Segundo Maria Tereza Santos, na Folha de S. Paulo, em 2018 começaram a surgir nas redes sociais e nos consultórios relatos de pessoas sofrendo com estresse, medo e ansiedade devido a um dos períodos eleitorais mais polarizados desde a redemocratização do Brasil. Nas eleições de 2022 o cenário é semelhante, e a divulgação de pesquisas eleitorais podem tornar os sintomas ainda mais fortes.
Bruno (nome fictício), 37, sentiu pela primeira vez os efeitos das previsões nas eleições de 2014, quando o segundo turno foi disputado por Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Quatro anos depois, no pleito que elegeu o presidente Jair Bolsonaro (PL), sentiu sua saúde mental ruir com a divulgação das pesquisas.
A situação não mudava se o candidato de sua preferência surgia com alguns pontos de vantagem, e até piorava com os dados de rejeição. Sintomas graves de ansiedade e estresse marcaram o período eleitoral para o funcionário público.
“Agora eu estou evitando, porque de fato faz muito mal para mim, eu fico bem mais ansioso, muito mais apreensivo nesse período. E esse ano eu resolvi que eu não queria ver. Essas coisas chegam até a gente, não tem jeito, os dados. Mas eu não busco a informação”, diz.
Os sintomas de Bruno já são observados por especialistas, que recebem pacientes com queixas relacionadas ao processo eleitoral. As pesquisas se somam a outros gatilhos observados no período.Continua depois da publicidade
“A gente tem percebido cada vez mais um efeito destrutivo das questões eleitorais no bem-estar da população, especialmente nesta que é uma das mais importantes desde a redemocratização. Já estou recebendo pacientes citando essas questões como gatilhos para geração de estresse e ansiedade”, relata o psiquiatra Rogério Arena Panizzutti, professor associado do Ipub-UFRJ (Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Nos Estados Unidos, onde também se formou um ambiente político polarizado nas duas últimas eleições presidenciais, a saúde mental da população também foi afetada pelas pesquisas eleitorais.
O relatório “Estresse na América”, publicado anualmente desde 2007 pela APA (Associação Americana de Psicologia, em português), mostrou que o acirramento observado pelas pesquisas eleitorais nas duas edições – Donald Trump e Hillary Clinton, em 2016, e Trump e Joe Biden, em 2020 –, levou os eleitores dos três presidenciáveis a um alto nível de estresse.
Em 2016, 59% dos republicanos responderam que o período eleitoral era uma fonte de esgotamento, ante 55% dos democratas. Já em 2020, a quantidade de eleitores estressados subiu dos dois lados, mas ainda mais entre os democratas: para eles, a taxa ficou em 76%, enquanto para os republicanos, ficou em 67%.
Em um outro trabalho, cientistas da Universidade de Michigan acompanharam os relatos de 80 jovens americanos, de 14 a 24 anos, desde uma semana antes até quatro meses após as eleições de 2016 nos EUA. O resultado mostrou que só a expectativa da vitória de Donald Trump naquele ano fez com que sentimentos de nervosismo, ansiedade e medo fossem predominantes entre os participantes.
De acordo com a psicóloga Renata Paparelli, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o efeito no emocional de cada um pode variar de acordo com o desempenho do candidato de sua preferência.
“Há uma gama de sentimentos, que envolvem ansiedade, medo, raiva, esperança, ódio. O cenário eleitoral deste ano promete ser muito mobilizador nesse sentido e daí vai um pouco na linha do que as pesquisas vão apontando. A própria polarização intensifica esses afetos”, informa.
O psiquiatra Panizzutti concorda que o desempenho nas pesquisas influencia a forma como o eleitor é impactado. “Quando um candidato se apresenta contrário aos pensamentos do indivíduo, com posicionamentos que o assustam, provoca um aumento de estresse e ansiedade. Percebemos muito isso na última eleição presidencial”, complementa.
No cenário brasileiro, onde Lula (PT) e Bolsonaro aparecem à frente, a falta de alternativa pode afetar especialmente aqueles que buscam uma terceira via.
Segundo Panizzutti, isso está associado às incertezas em relação ao futuro da situação política e econômica do Brasil, que influencia em todas as áreas da vida, incluindo a sensação de bem-estar e a expectativa de atingir os objetivos planejados.
“As pessoas que não querem nenhum dos dois também ficam preocupadas com o cenário que vem à frente. A questão é a perspectiva futura que danifica a saúde mental por ser incerta. Isso é gasolina na fogueira da ansiedade”, complementa o psiquiatra.
Para diminuir o adoecimento mental no período, a principal orientação dos profissionais para não surtar nesse momento é se informar com cautela e, caso necessário, se afastar um pouco das notícias.
“Eventualmente temos que pedir para os pacientes se afastarem um pouco da discussão e notícias políticas e criarem um filtro para que se protejam dessas ameaças potenciais”, diz Panizzutti.
Já Paparelli lembra que o processo eleitoral não se resume às pesquisas, então é importante não olhar os dados divulgados como verdades absolutas. Além disso, a psicóloga também recomenta ter cuidado com notícias falsas, ficar de olho na fonte e qualidade das informações e, se possível, formar uma rede de apoio.
“Que tal aproveitar este momento para pensar junto com outras pessoas que tipo de projeto você deseja para o país, que tipo de questão quer combater e enfrentar? Essa é mais uma medida protetiva da saúde mental porque você compartilha experiências com os outros e vice-versa.”