O Palácio do Planalto age para reverter a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) e evitar julgamentos de temas caros à esquerda, como descriminalização do aborto e do porte de maconha, mas que têm criado ruídos com o Congresso. O governo defende que a Corte se concentre em assuntos econômicos, de seu interesse. A avaliação entre auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que sua gestão sofre desgaste com a análise de questões que geram controvérsia na sociedade, porque nem toda a população faz distinção entre as iniciativas do Executivo e do Judiciário. Em paralelo, governistas observam com preocupação o avanço no Senado de propostas que limitam poderes da Corte, mas evitam gestos ostensivos que possam causar ruídos na relação com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Nesta última quarta (18) a oposição anunciou o fim da obstrução da pauta da Câmara em função de um acordo para acelerar a agenda anti-STF no Senado.
Ministros de Lula ouvidos por Sérgio Roxo, Jeniffer Gularte, Mariana Muniz e Lauriberto Pompeu, do jornal O Globo, identificaram queda de popularidade de Lula nos estados após o STF pautar temas relacionados a costumes. Esses auxiliares citam que uma parcela da população vê influência da gestão petista quando o Supremo trata desta agenda. Além disso, na avaliação do Planalto, a Corte tem tensionado a relação com o Congresso e gerado reações dos parlamentares. O Senado, por exemplo, aprovou projeto estabelecendo o marco temporal para a demarcação de terras indígenas após o STF considerar a tese inconstitucional. O assunto está na mesa de Lula, que tem até amanhã para decidir se sanciona ou veta o texto.
Contra a ‘pacificação’
Ao entrar em temas que dividem a sociedade, o governo entende que o STF não contribui para a pacificação do país, porque vê a base bolsonarista se mobilizar para se contrapor às decisões tomadas pela Corte. De acordo com auxiliares próximos, Lula tem manifestado em conversas reservadas preocupação com o posicionamento mais ativo do Supremo, até porque avalia ter sido vítima dessa postura durante a Lava-Jato.
No Planalto, a iniciativa recente do Supremo vista como mais problemática foi a da então presidente da Corte, Rosa Weber, que levou à pauta a ação que pode descriminalizar o aborto até a décima segunda semana de gestação e votou favoravelmente. O novo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, apresentou um pedido para mover o processo do plenário virtual para o físico e já indicou a congressistas que não deve pautá-lo tão cedo. A entrada da Corte no assunto também provocou atritos com o Legislativo.
A entrada desse assunto na pauta desagrada o governo pela repercussão especialmente em setores da sociedade dos quais Lula tenta se aproximar, como os evangélicos. Historicamente, o tema é usado para atacar a esquerda e foi evitado pelo petista na campanha, quando ele mirava eleitores de centro e centro-direita para vencer Bolsonaro.
Outra questão vista com potencial de degaste é o julgamento da descriminalização do porte de maconha para consumo próprio. Cinco ministros votaram a favor e um contra, mas a análise foi interrompida após pedido de vista de André Mendonça.
Auxiliares de Lula acreditam que Barroso vem mostrando disposição de mudar o viés da pauta. As conversas com o presidente do STF para ampliar o protagonismo das pautas econômicas na Corte já começaram, segundo ministros de Lula. O titular do Planalto e o chefe do Judiciário se falam por telefone e têm a interlocução facilitada pelo ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e pelo ministro Cristiano Zanin, indicado por Lula para o STF.
Exemplos de temas que o governo gostaria de ver na Corte são a correção do FGTS e o pagamento dos precatórios — despesas decorrentes de sentenças judiciais. Sobre o FGTS, o Supremo já vem demonstrando disposição de discutir com o Planalto. A ação estava prevista para esta semana, mas foi retirada de pauta após uma reunião entre Barroso e os ministros Jorge Messias, Fernando Haddad (Fazenda), Jader Filho (Cidades) e Luiz Marinho (Trabalho). O processo preocupa o governo porque, segundo os cálculos da Fazenda, a União pode ter um custo extra de R$ 17 bilhões por ano caso o fundo passe a ter uma remuneração mais alta.
Em nota divulgada após o encontro, o presidente do STF disse que o adiamento serviria para que o governo apresente novos cálculos “em busca de uma solução que compatibilize os interesses em jogo”.
A respeito dos precatórios, o governo teme que o caso vire uma bomba fiscal em 2027, quando o eleitor não lembrará mais que esse movimento foi feito durante o governo Jair Bolsonaro e debite o prejuízo aos cofres públicos como um descuido do governo Lula.
Em setembro, a AGU enviou ao STF um parecer defendendo que a Corte considere inconstitucionais regras aprovadas no governo Bolsonaro para o novo regime de pagamentos de precatórios. Uma decisão favorável no STF faria com que a União quitasse o estoque de precatórios não pagos e retiraria cerca de R$ 95 bilhões em 2024 do limite estabelecido pelo arcabouço fiscal. Além de Messias, interlocutores apontam que têm bom trânsito no STF o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Enquanto age para aparar arestas no Supremo, o Planalto adota cautela em relação à articulação do presidente do Senado para aprovar projetos que limitam poderes de ministros da Corte. A avaliação é que o movimento político de Pacheco já está consolidado e que uma tentativa de travá-lo seria inócua, além da possibilidade de deixar sequelas. Amanhã, está prevista uma sessão de debates no plenário, ainda sem votação, sobre o projeto que limita decisões individuais de ministros do STF. O texto já foi aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
Relator à vista
Um outro projeto, fixando mandatos para os magistrados, também será analisado. O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), ainda não definiu o relator, mas pediu sugestão de nome para o autor da proposta, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que ainda vai se reunir com Pacheco para decidir quem vai assumir a tarefa.
Ontem, deputados de oposição anunciaram que vão parar de obstruir a pauta da Câmara em função de um acordo firmado com Pacheco prevendo que as pautas anti-STF tenham andamento célere no Senado. A aproximação do presidente da Casa com opositores de Lula é vista também como um gesto para cacifar a candidatura de Alcolumbre para o comando da Casa, em 2025, desidratando potenciais nomes mais à direita. Na terça-feira, em plenário, Pacheco recebeu uma série de elogios de nomes como Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Jorge Seif (PL-SC) e Marcos Pontes (PL-SP) — os dois últimos ocuparam cargos na gestão Bolsonaro. O grupo parabenizou o presidente da Casa por um discurso em que criticou a atuação do Supremo.
No sábado, Pacheco havia afirmado que “não há a mínima possibilidade de se permitir ao STF que formate as regras e as leis do país, porque isso cabe legitimamente ao Poder Legislativo”.