Um dos supostos sintomas mais difundidos da disfuncionalidade do sistema político brasileiro seria a fragmentação partidária, diz Carlos Pereira, em seu artigo publicado no Estadão. Têm sido recorrentes, diz ele, argumentos de que um sistema político fragmentado não possibilitaria uma clara conexão do eleitor com os partidos, mas sim com os parlamentares individuais. A individualização ou mesmo o personalismo seriam as características dominantes, o que ocasionaria o enfraquecimento dos partidos na arena eleitoral.
Além disso, argumenta-se que a alta fragmentação partidária dificultaria a governabilidade, uma vez que seria mais difícil ao governo contar com partidos coesos nas suas coalizões. Como a conexão na esfera eleitoral dependeria dos vínculos individuais dos parlamentares com os eleitores, os parlamentares dos partidos da coalizão de governo tenderiam a se comportar no Legislativo também de forma individual e não partidariamente.
Em 2017 foram implementadas algumas reformas, notadamente o fim das coligações nas eleições proporcionais e a cláusula de desempenho, que tinham justamente como objetivos a diminuição da fragmentação, o fortalecimento dos partidos junto aos eleitores e o aumento da coesão partidária no Legislativo. Como pode ser observado na Figura 1, a primeira expectativa das reformas foi atingida, com a redução considerável do número de paridos de 16,4 partidos efetivos em 2018 para 9,27 em 2023.
Entretanto, como podemos observar na Figura 2, a redução da fragmentação partidária não foi acompanhada de um fortalecimento das conexões dos partidos com os eleitores. A percentagem de eleitores que votou na legenda partidária, que já era extremamente baixa (10,32%) antes das reformas de 2017, diminuiu ainda mais, especialmente nas eleições de 2022, chegando a apenas 4,13% dos eleitores.
Ou seja, a redução do número de partidos nem sempre os fortalece perante os eleitores. Na realidade, a individualização dos deputados foi fortalecida ainda mais em um sistema político já fortemente individualizado na esfera eleitoral.
Outro elemento que pode ter contribuído para a redução do voto de legenda foi a Lei 14.211 de 2021, que estabeleceu a obrigatoriedade de o candidato a deputado alcançar pelo menos 10% do coeficiente eleitoral para ter direito às sobras do partido, desestimulando assim o partido de puxar o voto de legenda e incentivando o voto individual.
A criação dos fundos eleitoral e partidário milionários, bem como a impositividade das emendas dos parlamentares, também podem ter contribuído com a individualização das conexões dos parlamentares com os eleitores, uma vez que legisladores ganharam mais autonomia do Executivo e dos líderes partidários para ter acesso a tais recursos.
Por outro lado, ao contrário do que muitos analistas têm argumentado, a coesão partidária parece não ter sido afetada pelas reformas de 2017, especialmente a cláusula de desempenho que obrigou parlamentares de preferências supostamente distintas a conviver na mesma legenda. A Figura 3, construída com dados gentilmente compartilhados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), mostra que a coesão partidária, medida pela diferença entre os votos nominais no plenário da Câmara entre a maioria do partido versus a minoria (se não há dissidência, a coesão é igual a 1; mas se o partido racha ao meio, a coesão é igual a zero), tem sido consistentemente muito alta entre os partidos que vêm ocupando assento na Câmara nos últimos 20 anos.
Particularmente, a coesão média dos 16 partidos que compõem a heterogênea super coalizão do terceiro mandato do presidente Lula é extremamente alta, 0,88. O partido menos coeso da coalizão governista, o União Brasil, tem apresentado uma coesão média de 0,80. As dificuldades de Lula no Legislativo nos primeiros seis meses de seu terceiro governo, na realidade, são consequência direta da sua decisão de montar uma coalizão muito grande, muito heterogênea e de não compartilhar recursos de forma proporcional com seus parceiros, especialmente em um ambiente político altamente polarizado.
As reformas de 2017, a impositividade das emendas e a criação dos fundos partidário e eleitoral, portanto, impactaram minimamente o comportamento partidário no Legislativo e, consequentemente, a governabilidade. Em que pese a redução do número de partidos não ter aumentado a identidade partidária junto aos eleitores, como se pretendia, os partidos, em média, continuam a ser muito fortes e coesos dentro do congresso, embora, paradoxalmente fracos na sociedade.