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domingo 12 de junho de 2022 às 08:12h

Patriota usou dinheiro público para comprar ração de cachorro e empregar família de dirigente, diz jornal

NOTÍCIAS, POLÍTICA


A tumultuada tentativa de filiar Jair Bolsonaro ao Patriota, no ano passado, fez com que o então presidente do partido, Adilson Barroso, fosse afastado do cargo, acusado de ter agido sem consultar os correligionários e sem respeitar o estatuto da legenda.

Mas o empenho de Barroso em filiar a família Bolsonaro não é nada comparado ao esforço dele, segundo Malu Gaspar, do jornal O Globo, para favorecer a própria família ao longo dos nove anos em que esteve no comando do Patriota – de 2012 a 2021.

Segundo uma análise da área técnica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), obtida com exclusividade pela coluna, a legenda funcionava como um cabide de emprego para familiares de Adilson Barroso. O partido usava o dinheiro público até para comprar ração de cachorro e fogos de artifício.

Só em 2018, ano em que o partido recebeu R$ 7 milhões de dinheiro público, via Fundo Partidário, os técnicos do TSE descobriram despesas de R$ 9,4 mil com ração para cachorro, R$ 2 mil com fogos de artifício e R$ 40 mil com o combustível de apenas dois veículos de uma fundação ligada à legenda.

Esta foi a primeira vez que o TSE deparou com gastos de ração animal ao analisar prestações de contas partidárias.

Mas um dos maiores gastos foi mesmo com os salários da família Barroso: o próprio Adilson, que era o presidente da legenda, recebeu R$ 532 mil em salários. Outros R$ 590,4 mil para o pagamento de funcionários – a então mulher do presidente, a ex, dois filhos, quatro irmãos e cinco sobrinhos.

“A concentração de recursos no diretório nacional é possibilitada e evidenciada na perpetuação de seus membros, que são familiares do (então) presidente”, ressaltam os técnicos do TSE.

O relatório destaca um organograma da estrutura do Patriota que mais parece uma árvore genealógica da família de Barroso.

Relatório do TSE aponta que familiares de Adilson Barroso dominaram cargos no diretório nacional do Patriota
Relatório do TSE aponta que familiares de Adilson Barroso dominaram cargos no diretório nacional do Patriota | Reprodução/TSE

 

A análise da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) do TSE ainda constatou que a maioria das despesas do partido beneficiou a então mulher de Barroso, Cássia Barroso, que concentrou 94% dos gastos da legenda com hospedagem, 84% com passagens aéreas e 100% com locação de veículo. Cássia é presidente do Patriota Mulher, braço do partido voltado ao público feminino.

O relatório verificou que o partido pagou R$ 41 mil para a empresa de Claudiana Oliveira do Amaral fornecer carnes e alimentos, mas não encontrou nenhuma prova de que os produtos foram consumidos em  eventos partidários. A empresa é de uma filiada da agremiação e não possui funcionários cadastrados no sistema do Ministério do Trabalho e Previdência.

“Tais pagamentos não cumprem princípios constitucionais, tais como o da moralidade e o da economicidade”, aponta o documento.

A Fundação Ecológica Nacional, fundada e mantida pelo partido, também entrou na mira do TSE devido à falta de atividades que deveriam justificar sua razão de existir.

“Não foi evidenciada a missão primordial da fundação, de preparação de futuros representantes do Legislativo e do Executivo, uma vez que inexistem na contabilidade despesas com a organização de eventos e seminários”, diz o relatório.

Ao longo de 44 páginas, a Asepa ainda acusa o Patriota de ter encaminhado a documentação “de forma desorganizada, desobedecendo a ordem cronológica dos pagamentos e juntando separadamente documentos comprobatórios dos gastos, tais como: comprovantes  bancários, boletos e notas fiscais”.

“Tal procedimento é desrespeitoso com a Justiça Eleitoral, dificulta o exame, aumenta o tempo de análise e leva à morosidade o julgamento das contas”, critica a assessoria do TSE.

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O relatório obtido pela coluna ainda está sujeito a alterações, conforme os esclarecimentos que vierem a ser apresentados pelo Patriota.

O Ministério Público Eleitoral ainda vai se manifestar.

O documento final vai conter uma manifestação da área técnica sobre as contas de 2018 da legenda, que aguardam julgamento no plenário do TSE. O caso está sob a relatoria do atual vice-presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.

Procurado pela equipe da coluna, Barroso disse que fez tudo de acordo com a lei. “A ração não foi do partido, foi para o canil da cidade. E os dois mil (reais) de fogos foram para convenção nacional das eleições de 2018. Sobre gastos com funcionários, a lei permite, pois não dá para administrar um partido sozinho”, tentou justificar.

Barroso disse que só empregou familiares porque ele demorou cinco anos para montar o partido. “Eles que me ajudaram a montar.”

O trabalho de fiscalização de gastos partidários exercido pelo TSE está na mira de um polêmico projeto em tramitação no Congresso – do novo Código Eleitoral -, que permite que as siglas contratem empresas privadas para auditar as suas contas, ao invés de terem os gastos esmiuçados por uma equipe do próprio tribunal.

Conforme revelou O Globo, o TSE já está cobrando R$ 65,1 milhões dos partidos por irregularidades nas prestações de contas no uso da verba do Fundo Partidário de 2016.

A fiscalização de 2018 ainda está sendo finalizada – não só no Patriota, mas nos demais partidos.

“Caso o novo Código Eleitoral seja aprovado pelo Senado como veio da Câmara, a identificação desse tipo de irregularidade ficaria totalmente inviabilizada, uma vez que a análise realizada pelos técnicos da Justiça Eleitoral teria de ficar restrita a aspectos contábeis meramente formais e seria autorizado realizar qualquer tipo de gasto, mesmo sem relação com a atividade político-partidária”, alerta o advogado Marcelo Issa, diretor do Movimento Transparência Partidária.

“E mesmo que se considerasse que alguma despesa é irregular, não se poderia aplicar nenhuma penalidade caso esse gasto não superasse 20% do total recebido, o que pode significar uma verdadeira licença para usar irregularmente dezenas de milhões de reais de dinheiro público.”

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