há a eleição para as Mesas (Diretoras), da Câmara e do Senado, em fevereiro (de 2021). Então, a perspectiva é bem ruim para pautas como a PEC (proposta de emenda à Constituição) do Pacto Federativo, a reforma tributária, a reforma administrativa. Nada disso deve avançar muito antes dessa definição da nova mesa diretora em fevereiro”, diz ele.