A PEC da contenção de gastos apresentada pelo governo Lula nesta semana abriu um flanco de desentendimentos também com o Judiciário. Com previsão para limitar penduricalhos remuneratórios ao teto do funcionalismo público, a proposta pegou de surpresa magistrados, que acusam o Executivo de populismo.
Segundo blog da Andréia Sadi, essa PEC 45/2024 prevê que verbas remuneratórias ou de caráter indenizatório só poderão exceder o teto do funcionalismo, hoje em R$ 44.008,52, se expressas especificamente em lei complementar. Na prática, cria mais uma barreira para o pagamento de benefícios extra-teto e submete ao Congresso Nacional a aprovação.
Interlocutores de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmam que a medida não foi debatida previamente. Na quarta-feira (4), conselhos de presidentes de tribunais de Justiça, da Justiça Militar, do Trabalho e da Justiça Federal soltaram uma nota criticando a medida, afirmando carecer de “estudos técnicos” e ser “imprescindível” o diálogo do governo com os setores afetados.
Após a repercussão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conversou com o presidente do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Luís Roberto Barroso. Os dois participaram de um evento organizado pelo Jota e o petista aguardou Barroso para poderem conversar a sós.
Segundo relatos, Barroso afirmou estar atento à questão do teto remuneratório e disse que o Judiciário está empenhado em contribuir com a contenção de gastos. Ele argumentou, no entanto, que limitar as verbas indenizatórias ao teto do funcionalismo poderia achatar os salários e gerar uma onda de pedidos de aposentadoria na magistratura. Nesse caso, a economia seria inócua porque, além das aposentadorias, a União arcaria com as despesas de novos concursos e novos salários.
O blog da Andréia Sadi consultou CNJ e a Fazenda e ninguém soube informar qual seria o impacto fiscal da mudança sugerida na PEC. Como o texto não especifica quais benefícios poderiam ser excetuados, não é possível fazer uma previsão precisa.
Parlamentares aliados do governo temem que a inclusão do assunto na PEC atrase ainda mais a sua tramitação. O Congresso ameaça disciplinar os supersalários, tendo até criado uma comissão especial na Câmara, sem, contudo, ter conseguido avançar. O lobby do funcionalismo e a pressão de magistrados sempre bloqueou o andamento dessa pauta.
O blog da Andréia Sadi ouviu quatro magistrados. Um deles argumentou que como o orçamento do Judiciário já é limitado pelo teto de gastos, novo penduricalhos precisam sempre estar dentro do valor definido anualmente. Quando as verbas indenizatórias deixem de ser pagas, é provável que o recursos sejam utilizados para outro fim.
Outra juíza afirmou que a medida é uma cortina de fumaça para agradar o mercado, insatisfeito com o alcance das medidas anunciadas por Haddad. Acusou o governo de populismo
No final de novembro, ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e TST (Tribunal Superior do Trabalho) aprovaram o pagamento para eles mesmos o pagamento do quinquênio retroativo desde 2006, quando o benefício deixou de ser pago. Trata-se de um acréscimo de 5% nos salários a cada cinco anos de serviço. A aprovação, contudo, condicionou os pagamentos ao teto do funcionalismo.
Pacote de contenção de gastos
O governo vem enfrentando dificuldades para fazer avançar o pacote proposto para cortar gastos. No Congresso, há reclamações sobre liberação de emendas e insatisfação com as medidas adotadas por Flávio Dino, a quem veem como fazendo um jogo casado com o Executivo.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) criticou a dificuldade da gestão Lula para aprovar as medidas.
“Hoje, o governo não tem votos sequer para aprovar as urgências dos PLs. A PEC, eu coloquei na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça], pedi para ser extrapauta e foi retirado — a pedido do governo —, porque acho que não tinha a certeza de ter os mínimos votos para aprovar a admissibilidade da PEC na CCJ”, afirmou o deputado em evento do portal “Jota”.