Representando a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Ricardo Gazzinelli alertou que muitas vezes os meios de comunicação transmitem a impressão de que a vacina está “pronta para ser distribuída”, mas é preciso aguardar os resultados e discutir a eficácia da vacina pendente de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A agência reguladora costuma aprovar vacinas com eficácia de pelo menos 70%, disse Gazzinelli, mas os critérios foram reduzidos diante da urgência necessária para obtenção da vacina e da rapidez com que os testes estão sendo conduzidos.
— Não queremos dar uma impressão errada para população de que temos uma vacina que funcione de fato — ponderou.
Para o pesquisador, enquanto em condições normais de desenvolvimento de vacinas é aceitável um ensaio clínico de um ano, no caso da covid-19 não haverá tempo hábil para verificação da resposta imune: ele lembrou que, quando se antecipa muito o teste clínico, o número de pessoas infectadas vai cair simultaneamente ao poder estatístico da amostra.
Ricardo Gazzinelli ainda salientou a posição da SBI, que considera a vacinação em massa como única forma de alcançar imunidade de rebanho, desde que acompanhada da manutenção das regras de distanciamento social e do monitoramento de casos.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Guilherme Werneck, afirmou que é necessário desde já estabelecer um plano para a vacinação ampla e enfrentar os problemas decorrentes de uma operação desse porte. Ele criticou, por exemplo, a exigência de identificação nos postos de vacinação, pois parte da população não tem acesso a documentos de identidade e a verificação geraria aglomerações desnecessárias.
Werneck manifestou confiança numa articulação nacional entre os entes federados sob a coordenação do Programa Nacional de Imunizações, que considera capacitado para promover uma imunização em massa, mas alertou que a vacina ainda não poderá ser para todos.
— Não há tempo, nem logística, nem vacinas para imunização de toda a população. É preciso priorizar conforme o critério sanitário — lamentou, ao mesmo tempo em que classificou como “temerário” investir em um único modelo de vacina.
Respondendo às perguntas, o vice-presidente da Abrasco criticou firmemente o movimento antivacina, que vê como um problema crescente alimentado por informações falsas.
— Os governos fazem pouco para convencer a população da importância da vacina. É importantíssimo aplicar recursos numa campanha de massa para enfrentar essa rede de fake news.
Jorge Callado, presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) — que desenvolve uma vacina em parceria com a Rússia — cobrou prudência e eficácia na busca de soluções, lembrando que a ciência “não queima etapas” e todas as fases de desenvolvimento precisarão ser cumpridas para a segurança dos produtos. Ele também considera importante que o Brasil tenha várias opções de vacina, desde que assegurada a transferência de tecnologia para produção dentro do país.
Callado avalia que as dúvidas pendentes sobre as primeiras fases dos testes da vacina russa já foram sanadas através da publicação de estudos científicos, e espera que a fase 3 dos testes no Brasil possa ser concluída com êxito para que a vacina obtenha registro na Anvisa.
Enquanto isso, Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, argumenta que a vacina em estudo conjunto com a universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca foi a escolhida pelo instituto por estar em estágio mais avançado de pesquisa, além de oferecer melhor aproveitamento da capacidade instalada de produção de vacinas no Brasil. Ele espera que em janeiro de 2021 a fórmula já possa ser produzida em escala industrial para a aprovação da Anvisa.
— Temos uma estimativa de entrega a partir de fevereiro, com o registro. Toda essa operação está sendo feita a preço de custo, com a previsão de 200 milhões de doses em 2021 — prevê Krieger.
Raul Machado Neto, diretor de Estratégia Institucional do instituto Butantan, considera pertinentes as preocupações com a transparência dos processos produtivos e dos ensaios clínicos, mas manifestou confiança na vacina pesquisada em convênio com a China. A parceria com o laboratório Sinovac, segundo ele, também inclui transferência de tecnologia para fabricação das vacinas no instituto.
— Esperamos para o segundo semestre do ano que vem uma capacidade de produção de 100 milhões.
Juvenal de Souza Brasil Neto, diretor-adjunto da Anvisa, esclareceu que não há um parâmetro fixo de verificação de eficácia de vacinas: segundo ele, tipicamente espera-se 70% de eficácia, mas o contexto permite relaxar a exigência para 50% mediante “exame de risco-benefício”.
— Isso não significa uma imunização maior ou menor da população em função desse número — ressaltou.