Legislação inédita cria mecanismos de proteção a jornalistas, salvaguardas legais para garantir independência editorial e visa eliminar interferência política, além de ampliar coordenação entre agências reguladoras.A liberdade de imprensa na União Europeia (UE) saiu fortalecida nesta quarta-feira (13) com a aprovação de uma lei inédita pelo Parlamento Europeu que visa garantir a independência de jornalistas e dos meios de comunicação no continente.
A chamada Lei Europeia de Liberdade de Imprensa visa proteger os profissionais de mídia de pressões políticas e da espionagem ciberética, além de criar salvaguardas legais para garantir a independência editorial e a proteção das fontes jornalísticas.
O projeto de lei surgiu em reação a preocupações com a liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polônia, e com o uso de softwares de espionagem cibernética contra jornalistas.
As autoridades serão proibidas de pressionar jornalistas e editores a revelar as suas fontes, seja através da detenção dos profissionais de imprensa, de sanções, de buscas nos escritórios ou da instalação de softwares de espionagem em seus equipamentos eletrônicos.
O Parlamento Europeu acrescentou salvaguardas consideráveis para permitir a utilização de software espião, que só será possível numa base casuística e mediante autorização de uma autoridade judicial que investigue crimes graves puníveis com pena de prisão. Mesmo nestes casos, quem tiver sido alvo de vigilância tem o direito de ser informado após esta ter acontecido e poderá contestar em tribunal.
A lei também prevê que todos os meios de comunicação terão de divulgar informações sobre os seus proprietários. A direção e os e membros do conselho administrativo devem ser selecionados através de procedimentos transparentes e não discriminatórios, para mandatos suficientemente longos. Não será possível demiti-los antes do término do contrato, a menos que deixem de satisfazer os critérios profissionais.
Os meios de comunicação públicos terão de ser financiados através de procedimentos claros e objetivos e o financiamento deve ser sustentável e previsível.
Comitê de agências reguladoras
Um comitê formado por agências nacionais reguladoras de mídia poderá emitir pareceres sobre as condições da liberdade de imprensa em qualquer país do bloco. Se alguma nação não aplicar a lei de maneira adequada, a Comissão Europeia poderá mover um processo legal nos tribunais europeus.
O comitê também avaliará casos de possíveis monopólios por parte de empresas de mídia em violação às novas regras.
As grandes plataformas de internet, como o Google ou as redes sociais X e Facebook, serão obrigadas a dar um prazo de 24 horas aos veículos de imprensa, além de um direito de resposta, antes de restringir ou eliminar seus conteúdos. Para que estejam aptas a receber esse benefício, as organizações de mídia deverão estar devidamente registradas.
A lei gerou polêmica na Alemanha uma vez que, de acordo com a Constituição alemã, a regulamentação da mídia fica geralmente a cargo dos 16 estados do país, e não do governo federal – e menos ainda da UE. No país, assim como em outras partes do continente, havia temores de que a legislação pudesse resultar em um envolvimento ainda maior de Bruxelas em temas cujas decisões cabem tradicionalmente aos Estados-membros.
A nova legislação foi aprovada por 464 europarlamentares, com 92 votos contra e 65 abstenções. O texto ainda precisará ser adotado pelos Parlamentos dos 27 Estados-membros da UE, o que deve ocorrer dentro de poucos meses. A aplicação da lei ficará a cargo de cada país.
Imprensa livre “fundamental para democracia”
A comissária europeia para Valores e Transparência, Vera Jourova, comemorou a aprovação da lei, afirmando em postagem na rede social X que “a imprensa independente é fundamental para as democracias” e que “é dever da democracia protegê-la”.
Em um debate antes da votação, Jourova afirmou que a nova lei permite enfrentar os maiores problemas vividos pela imprensa europeia, como a “interferência de governos em decisões editoriais, pressão sobre a mídia por parte de serviços públicos, espionagem a jornalistas, falta de transparência dos proprietários dos veículos de imprensa e da propaganda estatal e a falta de coordenação entre os reguladores da mídia”.
A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), que atua em defesa da segurança e independência dos jornalistas em todo o mundo, elogiou a nova legislação. “A adoção da lei é um enorme passo à frente em prol do direito à informação dentro da União Europeia”, afirmou a diretora da entidade em Bruxelas, Julie Majerczak, pedindo que os países do bloco a implementem de maneira “ambiciosa”.