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sexta-feira 26 de janeiro de 2024 às 15:43h

PGR e PF dizem que Ramagem usou comissão do Congresso para acessar dados sigilosos após deixar Abin

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Principal alvo da operação First Mile da Polícia Federal (PF), deflagrada na última quinta-feira (25), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) se valeu segundo Johanns Eller e Rafael Moraes Moura, do O Globo, da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional para acessar dados sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) relacionados à investigação contra ele próprio por irregularidades durante sua gestão à frente do órgão.

É o que afirma ainda segundo a coluna de Malu Gaspar, o parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que deu sinal verde para o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a operação da PF. A polícia, por sua vez, classificou o parlamentar como um “risco” à integridade das investigações no relatório que embasou a First Mile justamente por compor o colegiado. O deputado, por sua vez, nega ter acessado informações sensíveis por meio da CCAI.

Ramagem é um dos 12 congressistas que integram a comissão, responsável pelo controle externo das atividades de inteligência no Brasil, e é investigado por um esquema de espionagem ilegal na Abin no período em que foi diretor-geral da agência, entre 2019 e 2021. .

Segundo o parecer, a CCAI teve acesso no ano passado a informações sensíveis dos inquéritos que apuram o monitoramento de pessoas tidas como adversárias do então presidente Jair Bolsonaro, como políticos, jornalistas, advogados, procuradores e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a gestão Ramagem.

Isso porque o colegiado aprovou em outubro do ano passado um requerimento em outubro do ano passado endereçado à Abin, ao Supremo, à PF e à Controladoria-Geral da União (CGU) para que fossem fornecidas todas as informações que embasaram a Última Milha, outra operação da PF deflagrada naquele mês que revelou detalhes sobre a arapongagem ilegal da agência. Ramagem consta como um dos autores do pedido, mas, questionado pela equipe da coluna, negou ter sido o autor e afirmou que a comissão jamais recebeu os documentos requisitados.

“Nenhum documento foi enviado à comissão, que eu tenha ciência. Houve justificativas da PF, CGU e da Abin para negar o pedido sob o argumento de que as investigações estão em andamento”, afirmou o deputado por telefone.

“Eu estou na CCAI em uma função parlamentar. Fui escolhido pelo partido [PL] e pela liderança da minoria. Eu não fui o autor de nenhum requerimento sobre a Abin. Votei a favor dele no plenário, logicamente. Nunca foi minha intenção estar ali para saber algo relacionado a mim enquanto investigado”.

Ao longo de 2023, Ramagem assinou sozinho cinco requerimentos solicitando documentos da Abin e outros órgãos de inteligência referentes a temas como os ataques do 8 de janeiro e movimentos sociais como o MST e o MTST, além de organizações não governamentais, sem relação com o First Mile.

Segundo registros da própria Câmara, todos os parlamentares presentes na sessão de 25 de outubro constam como signatários do requerimento. Além do ex-diretor-geral da Abin, assinam o presidente da comissão, deputado Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP) e os colegas de Câmara Carlos Zarattini (PT-SP) Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), além dos senadores Esperidião Amin (PP-SC) e Renan Calheiros (MDB-AL), que assume o comando do colegiado a partir de fevereiro.

A solicitação foi formalizada após o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Correa, prestar depoimento à comissão. Os congressistas consideraram os esclarecimentos insuficientes e decidiram, a despeito de Ramagem integrar o colegiado e ser investigado no caso, encaminhar o pedido aos órgãos responsáveis pela apuração, que não podem recusar requerimentos da CCAI.

Na ocasião, durante uma coletiva de imprensa, Barbosa, o atual presidente da comissão, relativizou os questionamentos à presença do ex-diretor-geral da Abin na comissão – e o seu acesso privilegiado a informações sigilosas.

“Ele é um parlamentar devidamente eleito”, minimizou. “Não podemos tomar medidas, nem adotar decisões baseados em hipóteses ou conjecturas.”

Para o PGR, Ramagem, homem de confiança da família Bolsonaro, teve acesso a “informações que jamais teria na condição de mero investigado” a partir da condição de membro da comissão, o que lhe garantiu acesso a dados sensíveis e sigilosos “em torno de fatos ilícitos de que ele é o principal investigado”.

Nesse sentido, ao criticar o suposto acesso de Ramagem a informações sobre inquéritos sigilosos em andamento, Gonet corroborou em parte as preocupações manifestadas pela Polícia Federal ao Supremo ao requisitar autorização para a deflagração da First Mile. Mas o procurador-geral se opôs ao afastamento de Ramagem do mandato de deputado federal requisitado pela PF, que também não foi acolhido pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Os investigadores argumentaram que a presença de Ramagem na CCAI representa uma ameaça aos trabalhos e sustentaram, ainda, que a participação em um órgão de controle externo “acaba por demover qualquer investigado sujeito ao órgão da plena colaboração”.

Gonet alegou que o afastamento de parlamentares de seu cargo consiste em uma atitude extrema e só poderia ser adotado se o risco a ser remediado for “contemporâneo ao momento em que a providência é analisada”. Neste momento, o Congresso está em recesso legislativo. O deputado bolsonarista integraria o colegiado até o fim do ano, mas admite que, após o relatório da PF, sua permanência deve ser alvo de questionamentos.

“Ninguém da comissão me procurou, mas tenho certeza de que haverá essa discussão. Irei debater com todos de forma bem tranquila. Vou colocar minhas questões e fazer minha defesa”, disse Ramagem à equipe do blog.

Como publicamos na última quinta-feira, Moraes incluiu na sua decisão uma espécie de “vacina” contra eventuais obstruções da investigação. O ministro do Supremo ressaltou que o pedido da PF para afastar Ramagem do cargo poderá ser analisado novamente “se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações”.

Questionado sobre o pedido para afastá-lo do mandato, o deputado disse ver na investigação da PF um esforço para incriminá-lo.

“O que está sendo investigado não tem relação com minha atividade parlamentar. Só estava fazendo parte da comissão para a qual fui indicado. Vejo que a representação não tem aspecto probatório nenhum e traz narrativas embutidas já solucionadas e esclarecidas para dar um fundamento [à tese de uma Abin paralela]”, declarou Ramagem.

“O problema é que a ordem e a segurança jurídicas estão distorcidas. Quem estava fiscalizando o uso do First Mile era eu. É uma invenção muito grande para poder me incriminar. Por que pedir meu afastamento da atividade parlamentar? Essa investigação não deveria nem estar no STF”.

Seus aliados, entre eles o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, tentam emplacar a narrativa de que o parlamentar é vítima de perseguição política, já que Ramagem é pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro.

Indagado sobre o monitoramento ilegal pelo First Mile apontado pela PF, o parlamentar disse ter apurado irregularidades no uso do software durante sua gestão na Abin e alegou que, mesmo à frente da agência, não tinha condições de acompanhar a conduta de todos os servidores.

“O pessoal consultava sem indicar de onde veio o pedido, o porquê e a conclusão [da vigilância]. Como diretor-geral, eu fiz minha parte. Dei início a uma auditoria do sistema [First Mile] para mostrar que seria necessária uma melhor regulamentação”, afirmou Ramagem. “Não fiz nenhum pedido [de monitoramento], direto ou indireto, formal ou informal, e nenhum plano de operação da direção-geral usou o First Mile”.

A ferramenta de origem israelense, fornecida no Brasil por uma companhia chamada Cognyte, permite rastrear a localização das pessoas por meio dos metadados fornecidos pelas antenas de celular a torres de telecomunicações.

O First Mile foi comprado pela Abin por R$ 5,7 milhões de reais sem licitação no final do governo Michel Temer. Mas a espionagem indiscriminada de brasileiros apontados como desafetos do governo Bolsonaro se deu exclusivamente durante a gestão de Ramagem na agência, segundo a PF.

Em março passado, O GLOBO revelou que o software vinha sendo usado para monitorar a localização de milhares de pessoas sem autorização judicial, sob a alegação de necessidade por “segurança de Estado” quando o atual deputado estava à frente da Abin.

A operação Última Milha da Polícia Federal, deflagrada em outubro, descobriu que a Abin realizou mais de 33 mil monitoramentos via First Mile entre 2019 e 2021. Entretanto, agentes da PF só encontraram no controle de operações da agência dados referentes a 1,8 mil monitoramentos. Os demais 31.200 teriam sido destruídos. Ramagem afirma que nenhum deles teria partido da cúpula da Abin.

Na ocasião, foram presos dois servidores da Abin, Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky, que teriam participado do monitoramento ilegal e se utilizado do envolvimento no esquema para desmobilizar investigações internas da própria Abin movidas contra a dupla. A operação também mirou outras 20 pessoas, entre elas o então diretor de logística da Abin, Paulo Maurício Fortunato, afastado por Moraes no mesmo dia.

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