A ameaça da cláusula de barreira, que limita o acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda eleitoral em rádio e TV, tem feito partidos políticos recorrerem a fusões, incorporações e federações para garantirem a sobrevivência. Desde março de 2019, foram dez uniões, ou seja, uma a cada seis meses. Na semana passada, no caso mais recente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a criação do Partido Renovação Democrática (PRD), resultado da fusão entre o PTB do cacique Roberto Jefferson e o pequeno Patriota, ambos de orientação política à direita. Com isso, já são duas fusões, cinco incorporações e três federações em um intervalo inferior a cinco anos.
Negociações em curso indicam segundo reportagem de Marcelo Remigio e Camila Turtelli , do O Globo, que o movimento deve se intensificar ainda mais, com a chance de novas formações. O PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), estuda a possibilidade de se unir a uma outra grande legenda, com bancadas robustas no Congresso. O presidente do partido, senador Ciro Nogueira (PI), já esteve em conversas com o União Brasil, que tem à frente o deputado Luciano Bivar (PE), e com o Republicanos, comandado pelo deputado Marcos Pereira (SP).
Entraves regionais vêm estendendo as conversas e podem levar a formalização para depois da eleição municipal de 2024, principalmente na hipótese de uma federação entre PP e Republicanos. Os partidos que integram a federação precisam estar do mesmo lado em todos os municípios do país, o que alonga qualquer negociação do tipo.
Bancada mais forte
De toda forma, a decisão do PP sobre com qual partido formará a federação deve passar pela eleição da Mesa Diretora da Câmara em 2025. Marcos Pereira e o deputado Elmar Nascimento (União-BA) são pré-candidatos e buscam o apoio de Lira. Quem estiver com o PP poderá ter uma vantagem na disputa. Juntando-se ao União, o partido de Lira teria uma bancada de 108 deputados e 13 senadores; com o Republicanos, seriam 90 nomes na Câmara e outros 10 no Senado.
Já no lado da esquerda, os presidentes do PSB, Carlos Siqueira, e do PDT, Carlos Lupi, têm se encontrado com frequência desde que as Executivas dos dois partidos aprovaram que andem juntos nas eleições de 2024, em preparação para uma possível federação em 2026. O movimento é uma tentativa também de ganhar musculatura dentro de um quadro em que o PT se aproxima cada vez mais de siglas do Centrão, o que automaticamente reduz espaços de aliados à esquerda.
Além do PTB, que concretizou seu casamento com o Patriota, também se fundiram o DEM e o PSL, formando o União Brasil. Já cinco legendas foram incorporadas por outras: o Podemos incorporou o PHS; o Patriota, o PRP; o PCdoB, o PPL; o Solidariedade, o PROS; e, novamente, o Podemos, o PSC. Uniram-se em federações PT, PCdoB e PV; PSDB e Cidadania; e PSOL e Rede.
Doutora em políticas públicas pela Uerj, Mônica Rodrigues afirma que a fusão chega como uma “tábua de salvação” e aponta as federações como uma saída que ganhará cada vez mais força.
— O Brasil tem 30 partidos políticos registrados no TSE, número de antes da fusão do PTB com o Patriota, o que é, obviamente, um exagero. A minirreforma eleitoral propõe reduzir esse número, mas ainda não foi votada. As federações criadas, no entanto, já refletem o que será o futuro das legendas depois da reforma do código eleitoral — diz Mônica, que é professora de pós-graduação de Sociologia e tem trabalhos desenvolvidos na Escola do Legislativo do Estado do Rio, ligada à Assembleia Legislativa (Alerj).
Ela pontua que as fusões são vistas pelas siglas como alternativas imediatas de sobrevivência.
— Assim, voltam a ter verba do Fundo Partidário e tempo de TV — ressalta, numa referência aos partidos que elegeram representantes para a Câmara dos Deputados, mas não atingiram o percentual de votos exigidos (cláusula de barreira) na última eleição.
Diferentes regras
De acordo com o TSE, na fusão os órgãos de direção dos partidos políticos elaboram estatuto e programa comuns. Há uma votação unindo as duas siglas e, por maioria absoluta, elegem o órgão de direção nacional que vai cuidar da nova legenda. Deferido o registro, os partidos políticos que se fundiram são extintos e a nova sigla é criada.
Já nas incorporações, segundo o TSE, “cabe ao partido político incorporado deliberar, por maioria absoluta de votos, em seu órgão de direção nacional, sobre a adoção do estatuto e do programa de outra agremiação partidária”. Com o estatuto e o programa do partido incorporador adotados, escolhe-se uma nova direção nacional da sigla, que permanece com o mesmo nome, podendo também alterá-lo se desejar.
Nas federações, a legislação prevê que dois ou mais partidos políticos se unam em um grupo, atuando como uma única sigla por no mínimo quatro anos. As legendas mantêm seus registros no TSE e suas autonomias, incluindo nomes, siglas e números próprios.
Quando articulações do tipo eram mais raras, o Prona, capitaneado pelo ex-deputado federal Enéas Carneiro, uniu-se ao antigo Partido Liberal para criarem o Partido da República (PR), em 2006. A legenda seguiu viva até 2019, quando teve aprovada a mudança de nome, voltando a ser chamado de PL, Partido Liberal, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro e comandada por Valdemar da Costa Neto.
A estratégia de mudança de nome também tem sido usada pelos partidos como uma forma de renovar a legenda, atrair novos filiados e garantir votos, atualizando marcas e rediscutindo com as executivas mudanças e a modernização dos estatutos. Em cerca de 20 anos, nove siglas foram rebatizadas: PRB virou Republicanos; PMDB, MDB; PTN, Podemos; PR, PL; PPS, Cidadania; PSDC, DC; PEN, Patriota; Partido Progressista, Progressistas; e PTdoB, Avante.
Mesmo com a ameaça da cláusula de barreira, estão em tramitação 21 pedidos de registro de partidos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).