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domingo 28 de agosto de 2022 às 07:34h

Pedidos de demissão voluntária aumentam e batem recorde em um ano

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São quase 6,2 milhões de desligamentos voluntários em 12 meses; condições de trabalho e pouca flexibilidade são alguns motivos

Nos últimos 12 meses, quase 6,2 milhões de brasileiros pediram demissão de seu emprego estável, com registro na carteira de trabalho e contrato regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Esse número equivale a um terço de todos os desligamentos registrados no período, 18,7 milhões, um recorde do Brasil. As dispensas voluntárias também bateram recordes mensais, trimestrais e semestrais, segundo informações do Caged (Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados).

Segundo o portal R&, não seria coincidência esses números terem subido ao mesmo tempo em que escolas, universidades e a maioria das empresas retomavam as atividades presenciais que ficaram suspensas durante a pandemia da Covid-19. Economistas e consultores de Recursos Humanos afirmam que a alta nos desligamentos voluntários está diretamente relacionada com as mudanças no mercado de trabalho decorrentes do período de isolamento social.

Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, diz que há duas razões principais: a primeira é o início do processo de normalização das contratações, e a segunda, o trabalho remoto. “As pessoas que durante os dois anos de pandemia aceitaram empregos com remuneração mais baixa, estão voltando para posições mais condizentes com suas habilidades. Além disso, com a experiência do home office, muitos funcionários repensaram suas relações de trabalho, e não querem mais gastar tempo com deslocamento, trânsito, transporte público, etc..”, analisa.

“Essas demissões podem ser explicadas pela insatisfação com as condições de trabalho oferecidas pelas organizações. Cada vez mais os trabalhadores estão procurando por oportunidades que façam sentido para o seu estilo de vida. Por esse motivo, quem tem condição de escolher onde trabalhar, acaba optando pelo trabalho remoto”, afirma Leonardo Casartelli, diretor geral do Empregos.com.br.

Ele afirma que o perfil do trabalhador mudou na pandemia. “É claro que existem aqueles que não podem se dar ao luxo de ficar fora do mercado de trabalho, mas hoje os profissionais estão mais interessados em se qualificar, migrar de área e alcançar melhores oportunidades”, conta Casartelli, que também relata que a procura por cursos de especialização teve um boom durante a pandemia.

Uma pesquisa da empresa de recrutamento Robert Half mostra que, entre os motivos que levam profissionais com mais de 25 anos a buscar um novo emprego, estão a busca de um salário melhor, para 37% dos entrevistados, o desejo de aprender algo novo (para 19%) e a expectativa de melhorar a qualidade de vida (para 12%).

“Existe uma exigência maior por parte dos colaboradores em relação às condições de trabalho oferecidas pelas empresas. Muitos buscam por organizações com políticas mais flexíveis e benefícios que vão além dos convencionais”, completa o diretor do Empregos.com.br.

Trabalho híbrido

Não se pode esquecer que, além de mais conveniente para o trabalhador, o trabalho remoto, em muitos casos, é a única opção para as empresas que reduziram seu espaço físico no período de isolamento social. Grande parte delas adotou o regime de trabalho híbrido, com a ida ao escritório em apenas alguns dias da semana.

Diversos estudos apontam que trabalhar alguns dias em casa e outros na empresa é a modalidade mais adequada à nova realidade: torna os trabalhadores mais felizes e produtivos. Um exemplo é a pesquisa EY Work Reimagined 2022, realizada pela consultoria EY, que envolveu mais de 17 mil trabalhadores e 1.575 empregadores de 26 setores, em 22 países.

Do Brasil, foram cerca de 600 respondentes, dos quais 53% disseram que preferem trabalhar de forma remota entre três e quatro dias por semana; no cenário global, foram 38%. Quanto a trabalhar remotamente de zero a um dia por semana, no mundo foi a preferência de 20%, mas só de 9% dos brasileiros.

A insatisfação geral com o emprego também está elevada: no mundo, 43% dos trabalhadores afirmam ser provável deixarem seu atual empregador no próximo ano, enquanto no Brasil, esse percentual é de 50%. Isso se reflete na rotatividade dos empregados que, para 68% dos empregadores entrevistados, aumentou nos últimos 12 meses.

“Em alguns casos, mesmo que o salário e os benefícios sejam bons, o colaborador não se sente satisfeito no trabalho. Se ele busca por crescimento profissional ou melhores condições, trocar de área ou de empresa pode ser uma solução plausível, pensando no futuro da sua carreira. É importante saber o que é o ideal em termos de remuneração e qualidade de vida”, diz Casartelli, do Empregos.com.br.

Outro estudo, realizado pela Eaesp/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas), em parceria com o PageGroup e a PwC Brasil, mostra que 71% dos colaboradores esperam mudanças no ambiente de trabalho, rumo a uma maior flexibilização. Além disso, 72% dos executivos dizem acreditar que a chefia se adaptou bem ao trabalho remoto.

Em uma pesquisa sobre as tendências do trabalho, o grupo Adecco, que atua no segmento de Recursos Humanos, comprovou que o modelo híbrido é a grande preferência do trabalhador: 53% dos entrevistados disseram almejar um trabalho neste modelo, e 82% revelaram que se sentem tão produtivos ou mais, em comparação com o modelo presencial, no escritório.

A consultoria Robert Half, em um estudo recente, também mostra que 39% dos brasileiros consideram buscar um novo emprego, caso a empresa onde trabalham deixe de oferecer a possibilidade do trabalho em home office ou no modelo híbrido.

Outros recordes

Em março, 603.136 postos de trabalho ficaram vagos por vontade dos próprios funcionários. Esse número equivale a 30% dos 1,8 milhão de demissões realizadas naquele mês, o que significa que, a cada três desligamentos, um foi voluntário. No comparativo com março de 2021, a taxa de demissão voluntária aumentou 37%, quando foram registrados mais de 437 mil desligamentos solicitados pelos trabalhadores.

O segundo maior valor foi registrado em maio, quando 572.364 trabalhadores pediram para deixar seus empregos. São considerados os dados desde 2020, ano em que teve início a série histórica de contagem pelo Caged (Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No primeiro trimestre deste ano, mais de 1,7 milhão de trabalhadores pediram demissão, quantidade 70% maior do que a registrado no mesmo período de 2021, quando ocorreram 1 milhão de desligamentos voluntários.

Debandada

As expressões em inglês great resignation, big quit e great reshuffle, que significam “a grande demissão” ou “debandada”, são usadas para falar das demissões voluntárias em massa, que começaram no fim de 2020 e início de 2021, nos Estados Unidos, em alguns países da Europa, China e Índia – movimento semelhando ao observado nos últimos meses no Brasil.

As motivações mais prováveis seriam a estagnação salarial com aumento do custo de vida, insatisfação no trabalho, preocupações com a segurança na pandemia da Covid-19 e a vontade de trabalhar para empresas com políticas de trabalho remoto. Os pedidos de demissão começaram, tanto no país quanto no exterior, com o aumento das taxas de vacinação.

Em abril de 2021, 4 milhões de trabalhadores pediram demissão nos EUA. Dois meses depois, em junho, foram registrados mais 3,9 milhões de desligamentos voluntários naquele país e, apenas entre setembro e outubro, 8,5 milhões de pessoas saíram de seus empregos, sem ter outro trabalho em vista. No ano, quase 40 milhões de trabalhadores pediram demissão. Os setores mais atingidos são os de restaurantes e hotéis, que exigem mais interações pessoais.

Para o diretor geral do Empregos.com.br, o que está acontecendo no Brasil é muito semelhante ao movimento observado nos Estados Unidos. “A pandemia mudou as expectativas dos profissionais em relação ao futuro do trabalho. Para muitos trabalhadores, a experiência do home office nos últimos dois anos mostrou que é possível manter a produtividade sem a necessidade de estar no escritório, tudo isso conciliando suas vidas pessoais com o serviço. Hoje, a flexibilidade virou um desejo profissional, e voltar ao modelo ‘antigo’ pode ser visto como um passo para trás”, diz.

A busca pelo equilíbrio entre vida e trabalho, que já estava se tornando uma prioridade para os profissionais, foi potencializada no período da pandemia, principalmente nas fases mais intensas de lockdown. Houve tempo para buscar mais informação, olhar mais fortemente para seus propósitos e analisar o alinhamento às organizações”, explica Gustavo Costa, sócio-fundador da consultoria de recursos humanos Unique Group, especializada na contratação de executivos.

As pessoas que decidem rescindir o vínculo com o empregador não estão insatisfeitas exclusivamente com o trabalho, mas com seu estilo de vida. “Abrir mão do emprego e tentar novas experiências se apresenta como um caminho para buscar satisfação e felicidade”, afirma Márcio Monson, fundador e CEO da Selecty, empresa de tecnologia para recrutamento e seleção.

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