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sexta-feira 18 de novembro de 2022 às 07:45h

PEC da Transição pode gerar déficit até o fim do governo de Lula e turbinar dívida pública

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A chamada “PEC da Transição”, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo novo governo para garantir o Bolsa Família de R$ 600 e recompor verbas de programas sociais e investimentos, tem potencial de gerar um rombo nas contas públicas — quando as despesas são maiores que as receitas — que deve se estender até o fim do mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. As informações são de Eliane Oliveira, Manoel Ventura, Ana Rosa Alves* e Daniela Chiaretti*, do O Globo e Valor Econômico*.

Cálculos de economistas levam em conta o teor do texto apresentado ao Congresso na quarta-feira (16), que exclui quase R$ 200 bilhões do teto de gastos, a regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas.

Gerar déficits consecutivos até 2026 acarretaria problemas, como endividamento maior nos próximos anos, ampliando inflação e juros e reduzindo investimentos e crescimento econômico com a piora do cenário fiscal. Além disso, declarações feitas pelo presidente eleito na COP27 no Egito pioraram a percepção em relação à conjuntura atual.

Dívida de 100% do PIB

Pela segunda vez, Lula criticou o teto de gastos, dispositivo constitucional que proíbe o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior. Logo após as falas, houve impacto no mercado, o que acabou sendo amenizado ao fim do pregão com o anúncio da saída do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega da equipe de transição.

Lula disse que não adianta só pensar em dado fiscal e que tudo que a regra faz é “tirar dinheiro da saúde, da educação, da cultura”.

— Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não tira um centavo do sistema financeiro. Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, o dólar vai aumentar? Paciência. O dólar não aumenta e a Bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia — afirmou.

No formato apresentado, a PEC da Transição terá custo de R$ 198 bilhões por ano. Para analistas, o endividamento pode se aproximar de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim do mandato de Lula. Além do custo, o prazo indefinido e a falta de transparência quanto ao uso dos recursos preocupam os especialistas.

Hoje, a dívida é de 77,1% do PIB. No seu pico histórico, atingiu 89% do PIB em outubro de 2020, em meio aos vultosos gastos com a pandemia, segundo dados do Banco Central. Para Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, retirar tanto dinheiro do teto de gastos pode provocar aumento acelerado da dívida bruta.

A XP calcula que pode haver crescimento a um patamar acima de 100%, dependendo dos juros, nos próximos quatro ou cinco anos.

— Todos esperavam uma despesa de R$ 70 bilhões com o Bolsa Família, mas o tamanho da conta é de mais de R$ 200 bilhões. Se a dívida cresce, ou o governo sobe impostos ou gera inflação — disse Megale.

Dívida alta gera taxa de juros elevada, pois a percepção dos investidores é que é preciso oferecer remuneração maior para aceitar o risco. Isso também gera inflação e menor crescimento. O nível de endividamento do Brasil já é elevado em comparação com outros emergentes, que têm dívida bruta ao redor de 65% do PIB, segundo o FMI. Além disso, a dívida é mais cara, o que drena recursos da economia.

Com a PEC, o endividamento volta a crescer e, no ano que vem, deve retomar o patamar do auge dos gastos para conter a Covid-19, segundo Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista do ASA Investments.

Ele prevê, caso a proposta de Lula seja aprovada, déficit fiscal de 2,6% do PIB em 2023, devido ao aumento de gastos — perdendo só para 2020, quando o rombo foi de 10% do PIB, e igualando ao resultado de 2016, quando o país estava em crise fiscal.

Segundo ele, os R$ 200 bilhões por ano fora do teto corroem toda a economia com a reforma da Previdência em dez anos, de R$ 800 bilhões.

Simulações dos economistas Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, Marco Bonomo e Paulo Ribeiro, do Insper, apontam que o déficit chegaria a 0,66% do PIB em 2023, sendo quase eliminado só em 2026. Eles estimam que a dívida pública entrará em trajetória de rápido crescimento, superando 96% do PIB no fim do governo Lula.

Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper, disse que há risco de “desancoragem” da política fiscal.

— Os juros vão subir muito, a inflação vai subir, e a economia tende a entrar em um processo de expectativas negativas, gerando crise similar ao que aconteceu em 2014 — disse Mendes, referindo-se à recessão que durou até 2016.

O diretor de Macroeconomia do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, estimou avanço da dívida bruta para 83% a 84% do PIB já no fim do ano que vem e a 90% ao fim de 2026.

Outro ponto citado por economistas como sinal ruim é o fato de, aparentemente, a equipe de transição com os economistas Persio Arida, André Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Mello estar fora das discussões sobre a PEC da Transição.

Além disso, há uma negociação política que definiu gastos acima do teto que não é conduzida pelo futuro ministro da Economia de Lula, ainda não conhecido.

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin lembrou que Lula assumiu em 2003 com as contas no azul. E disse que o novo governo terá superávit, mas não agora:

— Haverá superávit primário e redução da dívida, mas isso não se faz em 24 horas, se faz no tempo. Não há razão para ter esse estresse. (*Do Valor)

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