A entrega formal do novo arcabouço fiscal pelo Palácio do Planalto ao Congresso Nacional na última terça-feira (18) marca um novo capítulo da política brasileira e começa a dar seus primeiros reflexos na economia do país. Elaborado pelo Ministério da Fazenda, a matéria vai substituir a Emenda Constitucional do teto de gastos, em vigor desde 2016, quando foi aprovada na gestão do então presidente Michel Temer (MDB). Entre os principais pontos, segundo Caroline Hardt, da Jovem Pan, o texto propõe mudanças efetivas para os gastos públicos nos próximos cinco anos, como a regra para que as despesas não cresçam acima de 70% do crescimento da receita primária do ano anterior. Ainda que caiba análise, discussão e aprovação do Legislativo Federal, economistas já apontam os resultados do arcabouço para a população e analistas do mercado financeiro acompanham os impactos na Bolsa de Valores e na variação cambial. Na prática, no entanto, a formalização do conjunto de regras fiscais do país traz, sobretudo, instantâneos reflexos políticos, que deságuam na dinâmica do Congresso e no jogo político.
Se para o mercado financeiro o texto indica o caminho econômico a ser trilhado pelo ministro Fernando Haddad (PT) à frente da pasta da Fazenda, politicamente o arcabouço representa, efetivamente, o “cartão de visitas” do governo Lula 3 no Congresso Nacional. Em outras palavras, a entrega da proposta é o pontapé inicial do governo depois de mais de 100 dias de gestão. Mais do que isso, será o primeiro grande teste para o Planalto, em um momento em que a articulação política patina e não há uma base sólida no Parlamento. “Certamente, a aprovação do marco fiscal deverá melhorar a relação do presidente com diversos partidos e, sobretudo, com os partidos que são do Centrão e acabam dividindo opiniões entre apoio ao Lula e resgate de posturas bolsonaritas”, explica o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Do ponto de vista do Congresso, a chegada do Projeto de Lei Complementar (PLP) da nova regra fiscal também impõe um novo capítulo. Isso porque, desde o início da 57ª legislatura de deputados e senadores da República, nenhuma votação relacionada à gestão Lula 3 aconteceu, nem mesmo das medidas provisórias (MPs) que viabilizam a formatação atual dos ministérios e dão vida aos principais programas do eixo social do Planalto, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, por exemplo. Com prazo de vida de 120 dias, os textos se tornam coadjuvantes em meio à disputa entre os presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que travavam uma queda de braço sobre o modelo de tramitação ideal. Coube ao governo propor uma saída alternativa, no caso, a de transformar medidas provisórias em projetos de lei de urgência, evitando o fiasco que representaria a perda de validade das matérias. Ou seja: que elas caducassem nas gavetas do Congresso.
A materialização de uma proposta de peso do governo, como o marco fiscal, considerada a principal pauta do primeiro semestre de 2023, abre caminho ainda para que um outro impasse seja testado: a capacidade do Executivo de articular votos. Ao site da Jovem Pan, parlamentares da oposição afirmaram que haverá obstrução no Legislativo enquanto o Planalto “não cumprir com a sua palavra com os conservadores”. Isto é, definir o encaminhamento sobre pautas de costumes (como a questão das armas), que estão “pulando pelos ministérios através de portarias e decretos”, afirma o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP). “Com a articulação atual do governo? Não caminha. Enquanto o Senado não criar a CPMI do 8 de Janeiro e o governo articular melhor, não será aprovado”, disse o parlamentar. Questionado se haverá obstrução, ele reforça: “Não tenha dúvidas”. Também à reportagem, o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) descarta um ambiente fácil para o avanço do governo. “Hoje, se colocar em votação uma lei ordinária, não passa. Não acredito que em 2023 vai haver reforma tributária ou aprovação do arcabouço, porque eles têm que ter votos. Duvido que os 100 deputados federais do PL vão votar. É bom para o Brasil? Sim, mas não sem discussão, um grupo fechado do governo vai jogar ao plenário? Ninguém vai aceitar isso”, afirmou.
O Palácio do Planalto rejeita a tese apresentada pela oposição. Com a eclosão da crise envolvendo o agora ex-ministro do Gabinete de Segurança de Institucional (GSI) Gonçalves Dias, é dada como certa a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos de 8 de janeiro. Apesar da pressão do Congresso e da constatação de que a CPMI exigirá esforços do governo federal, o ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política, tem dito que a investigação parlamentar não irá paralisar o que ele chama de “agenda positiva” da gestão. Mais do que isso, parlamentares da base aliada apostam no protagonismo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para aprovar o novo arcabouço fiscal com certa facilidade. Lira, inclusive, já emitiu sinais de que será o grande fiador da proposta. Em entrevista coletiva no início da semana, o cacique do Centrão disse que a matéria, “por obrigação”, será aprovada com “mais de 308 votos”. O novo arcabouço precisa de 257 votos para ser aprovada. Para analistas ouvidos pela Jovem Pan, “o jogo está organizado”. “Houve uma costura grande com o Congresso e as lideranças. A coisa está mais ou menos aliada e não deve fugir muito. Por mais que seja um teste, o marco fiscal em si está organizado internamente”, afirma o cientista político Leonardo Paz Neves, professor de Relações Internacionais do Ibmec RJ. Ele aponta que o meio de campo entre Legislativo e Executivo foi chefiado, sobretudo, por Fernando Haddad, que “fez um bom trabalho de casa”, negociando com líderes da Câmara e Senado e apresentando um texto pré-aprovado pela opinião pública e pelos congressistas. “Agora, é votar. Lira já falou que vota agora em maio, na segunda semana de maio. Sem dúvida, o Lula estando aqui ele pode ligar e pressionar com mais facilidade, mas está alinhado e não vamos encontrar grandes surpresa”, acrescenta.
“Nós vamos tratar com muita transparência, debate amplo, discussão franca e com a tranquilidade de que esse texto deve ter, por obrigação, mais de 308 votos pelo menos (…) Nossa confiança é plena de que nós teremos um bom resultado”, disse Lira, que promete dedicação “de corpo e alma”. Na prática, para tornar essa aprovação viável, o governo terá que agradar os dois “superblocos” liderados pelo tradicional Centrão. Na visão do cientista político Paulo Niccoli Ramirez, os blocões irão entrega o apoio e, consequentemente, a governabilidade necessária ao Planalto. Resta saber qual o custo desses acordos. “Dentro do Congresso há uma batalha por protagonismo, significa dizer que haverá o retorno da política do ‘toma lá, dá cá’. Dois centrões disputando mais ministérios, cargos de confiança e indicações. Lula vai ter que manobrar e ampliar a troca de favores com o Congresso, o que nem sempre é um bom negócio”, acrescenta. O jogo político começou.