A antecipação do debate sobre a sucessão presidencial tem contaminado disputas em segmentos organizados da sociedade civil, como entidades de advogados, caminhoneiros, universitários, ruralistas e médicos. Como resultado, a polarização entre bolsonaristas e anti-bolsonaristas tomou conta dos debates internos nestas categorias, que em alguns casos espelham em suas eleições o mesmo clima de “Fla-Flu” político que tem dominado o cenário nacional.
O caso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituição centenária que esteve na linha de frente dos movimentos pelo impeachment dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff, é o que mais chama a atenção. Enquanto um documento assinado por juristas pedindo a saída do presidente Jair Bolsonaro tramita internamente, as bases da entidade já estão em campanha para as eleições de suas seccionais estaduais, que serão em novembro.
O resultado desse processo vai definir o colégio eleitoral que escolherá o próximo presidente da Ordem, em janeiro de 2022. O atual dirigente, Felipe Santa Cruz, não vai tentar a reeleição, pois planeja disputar o governo do Rio de Janeiro, em uma aliança que pode contar com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Internamente, seu grupo se dividiu e setores bolsonaristas se articulam nos Estados para frear uma possível ofensiva da esquerda na entidade de advogados.
Na iminência da filiação de Santa Cruz a um partido político, seu vice na Ordem, Luiz Viana, rompeu a aliança e lançou manifesto contra a presença de política partidária na OAB. O atual presidente da entidade ganhou projeção nacional ao fazer críticas contundentes a Bolsonaro e à atual gestão federal.
“O que nós queremos é que a Ordem continue firme, como sempre foi tradicionalmente, nas críticas pertinentes aos aspectos constitucionais e legais, em qualquer que seja o governo, mas distante de partidos”, afirmou Viana ao Estadão. Ele diz não se opor aos trabalhos realizados pela comissão. “Eu respeito o Felipe Santa Cruz e as suas decisões pessoais. Acho apenas que, para a nossa entidade, é melhor ter equidistância da política partidária”, acrescentou.
Na avaliação de pessoas que acompanham o dia a dia da entidade, o fato de o secretário-geral da Ordem, Beto Simonetti, ter se viabilizado como sucessor de Felipe Santa Cruz, no lugar de Viana, contribuiu para o rompimento.
Procurado, Santa Cruz se disse um “democrata radical” e afirmou que a entidade cumpriu seu papel “constitucional”. “Foi nossa a ação que garantiu a competência concorrente de Estados e municípios para o combate à pandemia. Já imaginou o que seria se o governo federal, além de boicotar as medidas sanitárias, pudesse impedir governos estaduais e prefeituras de adotar medidas? Ou de tomar iniciativa para que tivéssemos vacinas? Isso é politização? Não, isso é a OAB cumprir seu papel constitucional”, afirmou ao Estadão.
Nesse clima de divisão interna, setores bolsonaristas se mobilizam nos Estados e correm por fora para influenciar a troca de comando na principal entidade de advogados. O presidente em exercício da Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, João Alberto Cunha Filho, afirmou ao Estadão ser contra a atual direção da Ordem. O grupo – que se formou para ingressar com processos contra críticos do presidente da República – acredita que as seccionais da OAB devem fiscalizar como os Estados e municípios aplicam verbas repassadas pelo governo federal, num discurso alinhado a Bolsonaro. “Não houve nenhuma intervenção da OAB no sentido de solicitar a prestação de contas (de Estados e municípios)”, afirmou.
Bolsões
A mobilização de bolsonaristas e anti-bolsonaristas não é restrita à categoria dos advogados. Com o retorno de Lula ao palco eleitoral, após ter suas condenações na Lava Jato anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), grupos conservadores tentam criar bolsões de militância, enquanto petistas usam a narrativa da polarização para aglutinar antigos adversários no campo da esquerda e nos movimentos sociais. “Estamos criando núcleos de defesa da pauta conservadora também no movimento universitário, na classe artística, militares, agro e evangélicos”, disse o empresário Luís Felipe Belmonte, vice-presidente do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta, sem sucesso, tirar do papel.
Estudioso dos movimentos sociais, o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do Grande ABC, avalia que a direita está se organizando de forma mais atuante até em setores historicamente dominados pela esquerda. “O campo da direita está se articulando mais em alguns setores, inclusive no movimento estudantil”, afirmou.
Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União da Juventude Socialista (UJS), Carina Vitral avalia que os jovens são os que mais combatem o bolsonarismo, mas admite que tem encontrado mais conservadores nas salas de aula. “Outro dia trombei até com um monarquista”, contou. O atual presidente da UNE, Iago Montalvão, pondera que não existe ainda um coletivo nacional de estudantes conservadores organizados.
Nascido na esteira das manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Movimento Brasil Livre (MBL) consolidou-se como uma força política de direita mesmo após romper com Bolsonaro. O grupo, que hoje conta com parlamentares jovens em vários partidos, chegou a ensaiar uma ação direta no movimento estudantil, ambiente historicamente controlado por múltiplas correntes de esquerda.
Mas ao perceber que a disputa por entidades como a UNE, União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e União Estadual dos Estudantes (UEEs) se dava em um modelo controlado pelos braços de juventude de partidos como PCdoB, PSOL e PT, o grupo mudou de estratégia e criou a Academia MBL. São, segundo a organização, em torno de 2.500 alunos matriculados.
Já o PSL, por sua vez, montou uma núcleo de juventude para disputar centros acadêmicos e ampliar a atuação no congresso da UNE.