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sábado 1 de maio de 2021 às 06:02h

Políticos do centro têm muito a aprender com o ‘BBB’, diz doutor em ciência política

DESTAQUE, NOTÍCIAS, POLÍTICA


Por que o “BBB”, programa para o qual a intelectualidade sempre torceu o nariz, tem chamado tanta atenção de quem acompanha a política? As comentaristas da Globo Andréia Sadi, Natuza Nery e Vera Magalhães, por exemplo, não perdem um lance. É um olho nos bastidores de Brasília, outro no paredão.

A curiosidade aumentou quando o blog recebeu pesquisas de popularidade digital dos integrantes do “BBB”, enviadas pelo professor Felipe Nunes, doutor em ciência política pela University of California Los Angeles (UCLA).

Especialista em comunicação política e diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa, Felipe acompanha a política pela dimensão pop de seus atores, a popularidade dos políticos no mundo virtual. Daí a definição “política pop”. Felipe antecipa: os políticos, em especial os do centro, têm muito a aprender com o “BBB”.

Leia, abaixo, a entrevista:

O que o Big Brother e a política atual, que você define como pop, têm em comum?

Na política pop e no “BBB”, o posicionamento nas polêmicas é decisivo. Como quem decide é o público, vence quem se posiciona ou age conforme as tendências predominantes do público. Não à toa, eu acho que é mais difícil disputar o “BBB” do que uma eleição. No “BBB”, o voo é às cegas. Nas campanhas, os políticos têm acesso a pesquisas.

Um dos aprendizados que a política deve tirar a partir do “BBB” é que o segredo do sucesso na era pop está na capacidade de atrair e fixar audiência, atenção. Por ser um produto de entretenimento, o “BBB” precisa atrair e fixar o público para cem dias de audiência contínua.

Poucas coisas geram mais isso do que polêmicas. As polêmicas são fundamentais para alimentar a atenção e o interesse no consumo. Não é sem motivo que o programa possui um dia específico para provocar discórdias entre os confinados.

Os políticos polêmicos são os que mais obtêm popularidade digital nos índices que a Quaest calcula. São os que chamam nossa atenção, os que paramos para assistir. Pelo mesmo motivo que a Juliette e o Gil se transformaram em protagonistas da atual temporada do “BBB”: adoram uma confusão!

Quais são os outros aprendizados?

O “BBB” tem conseguido se transformar em um microcosmo das grandes questões do debate público.

Questões civis fundamentais na atualidade, como raça e gênero, acabam sendo levadas para o campo do entretenimento. Afinal, elas geram polêmica, polêmica gera audiência, likes, comentários, reportagens, e toda essa audiência direta e indireta gera lucro. Indústria do entretenimento é isso.

O “BBB” ensina para a política que atenção e audiência vêm com entretenimento, que por sua vez é alimentado por polêmicas, discussões e debates. No fundo, podemos dizer que os dois são fenômenos pop: geram resultado (financeiro ou político) através de entretenimento.

O que é preciso para ser campeão no ‘Big Brother’ e na política pop?

Não há fórmula mágica. Existe sorte, existe estratégia. Mas podemos pensar que a postura e a reação diante das polêmicas pautadas é um elemento central de sucesso. Saber escolher estrategicamente os posicionamentos que mais atraem o público é um diferencial.

No “BBB”, o Caio se salvou de uma eliminação precoce quando soube se posicionar corretamente, ou seja, fazendo aquilo que se esperava em uma situação como aquela, depois de ouvir uma lacração da Lumena sobre uma importante questão de gênero. Diferente de Rodolfo, que escolheu a posição errada (ou não esperada) quando associou o cabelo do João à peruca de monstro que usava.

Numa polêmica, a chance de consenso é mínima. A polêmica é a cisão, é a ruptura, é a polarização. Nesse ambiente, duas coisas não ajudam a vencer: ficar indiferente e querer agradar a ambos os lados.

Pelo que você está dizendo, não há mais espaço na política para uma postura moderada nem de centro ?

Pode haver moderação, sim, mas ela precisa ser parte da estratégia.

Eu costumo dizer que o centro e a moderação precisam ser radicalmente de centro para conseguirem atenção. Encontrar essa postura é uma questão fundamentalmente de timing. É preciso saber quando entrar em uma polêmica, e o quanto, até mesmo para poder mostrar a “irracionalidade” dos outros dois lados.

Moderação e radicalização não são certas nem erradas em si mesmas. É preciso ser pragmático, esperto. Há momentos em que é válido ter posicionamento firme. Às vezes, o desgaste de uma briga faz bem. Em outros momentos, é melhor mostrar que os dois lados estão errados.

Ficar em cima do muro não vale?

Juliette no “BBB” é um fenômeno justamente porque não deixa de enfrentar as suas brigas, e não deixa de ter posição na briga dos outros. Ela faz isso nem que seja para desagradar alguém. Aliás, uma característica fundamental na política de hoje: ser capaz de arriscar a própria pele em polêmicas que podem lhe trazer prejuízo de imagem.
Essa é uma qualidade que é sinônimo de autenticidade, ou o inverso da mentira. Não acho que estamos em um contexto no qual a tradicional postura “não sou a favor nem contra, muito pelo contrário” seja bem vista.

Em nosso tempo, predomina a lógica do posicionamento diante das polêmicas que surgem. É essa combinação que está gerando mais engajamento.

Dentro desta lógica de política ‘BBB’ ou pop, qual a diferença de Lula e Bolsonaro para os candidatos do centro?

A diferença está nos atributos de seus seguidores. Explico. “Fã” é uma abreviação de “fanático”. Não é só um entusiasta, mas um devoto, um dogmático. No extremo, um apaixonado cego, sem capacidade crítica.

O fã também é uma peça indispensável do universo pop, é o fã que defende, divulga, espalha a mensagem de seu objeto de devoção. E vemos isso na era da política pop. Políticos viraram popstars. Possuem não só eleitores, mas fãs. Vemos isso com Bolsonaro e Lula.

Uma parte expressiva do eleitorado de ambos age como membros de um fã-clube. Defendem, divulgam, espalham tudo o que dizem, nem sempre com olhar crítico, mas como verdades inquestionáveis.

Algo semelhante vemos com os fenômenos do “Big Brother”, embora as paixões que estimulam, em geral, sejam bem menos determinantes para o cenário nacional. Além de Bolsonaro e Lula, Ciro tem potencial para popstar. Ele tem várias características essenciais para a manutenção de um fã-clube. Seu desafio é outro, é que o fã-clube seja numeroso.

E os candidatos de centro?

Os candidatos de centro não conseguiram ainda contar com essa adesão fervorosa. Não contam com uma legião de pessoas dispostas a defendê-los, como fãs, nem para atacá-los, como haters. Veja o Doria, por exemplo. Muita gente o conhece, gosta dele, reconhece sua luta pela vacina, mas ele não tem um fã-clube.
Na minha avaliação, Doria não tem esse fã-clube porque tudo que ele faz parece ser muito combinado, arquitetado, planejado. Na política pop, isso é sinônimo de não autêntico ou interesseiro. Não cola!

Bolsonaro das tiradas constantes e o Lula da coragem de enfrentar o juiz polarizam o debate porque conseguem ativar seus fãs por meio dos conflitos que eles participam diariamente.

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