Políticos e organizações lamentaram as mortes do indigenista Bruno Pereira, 41 anos, e do jornalista britânico Dom Phillips, 57, e cobraram respostas. A informação de que um suspeito investigado pelo desaparecimento dos dois confessou participação no assassinato foi confirmada nesta quarta-feira (15).
Tristeza, revolta, indignação, dor, injustiça, barbárie, atrocidade —essas foram algumas das palavras usadas para expressar repúdio e pedir que o caso seja amplamente esclarecido e não termine impune.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida eleitoral e rivaliza com o presidente Jair Bolsonaro (PL), disse durante ato de campanha em Minas Gerais que “é muito triste” saber que os dois foram “brutalmente assassinados” e pediu um minuto de silêncio.
“Acabei de saber que possivelmente a Polícia Federal encontrou os corpos do Dom Phillips e do Bruno. É muito triste. Pessoas mortas por defender terras indígenas e nosso meio ambiente. O Brasil não pode ser isso”, afirmou o petista.
“Esse país é muito grande, civilizado e não pode passar a imagem para o exterior que somos incivilizados, que nós matamos quem defende a Amazônia, os indígenas”, completou Lula, reafirmando promessas de, caso eleito, combater garimpo em terra indígena e demarcar terras.
Uma nota assinada pelo ex-presidente e por seu vice na chapa que disputa a eleição, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), afirmou que a confirmação dos assassinatos “é uma notícia chocante”, que “causa dor e indignação”, em solidariedade aos familiares, amigos e amigas do indigenista e do jornalista.
“Bruno e Dom dedicaram a vida a fazer o bem. Por isso percorreram o interior do Brasil, ajudando, protegendo e contando a vida, os valores e o sofrimento dos povos indígenas”, disseram.
Lula e Alckmin afirmaram ainda que “o mundo sabe que este crime está diretamente relacionado ao desmonte das políticas públicas de proteção aos povos indígenas. Está diretamente relacionado também ao incentivo à violência por parte do atual governo do país”.
Os dois reivindicaram, por fim, “uma rigorosa investigação do crime”, com julgamento de autores e mandantes, e mencionaram que “a democracia e o Brasil não toleram nem podem mais conviver com a violência, o ódio e o desprezo pelos valores da civilização”.
Enquanto a onda de indignação ganhava força logo após a informação dada pela Polícia Federal, Bolsonaro apareceu em seu perfil no Twitter respondendo ao comentarista esportivo Walter Casagrande, que nesta semana chamou o governo de “covarde, mentiroso, perverso e muito cruel”.
Em reação, o presidente postou: “Depende! Se o Casagrande se refere ao cidadão que segue as leis, a informação não procede. Mas contra o crime organizado nós temos sido cruéis, sim, por exemplo”
Na sequência, Bolsonaro publicou uma série de mensagens sobre combate ao crime em sua gestão, sem referências ao caso na Amazônia. Desde o início, o mandatário minimizou a gravidade da situação e fez ilações sobre as vítimas, embora tenha dito que o governo estava empenhado nas buscas.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse receber a notícia “com enorme pesar”. Ele já havia dito no início da semana, diante das buscas pelos dois, que o Congresso Nacional pode contribuir no combate aos crimes na região da Amazônia e que a situação era “das mais graves do Brasil”.
“Em respeito às vítimas, à Amazônia e à liberdade de imprensa, espero que todos os criminosos envolvidos sejam punidos com o rigor da lei”, afirmou Pacheco nesta quarta.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa (PT-PE) responsabilizou o governo federal: “O desgoverno Bolsonaro é parceiro do crime na Amazônia. E quem atua em defesa da floresta, contra esses interesses obscuros, vira inimigo”.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) chamou atenção para o fato de que a comoção mundial foi ampliada pelo fato de uma das vítimas ser estrangeira. “É preciso dizer que, se não houvesse um jornalista inglês para chamar atenção do mundo, o indigenista brasileiro Bruno Pereira seria só ‘mais um’ executado.”
“O bolsonarismo protege criminosos e faz jornalistas e indigenistas brasileiros sentirem um alvo desenhado na própria testa”, afirmou Renan.
A Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), para a qual Bruno Pereira trabalhava, classificou a tragédia como “um crime político, pois ambos eram defensores dos direitos humanos” e morreram desempenhando atividades em benefício dos indígenas da região.
A entidade falou em “perda inestimável” e manifestou “preocupação com a continuidade das investigações”, relatando que os dois suspeitos presos fazem parte de um grupo maior.
”O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças? Precisamos aprofundar e ampliar a investigação. Precisamos de fiscalização territorial efetiva no interior da Terra Indígena Vale do Javari.”
Nove organizações das áreas de jornalismo, direitos humanos e liberdade de expressão emitiram nota conjunta em que “expressam indignação e profundo pesar” e “questionam o presidente do Brasil sobre estímulo à ocupação ilegal das terras de povos originários e ataques contra jornalistas que denunciam irregularidades”.
O texto é assinado por: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Artigo 19, Intervozes, Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres sem Fronteiras (RSF) e Tornavoz.
“Reforçamos nossos pedidos às autoridades nacionais e internacionais para que a execução seja apurada de forma célere, transparente e independente, sem qualquer interferência que possa atrapalhar a investigação. É preciso investigar e responsabilizar os envolvidos na morte de Dom e Bruno, daqueles que perpetraram o crime àqueles que o ordenaram.”
As organizações também se solidarizaram com as famílias e lembraram que “lamentavelmente autoridades governamentais sugeriram que as próprias vítimas eram responsáveis pela tragédia”, como foi o caso do presidente Bolsonaro, que falou em “aventura não recomendada”.
“Não aceitaremos que o horror e as trevas dominem o Brasil. O Brasil não é uma aventura”, afirmaram as entidades.
O ex-presidenciável João Amoêdo (Novo), que disputou o Planalto em 2018, também se manifestou para expressar “solidariedade às famílias e amigos” das duas “vítimas de cruéis assassinatos na Amazônia”.
“Apesar da confissão dos assassinos, é essencial que as investigações continuem em busca de eventuais mandantes e as motivações do crime”, escreveu em uma rede social.
Vice-presidente nacional do PT, o deputado federal José Guimarães (CE) disse que a confirmação causa “imensa revolta” e que os mandantes precisam ser punidos. “A brutalidade e crueldade indignam todos que têm compromisso com a vida e com a preservação das terras indígenas e seus habitantes!”
O também deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) disse que “o assassinato e esquartejamento dos corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips têm a digital de Bolsonaro e sua política assassina que libera todos os crimes que destroem a Amazônia e persegue os povos indígenas”.
O Greenpeace Brasil e o Greenpeace Reino Unido, em comunicado único, afirmaram que “a política anti-indígena do Brasil de Bolsonaro avança a passos largos e os direitos dos povos originários são violados permanentemente”.
“Até quando aceitaremos um governo que cruza os braços diante de tamanha atrocidade? As mortes de Bruno e Dom não se tratam de fatalidades, mas, sim, de um projeto criminoso do governo Bolsonaro, que abre alas para que atividades predatórias e crimes se reproduzam em plena luz do dia, e transformem a Amazônia em domínio particular do crime organizado, onde a lei não vale.”
As duas organizações ambientais questionam: “O que tem se tornado o Brasil, afinal? Nos últimos três anos, nosso país vem se configurando cada vez mais em uma terra em que a única lei válida é a do ‘vale-tudo'”.
“O Brasil está mergulhado em um contexto que beira a barbárie e esse cenário não pode seguir avançando”, dizem as duas unidades do Greenpeace, afirmando exigir “urgentemente justiça por Bruno e Dom”.
O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, disse que o partido se dispõe a “ajudar a buscar Justiça e reparação”. Ele se referiu às vítimas como “dois profissionais que pereceram na luta contra o crime. São heróis. E a história irá lembrá-los. Que a lei se encarregue dos outros”.
Para Freire, o episódio “é o ápice de uma política de destruição ambiental, via leniência, conivência e incentivo a uma série de atividades ilegais na Amazônia. Bolsonaro tem responsabilidade em tudo que de nefasto ocorre na região”.
Chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo Bolsonaro entre 2019 e 2021, o empresário Fábio Wajngarten —que, conforme mostrou a Folha, voltou ao entorno do presidente para a campanha à reeleição— fez uma manifestação sob viés criminal, mencionando punições.
“É imprescindível que as penas de crimes dolosos contra a vida sejam majoradas e endurecidas, sem benefícios ao autor/criminoso. Vou sugerir aos amigos parlamentares imediatamente. Meus sentimentos às famílias vitimadas na ocorrência da Amazônia”, escreveu em uma rede social.