Dirigentes de diferentes partidos estão se articulando segundo Sérgio Roxo, Gustavo Schmitt e Marlen Couto, do jornal O Globo, para não cumprir a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de distribuir a verba do fundo eleitoral proporcionalmente de acordo com o número de candidatos que se autodeclaram pretos e pardos. Há dúvidas entre os políticos se as campanhas majoritárias também são afetadas pela determinação.
Dados sobre os repasses financeiros iniciais dos partidos aos candidatos nas eleições deste ano revelam que, nos 14 primeiros dias de campanha, as legendas privilegiaram candidatos brancos e homens. É o que mostra um levantamento feito pelo GLOBO com base nas prestações parciais de contas enviadas até ontem ao TSE.
Lideranças dizem que há forte pressão interna nos bastidores, principalmente de candidatos que concorrem à reeleição. Até a campanha do ex-presidente Lula (PT) pode ficar com R$ 39 milhões a menos do que esperava originalmente receber do fundo eleitoral, e já faz planos de cortar despesas com viagens e impulsionamentos nas redes sociais.
Reservadamente, dirigentes partidários esperam que o TSE promova uma espécie de anistia para as siglas que descumprirem a determinação de distribuição de recursos com base na cor da pele, já que raríssimas são as legendas dispostas a respeitar a regra. Eles alegam ainda que o processo político exige que os candidatos tenham densidade eleitoral e que não basta apenas colocar recursos em campanhas de postulantes negros que não tenham bom desempenho na votação.
Distribuição inicial de recursos por gênero e raça nas eleições de 2022 — Foto: Arte O Globo
O problema afeta siglas da esquerda à direita, como PT, PSB, MDB e União Brasil.
— Estamos nos esforçando para cumprir a cota racial — afirma o senador Marcelo Castro (PI), tesoureiro do MDB.
O PT terá um total de 49,46% de candidatos brancos e 48,37% de negros (pretos e pardos). Os demais se declararam indígenas ou amarelos. O partido ficará com R$ 503,4 milhões do fundo eleitoral, a segunda maior quantia entre todos os partidos, atrás apenas do União Brasil, que ficará com R$ 782,5 milhões.
Reservadamente, coordenadores da campanha de Lula defendem que a resolução do TSE não seja cumprida. A tesoureira do PT, Gleide Andrade, porém, diz que o tema não está em discussão.
— Resolução é para cumprir.
Pela determinação do TSE, a quantia que o PT repassará aos candidatos negros será quase similar à que irá para os postulantes que se declararam brancos.
O mesmo acontecerá com o PSDB , cujo fundo eleitoral será de R$ 317 milhões. Entre os tucanos, há 46% de negros e pardos. Lideranças da direção nacional já admitem que não será cumprida a determinação do TSE e defendem uma discussão de uma flexibilização da norma.
O advogado Michel Bertoni, membro da comissão de direito eleitoral da OAB-SP, entende que a divisão proporcional dos recursos vale para todas as candidaturas, inclusive as majoritárias.
— Pela resolução do TSE, todas as candidaturas do partido são consideradas para fazer essa distribuição proporcional. A resolução não limita às candidaturas proporcionais.
Distribuição até agora
Embora sejam quase metade do total de candidaturas, os concorrentes autodeclarados pretos e pardos receberam apenas 31% dos R$ 2,09 bilhões dos fundos eleitoral e partidário distribuídos até o momento por 27 siglas. Já os candidatos brancos, que são 48,5% do total, ficaram com 73% dos recursos públicos.
Quando analisada a média dos valores repassados, também há discrepância. Enquanto pretos e pardos receberam R$ 192,9 mil, os candidatos brancos tiveram repasse médio de R$ 343,4 mil.
Os números ainda podem mudar, porque a maior parte do fundo eleitoral não foi repartida. Ao todo, os partidos terão 4,9 bilhões para financiar as campanhas. Entre as legendas, 17 têm distorções na proporção entre dinheiro e candidaturas acima de 10 pontos. Entre as maiores siglas, as maiores discrepâncias ocorrem no PT, PSDB e PDT.
Na sigla do ex-presidente Lula, candidatos negros são metade dos candidatos, mas só receberam até o momento 21% dos fundos. O mesmo ocorre no PDT, de Ciro Gomes, em que estas candidaturas correspondem a 52% do total e somam apenas 24% dos recursos públicos. No PSDB, os candidatos pretos e pardos são 46% do total e ficaram com 17% dos repasses nos primeiros dias de campanha.
Já as mulheres são 34% dos candidatos e somam até o momento 27% do montante dos fundos públicos já distribuído. Quando considerados apenas os cargos de deputada federal e estadual, a fatia das mulheres nos recursos chega a 29%. Em média, as candidatas receberam 24% menos que os homens nas corridas para os legislativos: R$ 169,3 mil, contra 221,7 mil.
Quando incluídas as disputas majoritárias, a média feminina salta para R$ 209,4 mil. O número é puxado por nomes como o da presidenciável Simone Tebet (MDB), segunda candidata que mais recebeu repasses no país, com R$ 30 milhões, atrás apenas do ex-presidente Lula, cuja campanha soma R$ 66,7 milhões.