A Polícia Federal investiga um “modus operandi” usado para desviar o dinheiro público em diversos Estados das quatro regiões do país, com o aumento de operações envolvendo suspeitas de irregularidades no uso de emendas parlamentares ao Orçamento. Uma das figuras que vem chamando a atenção dos investigadores conforme reportagem de Isadora Peron e Fernando Exman, do jornal Valor, é o “corretor de emendas”, pessoa que funcionaria como um captador ilegal de recursos em Brasília e, em contrapartida, ficaria com uma porcentagem do valor levantado.
Na última quinta-feira, uma operação deflagrada no Rio Grande do Sul e batizada de “EmendaFest” jogou luz sobre como funcionaria esse tipo de esquema. A ação foi autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo os investigadores, um dos alvos da ação, o lobista Cliver Fiegenbaum, ficava com 6% do valor das emendas direcionadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) a um hospital em Santa Cruz do Sul, no interior do Estado. Até um contrato para formalizar o repasse da “contrapartida” foi assinado.
O contato do “corretor de emendas” com o gabinete do parlamentar se deu através do assessor Lino Furtado, que também foi alvo da operação e afastado do cargo que ocupava na Câmara. Em seu relatório, a PF reproduz diálogos que demonstram que o assessor teria recebido vantagem indevida por direcionar as emenda para o Hospital Ana Nery. O dinheiro teria sido repassado por Fiegenbaum.
Hoje, já tramitam no STF pelo menos 30 investigações que envolvem suspeitas na destinação de emendas parlamentares. Os casos têm sido distribuído a diferentes ministros, isto é, não estão concentrados nas mãos de um único relator. Além de Dino, também estão à frente das investigações Kassio Nunes Marques, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes.
Levantamento feito pelo Valor mostra que apenas dois inquéritos são mais antigos: um de 2020 e outro de 2021. Entre esses casos está a denúncia apresentada contra três deputados do PL e que vai a julgamento no dia 25 de fevereiro, na Primeira Turma. O inquérito é relatado por Zanin e trata de irregularidades em emendas destinadas a São José de Ribamar, no Maranhão.
Já os demais casos começaram a chegar à Corte a partir da metade do ano passado, mesma época em que Dino passou a impor ao Congresso uma série de medidas com o objetivo de acabar com a prática conhecida como “orçamento secreto”.
Os parlamentares têm reclamado do bloqueio de repasses e da proliferação de investigações, que atingem tanto nomes da base quanto da oposição. Para interlocutores da Polícia Federal (PF), no entanto, as revelações reforçam os argumentos sobre a necessidade de se assegurar mais transparência e rastreabilidade no emprego dessas rubricas do Orçamento.
Chama a atenção dos investigadores, em diferentes partes do país, o fato de que uma ação tem se desdobrado em diversas novas frentes de apuração. Nas palavras de um deles, quando há um caso envolvendo desvio de emendas “você dá uma enxadada e encontra um minhocário”.
Entre a classe política, há o temor de que se esteja diante de uma nova “Lava-Jato”, devido ao número de deputados e senadores que esses inquéritos podem atingir. Interlocutores do Palácio do Planalto também demonstram preocupação nos bastidores sobre o impacto desses casos na governabilidade, mas as autoridades a par das apurações apontam que os trabalhos estão sendo conduzidos de forma técnica.
O Valor não conseguiu contato com os alvos da Operação EmendaFest. Em nota, o deputado Afonso Motta reforçou que desconhecia qualquer irregularidade. “Confiamos na justiça e no devido esclarecimento dos fatos. Seguiremos exercendo com responsabilidade o mandato parlamentar que nos foi confiado, garantindo a destinação de recursos aos municípios do Estado, defendendo nossas convicções e contribuindo para o fortalecimento do Parlamento e do País”, disse.
O Hospital Ana Nery também se manifestou. Em nota, a instituição afirmou que “tem prestado total colaboração às autoridades, fornecendo prontamente todos os documentos solicitados e colocando-se à disposição para contribuir com o esclarecimento dos fatos”.