Na esteira do pagamento dos precatórios e da melhora do crédito, que devem oferecer algum impulso adicional e sustento ao consumo, de uma recuperação parcial da indústria, beneficiada por um exterior benigno, e de um mercado de trabalho forte ajudando os serviços, economistas admitem segundo reportagem de Anaïs Fernandes, do jornal Valor, que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2024 deve ser maior do que eles esperavam.
O consenso do mercado ainda está mais perto de 1,5%, com a mediana do Focus — pesquisa do Banco Central (BC) com agentes financeiros — em 1,6%. Mas analistas têm ajustado suas projeções para mais perto de 2%.
Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse não ver motivo para o Brasil crescer menos de 2% em 2024. A projeção da Secretaria de Política Econômica (SPE) é 2,3%.
No mesmo evento em que Haddad falou, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que o crescimento do PIB em 2024 pode ser um pouco acima de 2% — a projeção atual do BC é 1,7%.
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, de janeiro, revela que os membros discutiram “elementos que permitiriam observar, nos próximos meses, uma atenuação da desaceleração da atividade antecipada em função do aumento da renda das famílias, como reflexo da elevação do salário-mínimo, de benefícios sociais e do mercado de trabalho mais resiliente”. Apesar disso, a ata afirma que, no que se refere à atividade doméstica, prossegue o cenário de desaceleração antecipado pelo Comitê.
Para Anna Reis, economista-chefe da GAP Asset, ao falar de atenuação da desaceleração da atividade, o Copom também poderia estar de olho nos dados do quarto trimestre de 2023, que foram mais fortes do que o estimado e mostraram, segundo ela, “um ritmo maior do que seria o esperado em um cenário de economia desacelerando”.
Isso, observa, deixa uma “herança estatística” melhor para 2024. A GAP esperava queda de 0,3% do PIB no quarto trimestre de 2023, ante o terceiro, e, agora, vê ligeira alta de 0,1%.
“Outubro foi fraco, mas novembro e dezembro foram melhores. Nossa modelagem apontava um efeito defasado ainda bastante forte da política monetária apertada”, diz Reis.
Agora, ela projeta todos os trimestres de 2024 crescendo, na margem, entre 0,3% e 0,5% — o primeiro trimestre, por exemplo, deve avançar 0,4% sobre os três meses imediatamente anteriores.
Com isso, a GAP elevou sua projeção para o PIB do Brasil em 2024 de 1,3% para 1,7%. “A gente já vinha acumulando um viés altista por vários motivos”, afirma Reis.
Além do fim de ano mais forte em 2023, ela menciona o mercado de trabalho aquecido, não só porque a ocupação está elevada, mas também porque os ganhos salariais têm sido maiores. “Isso acendeu um alerta do BC, a massa salarial continua crescendo super forte”, afirma.
Outro motivo é o pagamento dos precatórios, que deve estimular de alguma forma o consumo, principalmente no primeiro trimestre, aponta.
No PIB, a indústria deve passar de 1,3% em 2023 para 2,4% neste ano, enquanto os serviços desacelerariam de 2,4% para 1,8%, pelas estimativas da GAP.
Houve, segundo Reis, surpresa já no fim de 2023 com a indústria extrativa, que também deve ajudar a indústria em geral a acelerar neste ano, após ficar praticamente estagnada em 2023 nas pesquisas do IBGE. “A indústria extrativa gerou um carregamento muito positivo para 2024 e ajuda a puxar a indústria, enquanto a transformação deve ficar meio de lado”, afirma.
Já a agropecuária passaria de um salto de 16% em 2023, por causa da safra recorde, para uma queda de 1,1% em 2024, mantendo o nível ainda bastante alto.
A expectativa da GAP é que o PIB desacelere de 2,9% em 2023 para 1,7% em 2023, mas, sem contar o agro, a perda de fôlego é bem menor, de 2,1% para 1,9%, observa Reis.
Ela não descarta um PIB em 2%. “De 1,7% para 2% está muito perto. Acho que 2% e um pouquinho o balanço de riscos comporta. Tem algumas pessoas com 2,5%, perto de 3%, aí me parece mais difícil”, afirma.
O Banco BOCOM BBM ajustou sua estimativa recentemente para o PIB do Brasil em 2024 de 1,4% para 1,6%, com queda de 2% na agropecuária, crescimento de 1,7% da indústria e alta de 1,9% nos serviços.
“Revisamos para cima refletindo um pouco tanto o que Haddad e Roberto Campos têm falado e também o que temos visto nos dados, principalmente de mercado de trabalho, que está muito saudável”, diz a economista-chefe Cecília Machado. “Isso, para mim, é um fator muito importante para o crescimento da economia em 2024”, afirma.
Machado vê um crescimento mais forte no primeiro semestre (0,3% e 0,5% no primeiro e no segundo trimestre, respectivamente, na margem), sobretudo por causa da “herança estatística” do fim de 2023, e alguma desaceleração ao longo da segunda metade do ano (0,2% no terceiro e no quarto trimestre).
Além do efeito estatístico e do mercado de trabalho dinâmico, Machado também cita impulso importante do pagamento dos precatórios, que deve ser um multiplicador relevante para a atividade no primeiro semestre, e uma melhora no mercado de crédito. “Todos esses são fatores para considerar os primeiros trimestres do ano mais favoráveis”, afirma.
Para Machado, chegar a um PIB de 2% em 2024 “não seria algo absurdo”, mas ela também diz que não colocaria todas as suas fichas nesse cenário, “porque tem muita incerteza”, afirma.
No balanço de riscos do BOCOM, o agro representa uma ameaça baixista à projeção central, enquanto a indústria é um risco altista e os serviços ainda podem “surpreender bastante”, afirma Machado. “Em um cenário otimista, em que tudo isso estivesse pegando força total, poderia ver um crescimento mais alto”, diz.
Em relatório publicado na semana passada, o Itaú Unibanco reforçou sua projeção de crescimento de 1,8% para o PIB em 2024, “mas com viés de alta”, observou. O Bradesco, outro dos grandes bancos brasileiros, já projeta um PIB de 2% em 2024.
“Os últimos dados de crédito divulgados pelo Banco Central mostram dinâmica mais positiva que o esperado nas concessões de crédito à pessoa física, algo que pode ajudar a manter o consumo sustentado também ao longo deste ano”, diz a equipe do Itaú, liderada por Mario Mesquita.
Além disso, o relatório do Itaú indica que alterações microeconômicas, como o Marco Legal das Garantias, tendem a estimular novas concessões ao longo do ano e que a revisão altista de crescimento global, puxado pelos Estados Unidos, também tende a contribuir positivamente para o Brasil.
No PicPay, que ajustou recentemente sua projeção de 1,3% para 1,8%, a visão é que um regime macro global “mais equilibrado” pode ajudar sobretudo a indústria brasileira em 2024, segundo o economista-chefe Marco Caruso.
Mais cauteloso, o Santander revisou também na semana passada seu PIB para 2024 de 1,2% para 1,5%, muito por causa dos impulsos fiscais. O PIB, segundo o banco, deve ser mais resiliente, sustentado pelo consumo das famílias e pelas despesas do governo.
Por outro lado, o Santander diz ver uma contribuição negativa do setor externo, mediante a queda na safra de grãos. “Haverá maiores dificuldades de recuperação nos investimentos, em meio à desaceleração da renda agrícola”, acrescenta, em relatório, a equipe comandada por Ana Paula Vescovi.
A ACE Capital também projeta crescimento de 1,5% para o PIB do Brasil em 2024. Mas há um leve viés de alta para o número, segundo Ricardo Denadai, CEO e economista-chefe. “Se colocar o 1,5%, o zero e o 3% e perguntar qual eu pego, eu pego o 3%”, brincou ele durante um evento do UBS algumas semanas atrás, reforçando que isso não significa que essa seria uma projeção.
Para Igor Barenboim, economista-chefe da Reach Capital, o resultado dos bancos mostra que o ciclo de crédito virou, com a inadimplência melhor. “Os bancos vão dar crédito”, afirma. Essa é uma tese importante, junto com os estímulos fiscais fazendo a economia girar, para ele projetar um PIB de 2,4% em 2024.
O Safra, que espera um PIB de 2,5% em 2024 já há algum tempo, diz ver uma “composição mais sólida” para o crescimento, com mais setores da economia contribuindo. Em relatório publicado também na semana passada, entre os riscos para esse cenário, a equipe do Safra cita a piora no ambiente fiscal brasileiro, situações climáticas adversas que impactem a inflação, demora maior dos impulsos de crédito de bancos para famílias e empresas e choques nas economias globais que atrapalhem os cortes de juro.