Após a primeira derrota sofrida no Congresso, o governo Lula agora prepara de acordo com o jornal O Globo, um pacote bilionário de benesses para ser distribuído entre integrantes da base e aliados em potencial, além de ajustes na articulação política, a fim de evitar novas frustrações. A estratégia está calcada num tripé: liberação de emendas parlamentares, reuniões lideradas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com líderes partidários alinhados ao Palácio do Planalto e pedido para que ministros exijam fidelidade de seus correligionários na Câmara e no Senado — parte deles já começou a ser cobrada.
Desde que assumiu seu terceiro mandato, Lula tem enfrentado dificuldades para arregimentar uma aliança confiável no Legislativo. As novas iniciativas ocorrem depois de uma reunião entre o petista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já fez críticas públicas à articulação do Planalto.
Partilha em etapas
Na tentativa de reverter o cenário, a partir de segunda-feira, interlocutores de Lula avisarão a um grupo de 180 parlamentares (120 deputados e 60 senadores) sobre a liberação de R$ 1,6 bilhão em emendas do Ministério da Saúde. Outro lote do mesmo valor será encaminhado a uma segunda ala, entre os dias 15 e 31. Na ocasião, o Congresso já deverá ter se debruçado sobre o novo arcabouço fiscal, projeto considerado prioritário pelo governo. O Executivo vai priorizar emendas com menor valor para ampliar o número de atendidos já nesta primeira rodada.
Responsável pelas negociações com o Parlamento, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, alvo de queixas dos congressistas e de cobranças de Lula, confirmou ontem a partilha.
— Os parlamentares têm emendas. Não só os da base, também os da oposição. E devem receber os recursos, que são importantes. São recursos para saúde, educação — disse Padilha, após participar de um evento no Rio.
O Planalto vai comunicar deputados e senadores sobre o empenho dos valores para que eles possam informar prefeitos das cidades que foram contempladas e depois divulgarem em suas bases. A verba será usada na compra de equipamentos médicos, odontológicos e computadores, além de reformas e construção de unidades básicas de saúde. Estão no radar ainda novas levas de emendas que virão de três ministérios: Integração Nacional, Agricultura e Cidades.
Os R$ 3,2 bilhões que chegarão ao Congresso fazem parte de um montante de R$ 9,8 bilhões que o Executivo herdou com o fim do orçamento secreto, extinto após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. Durante a negociação da PEC da Transição, primeiro projeto enviado por Lula ao Parlamento, ainda no ano passado, o acordo com parlamentares que garantiu a aprovação da proposta estabelecia que esse valor seria repartido entre todos os deputados e senadores em emendas individuais.
Em paralelo, ao retornar da viagem a Inglaterra, Lula começará a chamar presidentes de partidos, líderes da Câmara e no Senado e os ministros que representam as legendas para encontros no Palácio da Alvorada.
As primeiras legendas a serem chamadas deverão ser MDB, PSB e PSD. Depois, será a vez de siglas que se consideram independentes como União Brasil e Republicanos — apesar de ter indicado três ministros, o União evita se atrelar à base.
De acordo com auxiliares, Lula usará os encontros para perguntar aos representantes das sigla como estão vendo o governo e identificar lacunas de articulação, com a intenção de demonstrar que prestigia as legendas. Aliados afirmam que o petista vai adotar um tom ameno, sem “lavar a roupa suja”.
As cobranças mais incisivas caberão aos ministros. Eles têm sido alertados de que precisam ajudar o governo a destravar os projetos no Congresso. O GLOBO apurou que o Planalto pediu empenho a três integrantes do primeiro escalão nesta semana: Simone Tebet (Planejamento) e Juscelino Filho (Comunicações). A dupla recebeu avisos para buscar votos favoráveis ao PL das Fake News, que pune a disseminação de desinformação e responsabiliza plataformas.
Renan Filho (Transportes) recebeu alerta do próprio presidente, em um pedido de esforço para verificar se as bancadas vêm sendo atendidas pelo Planalto. Na quarta-feira, trechos do decreto do governo que alterava o marco do saneamento foram derrubados na Câmara com amplo apoio da base — com uma bancada de 142 deputados, MDB, PSD e União Brasil entregaram apenas oito votos em consonância com o Planalto. Na reunião do Conselhão, no dia seguinte, Lula cobrou Padilha a “organizar” o arco de apoio.
Mais problemas à vista
Enquanto o governo busca alinhar a base, há no horizonte do Congresso outras possíveis derrotas. Líderes avaliam como certo, por exemplo, que a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), definida por medida provisória, será revertida. Da mesma forma, a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, também não deverá ter sucesso.
A Câmara também se movimenta para derrubar parte das restrições que o presidente impôs sobre a aquisição e registro de armas de fogo. Até nomes da base têm agido para colocar o governo contra a parede. O líder do PSB na Casa, Felipe Carreras (PE), apresentou requerimento pedindo urgência para que um decreto de Lula seja derrubado. O deputado quer que a determinação do governo que exige visto para turistas do Japão, Austrália, Canadá e Estados Unidos não tenha mais validade.