Pela primeira vez na história, a Justiça Eleitoral terá dados públicos sobre as candidaturas da comunidade LGBTQIA+. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) colocou conforme Raphael Di Cunto, do jornal Valor, um campo à disposição para que os candidatos declarem, se quiserem, qual sua orientação sexual: heterossexual, lésbica, gay, bissexual, assexual ou pansexual. E também poderão identificar, além do tradicional masculino/feminino, qual sua identidade de gênero: se cis (que se identifica com seu gênero de nascimento) ou trans (que se apresenta e identifica com gênero diferente do seu nascimento).
Os dados, inéditos, estarão disponíveis após pressão de movimentos sociais que lutam pelo aumento da diversidade na política. Apesar disso, a situação passou praticamente despercebida. A resolução foi aprovada pelo TSE em fevereiro e os movimentos não quiseram fazer barulho, segundo o diretor-executivo do VoteLGBT, Gui Mohallem, para evitar que a pressão dos conservadores levasse a um recuo do TSE, como já ocorreu com o governo Lula (PT) e o novo RG, que manteve no documento a distinção entre nome social e nome de registro, além do campo “sexo”.
“A disputa por qualquer política pública no futuro passa por esses dados. Até então, todos os estudos são com base em dados elaborados pela sociedade civil. Agora, serão dados produzidos pelo Estado, o que dá mais força a eles”, afirma Mohallem.
Com essas informações em mãos, os movimentos acreditam que será possível comprovar o subfinaciamento das candidaturas da comunidade LGBT, a falta de espaço decisório dentro dos partidos e também a violência política contra seus integrantes. Além disso, poderão mapear seus representantes eleitos pelo país e cruzar informações para saber quais partidos dão mais espaço para essa população.
Para a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), a própria decisão do TSE para incorporar esse campo no registro das candidaturas ocorreu por causa da chegada a mais espaços de poder. “Parece um detalhe, e algumas vezes nos foi questionado isso, mas faz uma diferença enorme para a população LGBT”, afirma. A decisão do tribunal ocorreu após reuniões com o então presidente e ministro Alexandre de Moraes. “Quem ganha é a sociedade brasileira quando a diversidade adentra esses espaços de debate”, comentou Daiana.
Diferentemente dos dados sobre profissão, escolaridade e raça, as informações sobre identidade de gênero e orientação sexual não são obrigatórias. Mas isso é apoiado pelos movimentos sociais que fizeram a solicitação ao TSE. “É uma escolha pessoal. Cada um deve fazer o cálculo sobre se quer expor isso ou não. Somos o país que mais mata trans no mundo. É natural que alguns não queiram divulgar essa informação”, explica Mohallem. “Mas o importante é que as candidaturas têm aumentado a cada eleição. Em 2014, quando o VoteLGBT começou a fazer esse levantamento, contávamos nos dedos os candidatos LGBTQIA+. Hoje são mais de 500 que se cadastraram no nosso site”, diz.
Com os dados não obrigatórios, parte dos registros de candidaturas divulgados no site do TSE terá apenas a informação sobre gênero (masculino ou feminino). É o caso da chapa de vereadores do PL no Rio de Janeiro: dos 50 registrados, apenas um forneceu a informação de que é “cis” e nenhum indicou qual sua orientação sexual.
Presidente do diretório municipal do PL no Rio, Bruno Bonetti afirma que o partido fez essa opção por uma questão de privacidade e para agilizar o registro e liberação do CNPJ das candidaturas. “A gente não precisa botar esse aposto em nenhum candidato nosso. Não é uma questão relevante para a gente isso”, diz.
Já para a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), uma das primeiras trans a ser eleita para a Câmara, a decisão do TSE é histórica e ajudará a mudar a política. “O não dado acaba sendo um dado também, né? Que mostra que alguns partidos estão pouco interessados em promover maior igualdade e combater essa desigualdade de gênero”, afirma.