Foco de denúncias nas eleições de 2018, o esquema de candidaturas laranjas lançadas pelos partidos apenas para preencher a cota de 30% de candidatas mulheres exigida por lei ganhou destaque na primeira sessão do Tribunal Superior Eleitoral sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, na última semana.
Sem meias palavras, o novo presidente do TSE afirmou conforme a coluna de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, que não irá permitir candidaturas laranjas “simplesmente para fingir que as mulheres estão sendo candidatas” e que se a prática for comprovada neste ano, chapas inteiras de candidatos serão impedidas de concorrer.
Há quatro anos, quando o esquema veio à tona com candidatas do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro à época, constatou-se que havia um denominador comum nas candidaturas suspeitas de serem de fachada. Todas tiveram pouquíssimos votos nas urnas e os repasses que recebiam do fundão eleitoral, a verba pública a que os partidos têm direito para financiar seus candidatos, destoavam dos demais concorrentes: ou recebiam valores expressivos, a depender de quem as indicava, a ajuda era nenhuma.
Normalmente, os alvos desse tipo de prática são mulheres que desconhecem como funciona a política e são iludidas com o sonho de se elegerem ou simplesmente enganadas por lideranças partidárias locais. Há também aquelas que topam fazer o jogo a pedido de algum político a quem são ligadas de alguma maneira.
Das mulheres acusadas no suposto esquema do PSL em Minas Gerais e Pernambuco nas eleições de 2018, apenas Mariana Nunes se lançou novamente candidata pelo União Brasil, partido comandado pelo deputado Luciano Bivar, que presidia o PSL naquele ano. Ambos chegaram a ser indiciados pela Polícia Federal em 2019, mas o caso resultou em absolvição na Justiça Eleitoral, em junho deste ano.
Embora a campanha eleitoral deste ano esteja apenas no início, já é possível identificar nas mais de 9 mil candidaturas de mulheres registradas no TSE algumas candidatas a serem as novas “laranjas” desta eleição. A seguir, alguns casos reunidos pela coluna.
A massagista tântrica convocada de última hora
Quem segue a massagista Linda Cruz nas redes sociais foi surpreendido na noite da última terça-feira, 16, com um vídeo no qual ela anuncia sua candidatura a deputada estadual pelo PL em Rondônia. Na gravação, feita ao lado da mulher de um deputado do partido que também decidiu disputar a eleição para a Câmara, ela diz que havia acabado de selar a candidatura em uma reunião na sede da legenda em Porto Velho. O mais surpreendente é que ela própria admite ter ficado “muito surpresa” com a candidatura de última hora. No vídeo, Linda pede voto para o senador Marcos Rogério, candidato a governador pelo PL, e para o presidente Jair Bolsonaro.
Na prática, o registro de candidatura dela já tinha sido feito pelo partido na véspera, último dia do prazo determinado pelo TSE. E se não fosse a candidatura da massagista especializada em terapia tântrica, o PL de Rondônia não conseguiria atingir o mínimo de 30% da cota feminina na chapa de candidatos a deputados estaduais. “Eu fui pega realmente de surpresa. Não estava esperando sair candidata a deputada estadual”, admitiu Linda Cruz à coluna. “Esse convite me foi feito há uma semana, em cima da hora, e eu decidi aceitar”, completou a candidata, de 38 anos.
Linda Cruz já foi candidata pelo mesmo PL em 2020, quando tentou se eleger vereadora em Porto Velho. Na ocasião, ela recebeu R$ 4 mil do partido para a campanha. Gastou com o aluguel de dois carros e com um contador e teve apenas 46 votos. Questionada pela coluna se o convite de última hora para concorrer neste ano foi apenas para preencher a cota feminina do partido, ela disse que não. “Eu creio que quando a pessoa entra só para atingir essa cota, acho que a pessoa vai assim meio ‘Maria vai com as outras’, que graças a Deus não é o meu caso”, disse.
Entre as oito candidatas que o PL lançou para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa de Rondônia está Rosana Lobo, de 34 anos, que também foi candidata a vereadora na capital de Rondônia há dois anos e recebeu apenas 33 votos. Na ocasião, ela usou um outro sobrenome na urna e gastou os R$ 4 mil que recebeu do fundo eleitoral com tesoureiro e contador de campanha — nada foi investido em material de divulgação. Agora, também não há nenhuma propaganda da candidatura dela em rede social. Procurada, Rosana desligou o telefone ao ser questionada sobre a candidatura a deputada.
As domésticas recrutadas pelo Agir
No Acre, outro estado do Norte do país, a solução encontrada pelo partido Agir, antigo PTC, que já teve o senador Fernando Collor entre seus filiados, foi segundo o portal Metrópoles, recrutar empregadas domésticas para conseguir atingir o mínimo de 30% de mulheres na chapa de candidatos a deputado estadual. Uma delas é Adriana Andrade, de 41 anos, que ganha R$ 1,2 mil por mês trabalhando como diarista e como servente em um restaurante de beira de estrada na capital Rio Branco. Ela conta que aceitou o “desafio” de ser candidata em uma conversa com o presidente do partido no estado, mesmo sem saber o que faz um deputado na Assembleia Legislativa.
“Pra ser bem sincera, eu realmente nunca nem pensei (em me candidatar), nunca passou pela minha cabeça, mas veio essa proposta pra mim e eu aceitei esse desafio”, disse à coluna. Ela conta que foi prometida uma ajuda financeira para a campanha, com valor ainda não definido, e que ainda está se informando sobre as atribuições de um parlamentar estadual. “Sei dizer que eles têm que apoiar mais as pessoas carentes. Fazer o que tem que fazer. Tentar ajudar, não atrapalhar, né?”, disse Adriana, uma das sete candidatas mulheres do Agir, que lançou 21 nomes para a Assembleia.
Para atingir a cota de 30% o partido também convenceu a empregada doméstica Maria Zuila dos Santos Silva, de 57 anos, a repetir a dose nesta eleição, após ter sido praticamente abandonada há dois anos pelo PSDB, partido pelo qual disputou o cargo de vereadora na cidade de Acrelândia, no interior do estado. Na ocasião, ela recebeu cerca de R$ 300 em santinhos do partido e obteve apenas três votos. “Pra uns é pouco, mas para Deus é muito”, disse à coluna. Segundo ela, o cenário pode se repetir nesta eleição porque até agora o Agir não deu nenhuma garantia de que irá repassar dinheiro do fundo eleitoral para todas as campanhas.
Responsável por recrutar as candidatas, o presidente do partido no estado e candidato a governador, David Hall, responsabilizou as mulheres pelo que classifica como “pouco engajamento” político. “Nós saímos procurando candidatas em potencial, mas não com esse objetivo exclusivo de cumprir a cota”, disse. “Na verdade, isso (desconhecimento sobre a política) está se revelando agora. Quando eu fiz o convite eu não estava convidando para ser candidata laranja. Eu achei que elas toparam porque elas realmente queriam ser deputadas para representar a população”, completou o dirigente, que vai receber R$ 100 mil do fundo eleitoral para depois dividir com outros 31 candidatos do partido. Ao todo, o Agir terá R$ 23 milhões do fundão para bancar campanhas em todo o país.