Habituado a centralizar tudo guiando-se por uma lógica pecuniária, o centrão radicalizou. Introduziu na sua prática política métodos mercadológicos. Avesso ao risco, o bloco evita colocar todos os ovos num mesmo cesto. Diversifica seus investimentos. Aplica às claras em Lula, aproveitando as gemas de Tarcísio de Freitas (Republicanos), sem desprezar as cascas de Bolsonaro (PL), diz o colunista Josias de Souza, do portal UOL.
Com três anos e meio de antecedência, o centrão prepara a omelete da sucessão presidencial de 2026. Os partidos seguem a máxima segundo a qual não se pode preparar o prato sem quebrar os ovos —uma espécie de versão culinária de os fins justificam os meios. No momento, o centrão exibe seu código de barras para Lula.
Ouve-se nos bastidores do Planalto um incômodo crec-crec —o barulhinho dos ovos sendo quebrados. Os acordes da sinfonia foram expostos por Arthur Lira há dois meses, numa palestra para empresários, em Nova York. Na sua exposição, Lira tratou a inelegibilidade de Bolsonaro como uma oportunidade a ser aproveitada pelo centrão.
Segundo o raciocínio de Lira, Bolsonaro retirou do “armário” o eleitorado de direita. Até 2026, haveria tempo para consolidar uma liderança conservadora menos vocacionada para os erros que tisnaram a Presidência do mito. O imperador da Câmara anteviu uma disputa dura de roer para a esquerda.
“Então, um candidato de direita, errando menos, com um fortalecimento de uma base que existe no Brasil, e o presidente Bolsonaro como eleitor, eu acho que o quadro fica bastante desanimador para quem quiser disputar uma eleição em 2026”, declarou Arthur Lira.
Hoje, o centrão aplica um PL em Bolsonaro. O partido de Valdemar Costa Neto paga salário de R$ 41 mil a um capitão inelegível, tratado como “cabo eleitoral de luxo”. Simultaneamente, Valdemar cede graciosamente algo como 30 votos dos seus 99 deputados a projetos de interesse de Lula. A banda governista do PL se aninha no segundo escalão da máquina estatal.
O centrão também investe um Republicanos em Tarcísio de Freitas. Braço político da Igreja Universal, o partido abriga a versão light do bolsonarismo ao mesmo tempo em que oferece Silvio Costa Filho, um filiado com viés lulista, para ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios.
O PP de Arthur Lira aposta suas ações em Tarcísio. Na definição do presidente do partido, Ciro Nogueira, ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, o governador paulista é o “primeiro da fila” no bloco da direita. Ciro chama a gestão Lula de “desgoverno”. Diz que o PP “faz oposição”. Mas não se opõe ao iminente ingresso do correligionário André Fufuca no primeiro escalão de Lula.
No momento, Lula dança com o centrão a coreografia da enganação. O presidente simula autonomia. “Temos interesse em trazer esses partidos para dar tranquilidade à nossa governança dentro do Congresso”, disse ele nesta quarta-feira, em Bruxelas. “Mas não é o partido que pede ministério, é o presidente da República que oferece.” A realidade é mais constrangedora.
Depois de manter Daniela Carneiro por mais de um mês na posição de ex-ministra em pleno exercício do cargo de chefe do Turismo, Lula cedeu o ministério a Celso Sabino. Trata-se de um bolsonarista que opera no União Brasil em sintonia com Lira. Ajudou a estruturar, sob Bolsonaro, o arcabouço do orçamento secreto.
Sabino pôs-se a dizer que o centrão vai virando “uma coisa positiva.” Tão positiva que passou a dispor de dois ministros sem pasta. André Fufuca e Silvio Costa Filho desfilam pelos salões e gabinetes do Planalto como ministros esperando na fila pelas nomeações que encostarão o centrão em novos cofres. Nesse tipo de dança os currículos e os nomes das pastas interessam menos do que o tamanho das arcas.
No centrão, os matrimônios sempre terminam em patrimônio. Lula rende-se às conveniências de Arthur Lira sabendo que o imperador da Câmara não é um bom exemplo. Pior: Em nome da governabilidade, Lula finge não notar que Lira é um extraordinário aviso. O presidente da Câmara divide suas atenções em dois campos de visão.
Com um olho, observa a evolução da Polícia Federal nas investigações que envolvem a compra, pelo Ministério da Educação, de kits de robótica superfaturados para escolas alagoanas que não dispunham de estrutura básica. Com o outro, segue os movimentos da caneta com que Lula assina as nomeações enviadas para o Diário Oficial.
Os operadores do centrão que liberaram R$ 26 milhões para a compra dos kits de robótica foram empurrados para dentro do organograma do MEC sob Bolsonaro. A verba do orçamento secreto saiu pelo ladrão entre 2020 e 2021. A imprensa e a PF farejaram os desvios no ano eleitoral de 2022.
Nesse ritmo, os cofres varejados pelo centrão a partir de agora vão explodir antes de 2026. Quando isso acontecer, o governo Lula estará ocupado em explicar os ruídos do crec-crec enquanto o centrão escolhe os temperos para sua omelete.
Em campanha, Lula disse: “Se a gente ganhar, vai ter que dar um jeito no centrão.” Hoje, o presidente é ajeitado pelo grupo. Se Lula tiver desempenho e popularidade, a direita realizará os novos investimentos que faz na esquerda. Do contrário, resgatará as ações que investe num hipotético bolsonarismo sem toxinas.
Diz-se nos bastidores que o centrão está irritado com a demora e as hesitações de Lula. Bobagem, diz Josias. O centrão não fica com raiva. Fica com tudo. Lira e seu grupo não perdem por esperar. Ganham.