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terça-feira 3 de outubro de 2023 às 09:33h

Pautas no STF e disputa por conselhos tutelares indicam direita organizada a um ano das eleições municipais

NOTÍCIAS, POLÍTICA


A mobilização da direita em torno de temas que estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) impulsionou campanhas de oposição à legalização do aborto e disseminação de fake news que relacionam o governo à suposta liberação de banheiros unissex em escolas, mas revelou também a antecipação de estratégias que deverão ser adotadas na eleição municipal que acontecerá daqui a um ano. Uma prévia dessa organização foi vista durante o fim de semana, quando políticos do campo conservador se empenharam na disputa eleitoral de conselhos tutelares, que teve votação recorde no domingo. As informações são de Marlen Couto, Julia Noia e Luísa Marzullo, do Jornal O GLOBO.

O pleito registrou alto comparecimento nas urnas, diante de campanha ostensiva de parlamentares para preencher as 30 mil vagas no país. Em São Gonçalo (RJ), por exemplo, Pamela do Otoni foi eleita para o conselho com apoio do deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ). Maria Carolina Marquez Zamboni, que foi escolhida para uma das vagas em Campo Grande, já posou em foto ao lado do deputado estadual Rafael Tavares e do federal Gustavo Gayer (PL-GO).

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A disputa nos conselhos interessa a políticos por permitir que eles elejam aliados que vão ter contato direto com a população e prestar serviços na ponta da sociedade. A vitória de seus indicados lhes ajuda a ganhar capilaridade e a levar suas bandeiras ideológicas a locais como escolas e comunidades. Cabe ao conselheiro tutelar zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes. Eles agem em casos de vulnerabilidade de menores de idade, como abandono e maus tratos.

A eleição também reverberou nas igrejas. Um levantamento do GLOBO com base nos dados de 11 capitais identificou ao menos 99 conselheiros eleitos que são declaradamente evangélicos nas redes sociais — o que equivale a cerca de 10% das vagas disponíveis nessas cidades. Esse segmento religioso teve forte vinculação com o bolsonarismo. Entre os nomes, há o caso de Edilene Barros, em Fortaleza, que recebeu pedidos de apoio do marido, pastor Osires Pessoas Jr, da Igreja Assembleia de Deus Montese, além de contar com o apoio da médica Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina.

As solicitações de voto dentro dos templos geraram percalços judiciais. No Rio, denúncias foram feitas em relação à Igreja Batista Lagoinha e na Universal Reino de Deus. Por este motivo, o resultado do município foi adiado. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) enalteceu o trabalho da igreja na eleição de nomes conservadores:

— A Igreja Universal fez um trabalho impecável. Tem vários conselhos que dos cinco eles elegeram três — disse.

Em outra frente, a direita tem se organizado em pautas de costume nas redes sociais. Impulsionada por aliados de Bolsonaro, a falsa associação entre o governo e uma suposta norma para liberar banheiros unissex gerou mais de 185 mil publicações no X (ex-Twitter) entre 18 de setembro e o último domingo, de acordo com levantamento da consultoria Arquimedes a pedido do GLOBO. Os dados mostram que a oposição a Lula somou 69% dos perfis e 66% das interações em postagens sobre o tema. O destaque foi o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que compartilhou a publicação com maior alcance na rede social, mas postagens semelhantes foram compartilhadas por parlamentares como Filipe Barros (PL-PR), Carlos Jordy (PL-RJ), Sergio Moro (União-PR) e Rosangela Moro (União-SP).

No vídeo de Nikolas, que teve quase 900 mil visualizações e circulou em diferentes plataformas, o parlamentar diz que Lula decretou o banheiro unissex no Brasil. Ele aborda uma resolução de um conselho vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e com participação da sociedade civil. Sem força de lei ou decreto, o texto publicado em 22 de setembro não cita banheiros unissex. Na semana passada, o ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) contra Nikolas e Barros.

Já as publicações sobre descriminalização do aborto, defendida no voto da ministra Rosa Weber no último dia 22, tiveram participação do campo conservador ainda maior na mesma rede social: o grupo somou 90% dos perfis que se engajaram no tema. Ao todo, foram 784 mil publicações no período, a maioria com manifestações contrárias à legalização do aborto.

— A direita, sobretudo bolsonarista, volta a carga à agenda de costumes conservadores e busca associar o governo Lula a projetos progressistas — avalia Pedro Bruzzi, da Arquimedes. — A estratégia no campo da oposição antecipa o que será trazido nas próximas campanhas eleitorais.

Guerra no WhatsApp

Dados sobre os grupos públicos de WhatsApp monitorados pela Palver, empresa que acompanha mais de 25 mil deles na plataforma, também mostram que as duas pautas atingiram picos de menções nos últimos dias. Entre 22 de setembro e ontem, foram contabilizadas 843 publicações com o termo “banheiro unissex” a cada 100 mil mensagens nos grupos monitorados.

Conteúdos que reproduzem vídeos de Nikolas e Filipe Barros, além de correntes que ligam o PT à legalização do aborto e à liberação do banheiro unissex, estão entre as mensagens que mais circularam no período. Também no aplicativo, as citações a “aborto” tiveram o pico dos últimos 12 meses no dia em que Rosa Weber votou a favor da descriminalização em até 12 semanas de gravidez.

Estudiosa do bolsonarismo, a antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Observatório da Extrema Direita, avalia que é natural que o “botão do pânico moral” seja acionado para mobilizar essa base da direita, segmento em que essa abordagem costuma funcionar e que tem o desafio de se reorganizar sem Bolsonaro já para as eleições de 2024. Kalil vê, porém, como novidade as recentes sinalizações do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que acena a um embate com o Supremo em pautas como a descriminalização da maconha e, principalmente, o Marco Temporal, já julgado inconstitucional pela Corte.

— O STF funciona para esse campo como uma espécie de inimigo, mas fica difícil atacá-lo diretamente depois do 8 de janeiro. Na extrema-direita, existe a ideia de que o STF e o governo fariam parte de uma conspiração — explica a também pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Professor de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, David Nemer, que monitora há anos grupos bolsonaristas, vê uma transição em curso no grupo político, que se desarticulou sem a participação mais ativa de Bolsonaro no debate público e após investigações no STF e na CPMI dos Atos Golpistas no Congresso.

— O bolsonarismo hoje está em transição. Bolsonaro está inelegível, e não tem aparecido nas ruas e em campanhas. O STF, que sempre foi o inimigo para essa extrema direita, começou a pautar temas que tocam no pânico moral, que é onde esse grupo prevalece. Houve também a votação para os conselhos tutelares, que toca nessas questões. Isso não quer dizer que esse grupo está articulado, mas que são questões que colam muito bem nessa audiência.

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