Em conversas nos últimos dias, em Brasília, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avaliou segundo Vera Rosa, em sua coluna no Estadão, que o orçamento secreto não se resolve na canetada, mas, sim, na política. Depois de ter classificado a prática como “excrescência” e “bandidagem” durante a campanha, Lula deu um passo atrás para negociar a base de sustentação do novo governo no Congresso. Agora, ele tem dito que é preciso encontrar uma solução intermediária para esse imbróglio.
O orçamento secreto que passará pelo crivo do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento a partir desta quarta-feira (7) não pode mais ser secreto, no diagnóstico de Lula. Mesmo assim, para o presidente eleito, a distribuição de recursos a deputados e senadores pode continuar existindo, desde que em outro modelo. Lula quer agora que o dinheiro seja aplicado em uma lista de programas estratégicos e de investimento definidos pelo novo governo.
Nesse cenário, parlamentares também teriam direito de direcionar a verba para obras em seus redutos eleitorais. A condição, porém, é que façam suas escolhas adotando como parâmetro as prioridades estabelecidas nos projetos dos ministérios.
Se tudo correr como o previsto, Lula promete “prestigiar” aliados com uma carona no avião presidencial, durante suas viagens. “Eu não enxergo dentro da Câmara e do Senado essa coisa de Centrão”, disse ele, no mês passado, ao justificar a aproximação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A ideia do petista é chamar deputados e senadores de sua base para acompanhá-lo em viagens e inaugurações de obras, dando o “crédito” para os padrinhos das emendas.
A avaliação da cúpula do PT é a de que, se o Supremo derrubar de uma vez o orçamento secreto, Lula corre o risco de iniciar o mandato, em janeiro de 2023, sob um clima de revolta no Congresso.
Para garantir sua reeleição à presidência da Câmara, Lira assumiu de acordo com a publicação de Vera Rosa, o compromisso de liberar emendas a seus apoiadores. Com o trunfo de controlar esse toma-lá, dá-cá, o líder do Centrão já tem o aval de 14 partidos na campanha, incluindo o do PT. Mais discreto, mas não menos atuante na distribuição do orçamento secreto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também disputa a recondução ao cargo.
A eleição que escolherá a cúpula do Congresso para o biênio 2023/2024 está marcada para 1.º de fevereiro. Diante do julgamento do Supremo, o receio do novo governo está no troco que o Centrão pode dar agora, caso a Corte julgue esse tipo de emenda inconstitucional e mande suspender a prática. O projeto de Orçamento para 2023 reserva R$ 19,4 bilhões para esses repasses.
O Centrão vai aceitar perder ou tentará enquadrar o novo governo e até mesmo o próprio Supremo? A depender do veredito, a ameaça do bloco consiste em embutir o orçamento secreto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que concede ao novo governo uma licença para gastar, com o objetivo de pagar o Bolsa Família. A ofensiva equivale a implodir a PEC.
“Cada um deve ficar no seu quadrado”, disse ao Estadão o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA). “Se tirar o nosso, a gente tira o deles”, avisou o deputado, numa referência ao orçamento do Supremo, que depende do Congresso. Além disso, é bom lembrar que a ideia de CPI para investigar abuso de autoridade do Judiciário pode ser ressuscitada a qualquer momento.
Ao que tudo indica, algum ministro do Supremo deve pedir vista – ou mais tempo para análise – nesse julgamento, o que dá sobrevida à barganha política. Enquanto isso, Lula adota o verbo da moda para “modular” o manejo do orçamento secreto com o Congresso. Na Praça dos Três Poderes, ninguém arrisca o próximo capítulo dessa novela.